A autora nos contou um pouco sobre sua trajetória, inspirações e a importância de falarmos sobre as crises climáticas
Entrevista por: Giovana Sedano
Maria Alice, natural da capital paulista, mas que atualmente mora em Genebra, tem 42 anos e é uma jornalista, poeta e tradutora que acabou de lançar o seu primeiro livro, Maneiras de temer o fim do mundo.
Nas páginas que misturam o estilo de poesia com crônica, ela narra com muita delicadeza e carinho a passagem da infância até a adolescência, contando eventos que marcam a vida dos seus personagens.
Com uma escrita que aborda temas como o medo do futuro, a perda e a saudade, Alice apresentou sua obra ao mundo em um evento aconchegante e familiar realizado na Livraria Gato sem Rabo, em São Paulo, no último domingo (07). O lançamento, que ocorreu das 13h às 17h, contou com a presença não apenas de outras autoras poetisas, mas também de conhecidos e admiradores que acompanharam sua trajetória até esse momento especial.
Em uma entrevista para o Entretetizei, ela compartilha um pouco sobre a realização desse sonho e o caminho que percorreu para alcançar esse momento tão significativo. Além disso, destaca a importância de abordarmos temas relevantes na literatura, que servem como uma porta de entrada para compreendermos outras realidades.
Veja como foi a entrevista:
Entretetizei: Como foi a sua jornada desde a infância até se tornar uma escritora?
Maria Alice: Eu sempre amei escrever, amei histórias e sempre gostei muito de fazer isso. Ai, na faculdade, fiquei um pouco perdida, porque achava muito difícil enxergar o que seria da vida. Como seria essa vida de adulta, gostando de escrever. Eu tinha muito receio de me tornar escritora naquele momento. Então eu fiz jornalismo, nunca trabalhei em redação, fui fazer mais comunicação corporativa, pesquisa de mercado, outras coisas, porque eu tinha um pouco de medo de me lançar nessa empreitada literária, e acho que por bastante tempo isso ficou como uma paixão platônica e, como talvez dê para perceber pelo título do livro, eu também sempre tive uma preocupação com esse fim do mundo, que no livro aparece de uma maneira mais simbólica.
Então, quando me mudei para a Suíça, fui fazer um mestrado em Estudos de Desenvolvimento, pois queria trabalhar em alguma iniciativa de combate às mudanças climáticas, só que ao longo da minha formação de mestrado, eu fui vendo que era muito complicado, que o tamanho do problema era tão enorme, que as soluções estavam muito longe, então eu fui ficando meio desencorajada e me sentia muito sozinha, porque poucas pessoas estavam agindo nesse sentido, era uma negociação muito travada no cenário internacional. Eu acabei ficando meio deprimida e foi quando eu decidi ser mãe, e por anos me dediquei à minha filha.
Mas é aí que justamente o livro entra nessa história, porque eu falei ‘’Bom, não dá para ficar nessa expectativa, nessa antessala de me comprometer com que eu sou. Não é porque eu não tenho uma solução, ou uma coisa pronta, que eu não tenho um livro pronto, que eu não vou fazer nada’’. Então eu escrevi esse livro, que era uma necessidade em contar essas histórias e também para me afirmar como uma mulher que escreve e começa a usar a voz, existir mesmo. Eu falo que eu escrevo sobre a vida possível, dessas coisas do dia a dia.
E: Como você descreveria o seu processo criativo? Existem influências específicas que moldaram o seu estilo?
M: Eu gosto de começar toda sessão de escrita bem livre, como se fosse um diário. Às vezes eu começo realmente como se fosse um, para deixar as coisas saírem, para limpar primeiro o espaço. Depois é uma coisa meio espontânea, vai surgindo aquilo que eu precisava escrever. Após esse exercício, eu começo a trabalhar naquele assunto que eu queria. Eu gosto de escrever em casa também, e tenho a chance de estar boa parte do dia sozinha, para fazer isso.
Sobre os autores e autoras que mudaram a minha maneira de escrever, eu acho que muito ali atrás, quando eu era pré-adolescente, eu lia muito Agatha Christie, e me marcaram muitos clássicos na literatura inglesa. Não que eles reflitam muito no meu texto, mas foram histórias que me marcaram.
E: No seu livro você aborda esse medo de crescer e o medo da finitude. Qual foi a sua maior inspiração por trás desse livro e qual mensagem quer transmitir com ele?
M: Acho que a minha maior inspiração para esse livro foram os sentimentos da infância, de ser tudo muito grande, um maravilhamento e um medo muito grande. Foi essa sensação, dessa Alice criança, que inspirou o livro. E essa sensação, de ver a vida passando como se fosse um filme, ver as coisas acontecendo e sentir saudade delas enquanto elas estão acontecendo. Tem um amigo meu que fala que eu fiz um exercício contra o esquecimento, de registro, e eu acho que faz sentido, porque eu sempre quis segurá-las e guardá-las. A mensagem que eu quero passar é para que as pessoas pudessem criar uma conexão com o livro, se sentirem acolhidas, que conversassem com elas.
E: Como as influências pop dos anos 80 e 90 moldaram a sua identidade como escritora e como elas refletem na sua obra?
M: Bom, eu cresci nesses anos. Eu sou de 81, então vivi toda essa época. E é como todo mundo. Todos esses anos de formação marcam muito a gente, e eu prestava muita atenção nas coisas, quase como se os meus olhos fossem filmadoras. É um pouco a origem de tudo, e é algo muito gostoso de se voltar e lembrar.
E: Quais são os seus planos para o futuro? Está trabalhando em algo específico?
M: Eu estou trabalhando em algumas ideias, é como plantar um jardim e ver o que vai crescer. Eu estou um pouco nessa fase ainda, mas tenho muita vontade de escrever livros para o público juvenil e tentar escrever coisas que tragam mesmo um diálogo, uma contribuição. Mas é tudo muito embrionário ainda, não tenho nada de concreto (risadas).
E: Como você vê o papel da literatura na sociedade atual? Considerando as mudanças climáticas, de identidade e pertencimento.
M: A literatura ajuda a gente a aprender essas questões que são muito complexas, porque olhamos para as mudanças climáticas e vemos algo tão grande, tão complexo, que acabamos travando. E a literatura ajuda a gente a entender aquilo e integrar o problema em outra linguagem. Acho que é a mesma coisa com as transformações sociais, é muito mais potente quando a gente começa a ter mais visibilidade para a literatura escrita por autores e autoras não brancas e não binárias. Conforme vamos tendo acesso a outras narrativas, vamos abrindo um caminho para que outro mundo exista. A literatura traz quase um convite para que as pessoas saiam de si mesmas para criar um mundo possível.
E: Porque contar essa história como crônica?
M: Olha, não foi tão intencional, eu comecei a contar as histórias de uma maneira muito livre, não pensava que ela seria de um jeito específico. Então quando eu já tinha uma quantidade de histórias, que davam um corpo de livro, percebi que seria isso, que seriam histórias curtas, que estão meio entre o conto e a crônica. Isso se deu pelo fato dessas histórias serem baseadas em uma experiência pessoal e que é ficcionalizada até um certo ponto.
E: Depois desse evento de lançamento, como você se sente?
M: Foi muito gostoso, eu me senti abraçada por estar com a minha família, amigos e pessoas que conheci hoje. Eu fico muito feliz em ver as pessoas que me acompanharam aqui, é uma vivência junto. É um lugar confortável, realmente como um abraço.
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*Crédito da foto de destaque: Reprodução/Instagram @aalicestock
Revisado por Carolina Carvalho