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Foto: divulgação/Fernando Furtado
Foto: divulgação/Fernando Furtado

Entrevista | Ana Cañas fala sobre seu novo álbum Vida Real

A cantora encara a realidade e reflete sobre o amadurecimento feminino em seu mais recente lançamento

Escrito por Leticia Stradiotto

Após mais de duas décadas de carreira, Ana Cañas lançou Vida Real, seu novo álbum. O trabalho surge como um marco de amadurecimento pessoal e artístico, refletindo as transformações profundas vivenciadas pela cantora nos últimos anos. Com canções que transitam entre diferentes nuances do afeto, das perdas e da autodescoberta, Ana se entrega por completo — compondo, escrevendo e arranjando as próprias músicas.

“Aos 40 anos, como mulher, acontecem muitas transformações, tanto em camadas subjetivas profundas quanto na superfície. Aliás, a gente entende mais a essência de si, se importa menos com a opinião alheia depreciativa e busca a qualidade das coisas — seja nas relações, nos afetos ou na praticidade do dia a dia”, reflete a artista.

Em Vida Real, Ana explora as múltiplas versões de si mesma, trazendo um mosaico de emoções e vivências que se desdobram ao longo das faixas.

Foto: divulgação/Jorge Bispo
Foto: divulgação/Jorge Bispo

Então, o Entretetizei realizou uma entrevista com a cantora para saber mais sobre essas facetas presentes no disco. Confira a conversa na íntegra:

Entretetizei: Depois de 180 shows cantando Belchior, quais características dessa turnê de sucesso ressoaram em Vida Real? Houve alguma influência direta ou transformações na sua forma de compor e interpretar?

Ana Cañas: Com certeza! Fazer 180 shows cantando Belchior me trouxe percepções significativas sobre a força da palavra e a perenidade da poesia. Curiosamente, os momentos de maior emoção para mim estavam nas canções extremamente pessoais que ele escreveu. Funcionou como um recado: quanto mais verdadeiro e vívido, mais se alcança o coração do outro. A responsabilidade de viver esse repertório pelo Brasil também me modificou — tanto pela experiência no mercado musical quanto pelo fato de ser uma mulher fazendo isso. Engendrar shows, alugar teatros e vender ingressos sem apoio ou patrocínio foi um grande desafio. Ou seja, foram muitas lições, um aprendizado imenso e um divisor de águas na minha forma de pensar e fazer música.

E: A maturidade feminina muitas vezes vem acompanhada de autoconhecimento, liberdade e um olhar mais generoso sobre a própria trajetória. Você enxerga Vida Real como um reflexo desse amadurecimento? De que maneira essa fase se manifesta nas letras, nos arranjos e até mesmo nas escolhas artísticas que você fez para o álbum?

AC: Enxergo completamente dessa forma! Aos 40 anos, como mulher (estou com 44), acontecem muitas transformações, tanto em camadas subjetivas profundas quanto na superfície. Passamos a compreender melhor nossa essência, a nos importar menos com opiniões alheias depreciativas e a buscar mais qualidade — seja nas relações, nos afetos ou na praticidade do dia a dia. No disco, procurei trazer as diversas mulheres que coexistem dentro de nós, porque somos todas múltiplas. Pensei nele como um caleidoscópio, cheio de prismas e cores que, juntos, criam uma beleza única e uma idiossincrasia tocante.

E: Muitas faixas de Vida Real transitam pelo universo do amor, abordando diferentes nuances do afeto, do desejo e da entrega — seja na leveza de Quero Um Love, na cumplicidade de O Que Eu Só Vejo Em Você ou na sororidade de Amiga, Se Liga. Para você, depois de todas essas experiências e desse mergulho tão profundo na sua própria história, o que é o amor hoje? Ele mudou de significado para você ao longo dos anos?

AC: O amor, para mim, hoje é equilíbrio, boas energias, leveza e tesão (risos, muito tesão!). Não é fácil orquestrar tudo isso, mas, depois de inúmeras vivências no campo amoroso, escolho aquilo que faz bem ao coração. Por isso, o disco traz recortes de momentos e relações diferentes. Algumas músicas foram escritas em 2017, outras em 2019, 2021… o amor pode nos virar do avesso ou nos machucar eventualmente, mas ainda é a melhor coisa da vida para mim — seja o amor por si mesma (na solitude) ou na troca com outra pessoa.

E: A faixa de abertura, Vida Real, tem uma sonoridade que remete fortemente a Bob Dylan, especialmente pela presença da gaita. Considerando que Bob é um artista de destaque, essa escolha foi intencional? Se sim, por quê?

AC: Bob Dylan, para mim, é o grande trovador musical da humanidade. Foi um exímio catalisador do pensamento de sua época, tanto na contracultura quanto no discurso social. Ele rasgou poesia em suas letras e mudou o curso da relevância do pensamento e da argumentação dentro da experiência musical. Assim, é uma das figuras que mais respeito e admiro, sem dúvidas. A canção Vida Real foi inspirada em Fotografia 3×4, do Belchior — que, por sua vez, também era profundamente influenciado pelo Bob.

E: Além disso, as colaborações com artistas como Ney Matogrosso, Ivete Sangalo e Roberta Miranda trouxeram uma diversidade de estilos para o álbum. O que cada um desses encontros significou para você, tanto do ponto de vista musical quanto emocional?

AC: Musical e pessoalmente foi uma emoção enorme! Os três são pilares de seus respectivos gêneros musicais — contundentes e talentosíssimos. Roberta Miranda é uma grande compositora, pioneira no sertanejo, o que é muito significativo! Uma querida, super acessível e criativa. Ivete é um verdadeiro cânone brasileiro da alegria e do entretenimento, ela é sem igual! Eu a amo e admiro profundamente — o vídeo Jamaico é um estatuto da sua genialidade como comunicadora e artista. Ney dispensa qualquer comentário, é um gênio, um acontecimento na música brasileira desde 1973. Um amigo querido e um verdadeiro oráculo para mim. Estou muito feliz com essas escolhas e me sinto extremamente honrada por tê-los no meu disco!

E: Você tem explorado diferentes facetas da sua personalidade ao longo do tempo, e Vida Real parece ser uma verdadeira exposição dessas várias versões de você mesma. Como foi dar voz a essas diferentes Anas em um único álbum? Existe alguma faceta sua que ficou mais presente do que você imaginava durante o processo de criação?

AC: Foi exatamente esse exercício louco de catalisar várias personas artísticas que já se apresentaram nesses 21 anos de carreira. Só que, desta vez, não apenas cantando, mas também escrevendo, compondo e arranjando as próprias canções. Isso foi um grande desafio, um mergulho profundo — quase um processo psicanalítico. Foram anos gestando esse disco e 14 meses em estúdio, mas estou muito feliz com o que conseguimos criar — o Dudu Marote (produtor do álbum) e eu, juntos.

E: Como você acha que os ouvintes vão se conectar com essa diversidade de experiências e emoções? E qual mensagem você gostaria que ficasse mais forte após a escuta do álbum?

AC: Estou tão feliz com esse disco — de uma forma inédita na minha própria discografia — que isso já tem sido motivo de muita alegria para mim! Se as pessoas se identificarem com as canções e gostarem delas, será uma emoção enorme… porque estou trazendo muitas vivências pessoais, entre dores, perdas, amores e reflexões. Mas o real, para mim, são os sentimentos e o afeto — o resto me parece mais transitório e menos sólido. Acho que, se pudesse deixar uma mensagem, seria talvez aquilo que aprendi cantando e vivendo Belchior, algo que sempre me emociona: “Eu sou como você, que me ouve agora.”

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Texto revisado por Larissa Suellen

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