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Do underground ao topo da indústria musical: conheça a história do reggaeton

Ritmo latino popularizado por hits como Gasolina e Despacito coleciona tradições, polêmicas e surpresas

Se o surgimento do rock e do hip-hop representaram momentos de êxtase e transgressão em décadas passadas, o reggaeton constrói o imaginário de um fenômeno musical nos dias de hoje. Caracterizado por letras enérgicas e melodias cativantes, o ritmo participa da linha de frente da ascensão da música latina, refletindo tradições de diversos países na busca por uma influência cultural única.

De Daddy Yankee a Karol G, muitos são os artistas que contribuíram para a criação, permanência e prosperidade do gênero, que ganha cada vez mais possibilidades criativas e plateias globais. Quer saber mais sobre a trajetória histórica do reggaeton? O Entretê te conta tudo:

De onde vem esse gingado?

Historiadores apontam que o reggaeton nasceu no Panamá durante a década de 1980, combinando influências do dancehall (variante do reggae), do hip-hop, de ritmos eletrônicos e da música latina como um todo.

O movimento surgiu através de trabalhadores que, após emigrarem de Jamaica e Barbados para atuar na construção do Canal do Panamá, buscavam novas formas de expressão. Assim, o grupo ajudou a criar um novo gênero musical, que ficou inicialmente conhecido como “reggae em espanhol”.

Nesse período, MCs como Leonardo “Renato” Aulder e Edgardo Franco (El General) começaram a traduzir e incrementar canções jamaicanas do dancehall, além de produzirem seus próprios hits, popularizando o ritmo entre os hispanofalantes.

Esse empurrãozinho orgânico obtido pelo reggaeton também coincidiu com a ascensão do hip-hop nos Estados Unidos, o que conectou para sempre a história dos gêneros. De forma geral, ambos passaram a retratar experiências de discriminação, violência e desigualdade vividas por populações socialmente marginalizadas, como negros e/ou imigrantes.

Aos poucos, o rap se espalhou pelo Caribe, ganhando destaque e versões em espanhol em países como Porto Rico, República Dominicana e Colômbia.

Nos anos 1990, a convergência entre a música latina e o hip-hop era tamanha que a fusão se consolidou como outra vertente musical então no cenário underground. No entanto, o movimento foi batizado pela primeira vez apenas em 1994, quando DJ Playero descreveu a sonoridade de seu álbum Playero 30 como “reggaeton”. O termo é formado pela junção da palavra “reggae” e do sufixo “ton”, que vem de “maratón” — nome dado às batalhas de rap na língua espanhola.

A partir daí, o gênero se cultivou amplamente em discotecas e boates, que concediam grande liberdade criativa aos artistas. Fundado por DJ Negro, o clube The Noise se tornou um dos maiores pontos de encontro da época, revelando expoentes do reggaeton como Daddy Yankee e Ivy Queen, bem como abrindo espaço para o perreo (estilo de dança sensual que hoje é uma das principais características do ritmo).

Apesar de proporcionar o desenvolvimento de cantores e produtores cada vez mais comprometidos com uma musicalidade singular, a década ainda ficou marcada por letras homofóbicas, misóginas e sexualmente explícitas, que refletiam tanto as mazelas da comunidade latina quanto os obstáculos que artistas mulheres e LGBTQIA+ precisavam enfrentar ao sonharem com uma carreira no reggaeton.

O teor das composições era polemizado até mesmo pelos líderes governamentais da época, que chegaram a criticar e limitar certas manifestações do estilo em Cuba e Porto Rico, declarando incentivo a condutas como “prostituição, violência e uso de drogas”. 

Daddy Yankee e Ivy Queen, grandes artistas do reggaeton.
Foto: reprodução/Us Weekly

Por outro lado, o ritmo conseguiu crescer sua reputação abarcando fortes músicas de protesto, que abordavam especialmente o racismo e os complexos projetos de moradia da América Latina. Significativa parcela dos cantores e ouvintes do reggaeton viviam nos chamados caseríos, conjuntos habitacionais destinados a pessoas de baixa renda, sendo frequentemente associados às práticas ilícitas e gangues vigentes na região.

A problemática atingiu seu ápice durante a controversa campanha anti-crime La Mano Dura, acusada de ferir direitos humanos em prol da luta contra a insegurança e o crime organizado. Surgido em El Salvador e replicado em outros países latinos, esse quadro de políticas acabou intensificando a importância do reggaeton como resistência popular.

Representação de La Mano Dura, conjunto de políticas que intensificou as manifestações de reggaeton.
Foto: reprodução/El Confidencial
Anos 2000 e 2010: do sonho à realidade

Na virada do século XXI, enquanto alguns artistas do gênero permaneciam interessados em líricas provocativas, outros evitavam discussões sociais profundas para disputar espaço nas rádios — e a tática deu certo. Em 2004, veio o primeiro sucesso mundial do reggaeton: Gasolina, do pioneiro Daddy Yankee.

Não demorou para que as maiores gravadoras dos Estados Unidos vissem uma oportunidade de ouro na ascensão do ritmo latino, que escalava os ouvidos do público ao mesmo tempo que a era digital emplacava mudanças definitivas na indústria, como a criação das rádios online.

Mas as previsões otimistas não se confirmaram. Poucos patrocinadores se interessaram pela ideia de manter estações de rádio focadas no reggaeton, e nenhum dos lançamentos pós-Gasolina gerou receita similar. Embora a força do gênero tenha crescido como nunca em países hispanofalantes, as expectativas de que seus versos e coreografias se tornariam uma tendência global logo desmoronaram.

A solução foi retornar às origens. Voltando-se para o mercado latino e hispânico, novatos e veteranos encontraram plateias dispostas a consumir os muitos formatos possíveis para o reggaeton, das experimentações com o dembow ao casamento entre bachata e trap. Até os anos 2010, nomes como Nicky Jam, Maluma, J Balvin, Don Omar e Yandel já haviam construído carreiras recheadas de hits e fãs.

A inserção mundial do ritmo recebeu novo fôlego a partir de 2014, quando as plataformas de streaming musical, como Spotify e Apple Music, experimentaram uma explosão de assinantes, que passaram a ter acesso contínuo ao repertório de artistas latinoamericanos.

Três anos depois, a trajetória do reggaeton foi completamente impactada por Despacito, parceria de Luis Fonsi e Daddy Yankee que bateu sete recordes no Guinness Book. Na época, o videoclipe da faixa se tornou o mais visto e curtido da história do YouTube, acumulando cinco bilhões de reproduções.

Atraindo atenção massiva para a música latina de forma geral, coube ao hit abrir caminhos para a instalação do fenômeno reggaeton. De acordo com o Spotify, entre o segundo trimestre de 2014 e o mesmo período de 2017, o gênero registrou um crescimento de 119% na participação das reproduções totais da plataforma.

A repercussão inédita também foi sentida nas paradas musicais: ainda em 2017, 19 canções majoritariamente cantadas em espanhol ocupavam posições de destaque na Billboard Hot 100.

Mais que uma guinada artística capaz de revigorar o cenário mainstream com novas visões e melodias, esse movimento desafiou as barreiras linguísticas e culturais historicamente impostas pela indústria. Afinal, embora muitos tenham tentado apostar no contrário, o reggaeton conseguiu mostrar como o sucesso não deveria nem iria ficar restrito a músicas cantadas em inglês e unicamente baseadas nas vivências estadunidenses.

Na verdade, o próprio estilo de arte defendido pelo gênero empodera a música latina como resistência ao modus operandi americano. São canções que recriam o imaginário de bairros e famílias, intensificam os dilemas da humanidade, discutem a sexualidade nua e crua e falam sobre tudo o que pesa no peito dos latinos em sua língua mãe, frequentemente ousando com o spanglish — mistura de inglês e espanhol que, ridicularizada no passado, acabou virando moda sem hora para acabar.

Beyoncé e J Balvin apresentando Mi Gente, música do reggaeton.
Foto: reprodução/Billboard

Na esteira do remix bilíngue criado para Despacito, que contou com a presença de Justin Bieber, outras figuras de peso aderiram ao reggaeton e ajudaram a impulsionar o charme do ritmo latino entre os ouvintes e críticos mais céticos.

Foram os casos de Madonna, que convocou Maluma para explorar o gênero em Medellín (2019); de Drake, que cantou em espanhol junto de Bad Bunny no hit MÍA (2018); de Beyoncé, que se uniu a J Balvin e Willy William no remix de Mi Gente (2018); e de Cardi B, DJ Snake e Selena Gomez, que colaboraram com Ozuna em Taki Taki (2018).

Desde então, também deixou de ser incomum escutarmos batidas que remetam ao reggaeton em trabalhos de artistas pop, R&B e tantas outras vertentes que compõem o mainstream.

Para os artistas latinos que já haviam cravado seus nomes no mercado, o apelo fornecido ao gênero ditou uma oportunidade de repaginação. De modo mais sutil ou rendendo-se dos pés à cabeça, estrelas como Thalía, Shakira e Enrique Iglesias sentiram a necessidade de abraçar os modismos do reggaeton para atualizarem suas carreiras. O planejamento, inclusive, chegou até o Brasil: quem lembra dos primeiros lançamentos de Anitta mirando uma rota internacional?

O poder feminino em jogo

Quando o céu se tornou o limite para o crescimento do ritmo, que sempre foi predominantemente masculino, as mulheres ganharam mais liberdade para fazer seus talentos decolarem. De fato, uma situação fruto do pioneirismo de cantoras como Ivy Queen, La Zista e Glory, que fizeram suas vozes ecoarem durante a criação e sustentação do reggaeton enquanto cultura musical.

Alcançando o centro dos holofotes nos anos 2010, Natti Natasha, Becky G, Tini e Karol G representaram uma fase inédita para o protagonismo feminino no movimento, adotando abordagens explícitas, provocativas e interessantes que lhes rendem notoriedade no cenário musical até os dias de hoje.

Mais tarde, vieram Emilia, Nicki Nicole, Maria Becerra, Danna Paola, Young Miko, Nathy Peluso, Tokischa e muitas outras intérpretes latinas que seguem colaborando com a expansão criativa e territorial do reggaeton feminino. Contudo, artistas espanholas, como Rosalía e Bad Gyal, também têm incorporado o gênero à sua própria maneira e produzido sons inovadores.

Natti Natasha, Maria Becerra, Becky G e Rosalía, mulheres influentes no reggaeton.
Foto: reprodução/Spotify/Billboard
Mercado mundial e tendências à vista

Se o passado do gênero ficou marcado por reviravoltas, os horizontes são muito positivos. Dados da RIAA (Recording Industry Association of American) registraram um aumento de 7% na receita gerada pela música latina somente no primeiro semestre de 2024, totalizando US$ 685 milhões.

A escalada da língua espanhola na indústria musical também ocasionou mudanças nos padrões de consumo. De acordo com relatório da fundação Luminate, o espanhol é o segundo idioma mais apreciado em música globalmente, ficando atrás apenas do inglês. Para se ter uma ideia do avanço conquistado, a música em espanhol agora corresponde a 8,1% do mercado nos Estados Unidos, mais que o dobro do que o visto em 2021.

Quando falamos do mercado global de shows, a expressividade latina chama ainda mais atenção. Atualmente, a música latina representa 15% do setor, impulsionada por intérpretes do reggaeton que vêm batendo recordes.

Em 2024, por exemplo, Luis Miguel realizou a turnê latina mais lucrativa da história, com US$ 318,2 milhões arrecadados e mais de 2 milhões de ingressos vendidos, enquanto Karol G ampliou suas aparições mundiais com a Mañana Será Bonito Tour, que alcançou a maior bilheteria já registrada para uma artista feminina.

Karol G na Mañana Será Bonito Tour.
Foto: reprodução/TPI Magazine

No âmbito criativo, o interesse por músicos que mesclam influências regionais a sons contemporâneos, como o reggaeton, tem crescido exponencialmente. Basta analisar os hits recentes que tomaram as plataformas de streaming e redes sociais — artistas que exaltam suas raízes estão nos ouvidos e na boca do povo.

Entre os maiores expoentes dessa estratégia estão tanto Peso Pluma e Fuerza Regida, que souberam adaptar a regionalidade mexicana às novas gerações de consumidores, quanto Bad Bunny e Rauw Alejandro, que surgiram no trap, mas se esforçam continuamente para absorver com originalidade as tendências musicais de Porto Rico.

Em meio à expansão apoiada em pilares econômicos e populares, o reggaeton deve adentrar 2025 preparado para permanecer diversificando seus traços e incluindo artistas de diversas origens.

Bora atualizar a playlist?

Que tal aproveitar esse especial para descobrir faixas que abraçam o reggaeton de jeitos diferentes? Por aqui, indicamos:

  • VeLDÁ — Bad Bunny, Omar Courtz e Del V;
  • GATÚBELA — Karol G e Maidy;
  • Jagger.mp3 — Emilia;
  • AGORA — Maria Becerra;
  • Besos Moja2 — Wisin, Yandel e Rosalía;
  • No Me Cansare — Sevdaliza e Karol G;
  • Lo Siento BB :/ — Tainy, Bad Bunny e Julieta Venegas;
  • ROMEO — Anitta;
  • Gata Only — FloyyMenor e Cris Mj;
  • Recuerdo — Tini e Mau y Ricky;
  • LA FALDA — Myke Towers;
  • Chulo pt.2 — Bad Gyal, Tokischa e Young Miko;
  • BESO — Rosalía e Rauw Alejandro;
  • Cosas Pendientes — Maluma;
  • Muñekita — Kali Uchis, El Alfa e JT;
  • LUNA — Feid e ATL Jacob;
  • Copa Vacía — Shakira e Manuel Turizo;
  • XQ ERES ASÍ — Alvaro Diaz e Nathy Peluso;
  • qué le pasa conmigo? — Nicki Nicole e Rels B;
  • Qué Pasaría… — Rauw Alejandro e Bad Bunny.

 

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Texto revisado por Bells Pontes.

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