Nos mundos virtuais dos videogames, onde qualquer história é possível, a presença negra ainda luta para conquistar espaço
A indústria de games
A representatividade negra nos videogames ainda é um tema relevante e necessário de discussão. Apesar dos avanços na diversidade e inclusão em diversas mídias, muitos títulos de games ainda não incluem personagens negros, ou, quando o fazem, os limitam a papéis secundários ou estereotipados.
A ausência de personagens negros protagonistas ou com histórias bem desenvolvidas não apenas marginaliza essa parcela da sociedade, mas também contribui para a perda da oportunidade de enriquecer a narrativa dos jogos com perspectivas variadas e autênticas.
A representatividade negra nos games vai além de uma questão de inclusão; ela é uma ferramenta para destacar e valorizar a comunidade negra em setores fundamentais como a mídia, a cultura, a educação, e os negócios.
Em um ambiente cultural onde os videogames influenciam milhões de pessoas ao redor do mundo, a presença de personagens e histórias que representem a diversidade negra contribui para quebrar estigmas, ampliar o imaginário social e inspirar futuras gerações de gamers e desenvolvedores.
Uma indústria de games mais diversa e inclusiva oferece aos jogadores não apenas entretenimento, mas também uma experiência rica, que valoriza e reflete a pluralidade da realidade. Ao incluir a representatividade negra de forma genuína, os games podem se tornar plataformas de empoderamento e pertencimento, onde todos têm voz e protagonismo.
Onde estão os pretos?
Desde o início, a indústria de games tem sido dominada por homens brancos de classe média, impactando a forma estereotipada de representação de personagens femininas e negras. Apesar de metade dos jogadores serem mulheres, essa proporção não se reflete na criação de jogos. Segundo um estudo de 2021 da Zippia, 76,3% dos desenvolvedores eram homens e apenas 6,2% negros.
Além disso, mulheres e desenvolvedores negros ganham salários inferiores aos de seus colegas homens brancos, indicando desafios significativos na equidade da indústria. No Brasil, um estudo de 2018 da empresa Homo Ludens aponta que apenas 273 funcionários, em um mercado composto de 375 estúdios, são negros.
Apesar de personagens negros marcantes como Barret Wallace, de Final Fantasy VII, e Jax, de Mortal Kombat, a representatividade negra nos videogames ainda carece de protagonismo. Em títulos como Super Smash Bros. Ultimate (2018), nenhum dos mais de 70 lutadores é negro, evidenciando a persistência dessa lacuna.
Enquanto jogos recentes como Spider-Man: Miles Morales (2020) e Dishonored: Death of the Outsider (2017) trazem personagens negros, são expansões de franquias protagonizadas por brancos, reforçando a necessidade de mais personagens negros no centro das grandes narrativas.
A falta de diversidade racial
Durante muito tempo, os protagonistas negros nos videogames foram subrepresentados ou estereotipados. Nos anos 1970 e 1980, personagens negros começaram a surgir em jogos esportivos e de luta, mas muitas vezes como figuras secundárias ou inimigos a serem derrotados. Jogos como Basketball (1978) e Streets of Rage (1991) ilustram essa fase, onde personagens negros apareciam frequentemente como antagonistas ou, no máximo, coadjuvantes, sem o protagonismo que se vê em outras representações.
Uma das marcas do racismo nas obras ficcionais é a perpetuação da ideia de que indivíduos negros são, invariavelmente, criminosos ou ocupam papéis de menor prestígio social. Essa representação limita suas possibilidades de ascensão, muitas vezes restringindo-os a carreiras esportivas, como futebol e boxe, ou à música, reforçando estereótipos que desvalorizam suas múltiplas identidades e capacidades.
Representatividades problemáticas
A partir dos anos 2000, houve um aumento na presença de protagonistas negros nos videogames, com exemplos como CJ e Franklin de GTA, e Lincoln Clay de Mafia III (2016). No entanto, muitos desses personagens ainda são construídos com base em estereótipos de criminalidade e violência. Apesar de sua relevância, a representação de protagonistas negros em papéis além de criminosos ou vítimas de racismo, como heróis ou profissionais de outras áreas, continua rara na indústria de games mainstream.
Um dos problemas principais em torno de CJ de Grand Theft Auto: San Andreas (2004) é que ele reforça o estereótipo do jovem negro da periferia envolvido em gangues, violência e tráfico de drogas, tornando-se também um criminoso. Essa representação, embora significativa na indústria de jogos, limita a imagem do personagem, ainda preso a narrativas associadas à criminalidade, em vez de explorar outras facetas de personagens negros com histórias mais diversificadas e protagonismo fora desse contexto.
Novos tempos
Além de GTA e Mafia III, outros jogos também apresentam protagonistas negros em papéis centrais. Em The Walking Dead (2012), Lee Everett, um dos personagens principais, é um homem negro que luta pela sobrevivência em um apocalipse zumbi, oferecendo uma representação profunda e emocional.
Já em Watch Dogs 2 (2016), Marcus Holloway é um hacker negro que desafia a vigilância tecnológica e luta por justiça, sendo um exemplo de protagonista negro no contexto de ação e espionagem. Temos ainda o personagem Augustus Cole, de Gears of War 3 (2011), que se destaca por ser um dos heróis centrais de uma das maiores franquias de jogos de ação.
Também temos Bayek, o assassino egípcio em Assassin’s Creed Origins (2017), e Billie Lurk, a predadora com poderes sobrenaturais de Dishonored: Death of the Outsider, ambos exemplos de protagonistas negros em histórias ricas e diversificadas.
A representatividade negra nos videogames tem avançado, mas ainda enfrenta grandes desafios. A indústria, historicamente dominada por homens brancos, continua a marginalizar personagens negros, muitas vezes limitando-os a estereótipos ou papéis secundários. Apesar de alguns exemplos de protagonismo, como Lee Everett, Marcus Holloway e Bayek, a presença de personagens negros com histórias complexas e diversificadas ainda é rara.
Para que os games se tornem mais inclusivos, é fundamental que os desenvolvedores criem mais personagens negros como heróis, profissionais e protagonistas em narrativas que vão além da violência e do crime, refletindo a pluralidade da realidade.
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Texto revisado por Alexia Friedmann