A Tailândia é um dos países asiáticos mais abertos à comunidade LGBTQIA+ — e o alistamento militar por lá virou um dos virais mais icônicos da internet
Quem já caiu nos virais do alistamento militar da Tailândia sabe: aquilo ali parece mais um desfile de moda do que um processo burocrático pra entrar no exército. Todos os anos, vídeos de mulheres trans e pessoas LGBTQIA+ participando do processo se espalham pela internet, sempre com aquele toque de glamour, ousadia e zero medo de ser quem são.
Mas, por trás dos memes e do choque cultural que esses vídeos causam, existe uma história muito mais profunda. A Tailândia tem uma relação com a diversidade que chama atenção até dentro da Ásia — uma região ainda muito conservadora em temas de gênero e sexualidade.
Seja nas novelas (lakorns), na música, nos reality shows ou até na rua, a presença de pessoas LGBTQIA+ na sociedade tailandesa é muito mais visível do que em outros países asiáticos.
E o curioso é que isso acontece há décadas. Não é uma tendência nova ou algo “importado do Ocidente”. Faz parte da cultura local, dos costumes, do jeito tailandês de ser. Inclusive, o próprio termo kathoey (กะเทย)— usado para se referir a mulheres trans ou pessoas não binárias — é um conceito antigo e bem típico da Tailândia.
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Mas isso não quer dizer que tudo é perfeito ou que o país esteja isento de preconceito. Ainda existem muitos desafios, especialmente em questões de direitos civis. A Tailândia ainda está caminhando em pautas como casamento homoafetivo e mudança de documentos para pessoas trans. O que acontece, na prática, é um certo paradoxo: existe uma aceitação social maior, mas a legislação ainda não acompanhou essa abertura completamente.
E é exatamente nesse meio-termo que o alistamento militar viral entra em cena: um evento obrigatório, cheio de regras, que acaba virando palco para a diversidade brilhar — e para a internet fazer a festa.
A Tailândia sempre teve um olhar diferente para a diversidade?
Sim, e isso vem muito da própria cultura do país. A figura das kathoeys já é mencionada em registros antigos e faz parte do imaginário popular há muito tempo. Não é difícil, por exemplo, ver personagens LGBTQIA+ em novelas tailandesas desde os anos 1980 e 1990 — coisa que em muitos outros países asiáticos seria impensável naquela época.
Além disso, o turismo LGBTQIA+ sempre foi um dos carros-chefe da economia local. Bangkok, por exemplo, é considerada uma das cidades mais friendly da Ásia, com bares, boates e eventos dedicados ao público LGBTQIA+ rolando o ano inteiro. A indústria do entretenimento também ajudou muito nessa visibilidade, especialmente com o sucesso dos BL dramas (séries de romance gay superpopulares na Tailândia e no mundo todo).

Outro fator importante é a religião predominante no país: o budismo. Apesar de não existir um posicionamento oficial sobre questões de sexualidade, o budismo tailandês costuma ter uma abordagem mais flexível e menos moralista em relação à vida das pessoas. Isso faz com que a sociedade tailandesa, de modo geral, enxergue a diversidade com mais naturalidade.
Mas claro que isso não elimina os desafios. Pessoas trans ainda enfrentam dificuldades no mercado de trabalho tradicional, principalmente em profissões mais conservadoras. Mudança de gênero em documentos oficiais também não é algo simples. E o preconceito existe — como em qualquer lugar. A diferença é que, na Tailândia, a representatividade e a presença social são tão fortes que essas barreiras acabam sendo constantemente questionadas e desafiadas.
Como funciona o alistamento militar e por que ele virou meme?
O processo de alistamento militar na Tailândia é obrigatório para homens cis a partir dos 21 anos. Funciona assim: o jovem precisa comparecer a um centro de recrutamento, onde acontece um sorteio com bolinhas coloridas. Quem tira a bolinha vermelha precisa servir por dois anos. Quem tira a preta está livre.
Parece simples, né? Mas aí entra o detalhe que transformou tudo em um fenômeno cultural: mulheres trans também precisam comparecer — principalmente se os documentos ainda registrarem elas como homens.
E é nesse momento que o viral acontece. Muitas mulheres trans encaram esse processo com humor, estilo e muita confiança. Em vez de irem discretas ou escondidas, elas aparecem como são: montadíssimas, com maquiagem impecável, cabelo feito e looks que dariam inveja em qualquer passarela. Algumas até brincam com a situação e fazem poses, dançam e interagem com quem está gravando.
Isso acabou se tornando um evento esperado todo ano. Vídeos das kathoeys chegando aos locais de alistamento viraram tradição na internet tailandesa e também fora do país. E não demora muito para esses conteúdos rodarem o mundo, sempre com comentários do tipo: “o Brasil seria perfeito se tivesse isso”, ou “a Tailândia vivendo em 3025 enquanto a gente tá preso em 2025”.
Mas é importante lembrar que nem tudo é festa. Muitas mulheres trans ainda relatam situações desconfortáveis no processo, justamente por terem que lidar com a burocracia de documentos que não refletem sua identidade. Mesmo assim, o modo como elas encaram o momento — com humor e autoestima — acabou se tornando uma resposta poderosa ao sistema.
Qual é o impacto disso na sociedade tailandesa?
O impacto cultural desse fenômeno vai além dos memes. Ele mostra o quanto a visibilidade LGBTQIA+ na Tailândia está presente até em espaços tradicionalmente rígidos, como o exército. Enquanto em muitos países da Ásia ser trans ou gay é motivo de repressão ou invisibilidade, na Tailândia é motivo de viral.
Isso não significa que o país seja perfeito ou um paraíso LGBTQIA+ — longe disso. Mas significa que existe um espaço maior de expressão e de presença pública. Pessoas LGBTQIA+ na Tailândia não estão apenas sobrevivendo ou existindo em silêncio. Elas estão ocupando espaços, criando tendências e, no caso do alistamento, até quebrando a rigidez de uma tradição militar com muito estilo.
Outro ponto interessante é que isso ajuda a mudar a percepção internacional sobre o país. O turismo LGBTQIA+ na Tailândia cresce ano após ano, justamente por conta dessa imagem de diversidade e acolhimento. Marcas, empresas e o próprio governo já entenderam o potencial disso.
E claro: o impacto também está na internet. Os memes do alistamento militar tailandês se espalham porque conectam humor com resistência, leveza com representatividade, viral com luta. É uma forma orgânica de quebrar estereótipos e mostrar que a diversidade pode — e deve — estar em todos os lugares.
No final das contas, o que a Tailândia ensina com tudo isso?
A grande lição da Tailândia com seu famoso alistamento viral é simples: ninguém deveria ter que se esconder para existir. Nem em momentos burocráticos, nem em espaços conservadores, nem na vida real. O que começou como uma situação potencialmente constrangedora virou palco para autoafirmação, orgulho e até espetáculo.
Claro que o país ainda tem muito a avançar — principalmente em questões legais e de direitos civis. Mas existe um respeito cultural e uma abertura social que fazem da Tailândia um exemplo importante dentro da Ásia. É uma mistura de tradição com modernidade, de humor com resistência, de meme com história.
No fim, as kathoeys que brilham nos vídeos do alistamento militar da Tailândia não estão só arrancando risadas da internet. Elas estão deixando um recado claro: ser você mesmo é sempre o melhor look possível.
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Texto revisado por Bells Pontes