Na obra que já teve seus direitos negociados para virar filme, o escritor apresenta a história de um tio “gay e trambiqueiro”
Imagine uma obra nada clássica que aborda temas espinhosos, como problemas familiares e homofobia, com uma dose perfeita de bom humor. Pode sair do campo da imaginação e se juntar ao clube de leitores de Gay de Família, do escritor de dramas disfarçados Felipe Fagundes.
Felipe ou Fê, como é chamado pelos íntimos (e o Entretê se enquadra nesta classificação), sempre gostou de escrever histórias. Família, amizades complicadas e relacionamentos em geral são seus temas favoritos. Em seu primeiro livro, Gay de Família, Fê apresenta uma história que mescla debates importantes embrulhados em um bom humor que nos faz rir com os olhos ainda marejados.
A obra lançada pela editora Paralela, que já teve seus direitos negociados para virar filme, traz um protagonista no papel de “tio de primeira viagem” e que se autodenomina “gay e trambiqueiro”. Diego é homossexual e não deixa isso passar batido. Cheio de personalidade e piadinhas ácidas, está fazendo tudo o que pode para levar sua vida de um jeito fácil e ainda conseguir um date no meio tempo, quando aceita o convite de ser babá dos três sobrinhos por um final de semana, crianças com as quais ele nunca conviveu.
Em entrevista ao Entretetizei, Felipe falou sobre a trama e contou detalhes do processo de adaptação do livro.
Entretetizei: Como surgiu a inspiração para escrever Gay de Família e criar um personagem tão único como Diego, o tio “gay e trambiqueiro”?
Felipe Fagundes: Gay de Família é o livro que eu sempre quis ler, então fui lá e escrevi. Sempre amei o clichê do homem grandão que, por uma reviravolta do destino, é obrigado a cuidar de um grupo de crianças atentadas. Temos vários filmes assim, como Um Tira no Jardim de Infância e Operação Babá, mas eu nunca tinha visto uma história com um homem gay nesse papel. Gay de Família veio daí.
Também foi importante para mim que o Diego não fosse um “gay exemplar”. Ele é imperfeito, interesseiro, desbocado e mete os pés pelas mãos o tempo todo, de um jeito que eu acho real e com potencial de identificação. O Diego é uma soma das minhas próprias vivências com as experiências de amigos e amigos de amigos. Existem muitos Diegos pelo Brasil.
E: Ao criar o personagem Diego, você se identificou com alguma de suas características ou experiências?
F: Eu e o Diego somos opostos em personalidade, mas também temos alguns pontos em comum. Também sou tio de três sobrinhos e, apesar de Gay de Família não ser uma autobiografia, ter convivido com as minhas crianças com certeza me ajudou a dar o tom certo para os sobrinhos do Diego.
E: Gay de Família aborda situações inusitadas, como lidar com uma gata demoníaca e um amigo imaginário. Como esses elementos contribuem para a narrativa e o que eles representam simbolicamente na história?
F: Acredito que, no fim das contas, ter a companhia de um animal de estimação e de um amigo imaginário fazem parte da experiência de ser uma criança. Gay de Família apenas leva essas situações para outro nível por ser uma comédia escrachada. Eu quis muito que as crianças do livro parecessem de fato crianças e, ao mesmo tempo que se mostram espertas, também apresentam essa inocência em brincar com uma gata arisca e fazer um amigo imaginário ser parte da família.
E: O livro foi descrito como uma mistura de debates importantes com bom humor. Como você vê o papel da comédia na abordagem de questões sociais e familiares?
F: Muita gente acha que comédia é um personagem escorregar numa casca de banana. Isso é comédia também. Mas, assim como o romance e o drama são gêneros com variantes, a comédia vai pelo mesmo caminho. O humor é uma ferramenta incrível tanto para preparar os leitores para assuntos mais delicados quanto para moldar uma crítica social. Eu fiquei muito satisfeito em poder reverter o papel de pessoas LGBT+ nas comédias das últimas décadas, sempre de chacota, vergonha e humilhação. Em Gay de Família, se é para alguém sentir vergonha, que sejam os preconceituosos.
E: Se você pudesse convidar qualquer personagem fictício para passar um fim de semana com o Diego, o protagonista de Gay de Família, quem seria e por quê? Como imagina que seria a interação entre eles?
F: Eu daria tudo para ver o Diego virar uma babá profissional e ser contratado para cuidar das crianças de Os Incríveis. Diego e um neném que cospe fogo. Eu seria feliz pelo resto da vida.
E: Diego, o tio “gay e trambiqueiro”, se aventura em situações bastante peculiares durante o livro. Se pudesse escolher um lugar no mundo real para ele explorar, qual seria e que tipo de confusão você acha que ele poderia se envolver?
F: Eu, na verdade, desde que escrevi a primeira versão do livro em 2020, fico imaginando situações hilárias em que o Diego se meteria com as crianças. Diego e os dioguinhos numa escola, num museu, num estádio de futebol. Até lancei um microconto nas redes sociais na época do lançamento do filme da Barbie, imaginando como seria Diego tentando entrar com as crianças no cinema. Eu simplesmente não consigo parar de pensar nesses personagens andando por aí.
E: A obra foi negociada para virar filme. O que você pode nos revelar sobre esse processo e qual é a sua expectativa para a adaptação cinematográfica?
F: Eu nunca pensei que meu livro pudesse um dia ser transformado num filme. Eu sou muito pé no chão quanto aos meus sonhos e essa parecia ser uma meta impossível de alcançar, então nunca tive grandes expectativas. Agora que está acontecendo, mal sei como reagir. Os direitos de adaptação foram comprados pela produtora Maria Farinha Filmes (mesma produtora da série Aruanas na Globoplay) e nesse momento só me cabe esperar. O processo é lento, e o projeto agora precisa captar investimento para poder de fato existir. Dedos cruzados por aqui!
E: Pensando agora na adaptação de Gay de Família para um musical, que estilo de música você acha que melhor representaria a energia e a comédia da história?
F: Com certeza uma salada de música nacional: a sofrência do sertanejo, as histórias cômicas do pagode e a sensualidade da música pop. Eu ia bater lá na porta dos estúdios se não tivesse pelo menos uma cena coreografada com música da Pabllo Vittar.
E: “Gay de Família foi como comer um chocolate da Cacau Show pela primeira vez, conhecer um amigo virtual que conversa há anos, ganhar um abraço depois de ter recebido só murrada na cara, e principalmente foi ser adotada por uma família depois de ter sido abandonada.” Este é um comentário de avaliação da Amazon sobre a sua obra. Como você descreve a sensação de ler avaliações como essas sobre seu primeiro livro publicado?
F: É o que toda pessoa que escreve humor quer ouvir: as risadas da plateia. Tenho muito orgulho da história que entreguei em Gay de Família e receber esse feedback é essencial para mim. Imagina uma piada que não faz ninguém rir? Toda vez que uma pessoa que leu meu livro e amou tira um tempo para deixar eu e o resto do mundo saber disso, eu fico com vontade de escrever mais dez livros.
E: Para finalizar, se a sua vida fosse transformada em um livro, qual título daria à obra que contaria a história de Felipe Fagundes, o autor que transforma dramas em comédia?
F: Com certeza seria Riu Mais do que Deveria.
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*Crédito da foto de destaque: divulgação/Werner Rehm