O Brasil chora a perda de seu maior ícone do samba. Nelson Sargento foi cantor, compositor, pintor, artista plástico e um dos maiores nomes do samba brasileiro
No último dia 27 de maio, faleceu Nelson Sargento, um dos maiores nomes do samba brasileiro, vítima da COVID-19. Nelson Mattos foi compositor, cantor, pesquisador da Música Popular Brasileira, artista plástico, ator e escritor brasileiro, que encontrou sua casa na Estação Primeira de Mangueira – escola de samba carioca -, presidindo a ala de compositores da escola e se tornando, mais tarde, presidente de honra. Aos 96 anos, Nelson Sargento ainda cantava, dançava e se emocionava com os sambas da Mangueira, sua escola do coração.
Quando criança, Nelson morava no Salgueiro e, aos 10dez anos, participou do desfile de uma escola de samba do morro, a Azul e Branco (Em 1953, a Escola Azul e Branco se fundiu a Depois Eu Digo e tornou-se a conhecida Acadêmicos do Salgueiro). Mas seu coração verde e rosa começou a bater mais forte quando se mudou para a Mangueira aos 12 anos. Sua mãe, Maria Rosa da Conceição casou-se com o português Alfredo Lourenço, que lhe mostrou a vida na arte e, a partir deste momento, Nelson começou a trilhar seu caminho para o mundo do samba. Seu padrasto também era compositor e os dois entraram para a história da Mangueira ao comporem juntos um dos samba-enredos mais bonitos já feitos, o Cântico à Natureza, mais conhecido como Primavera. O samba ilustrou o Carnaval de 1955, consagrando-a vice-campeã.
Seu legado na arte como um todo é visto e apreciado como um patrimônio. Nelson compôs, ao longo de sua vida, 400 canções, publicou dois livros – , Prisioneiro do Mundo e Um Certo Geraldo Pereira – e participou dos filmes O Primeiro Dia, de Walter Salles e Daniela Thomas, e Orfeu, de Cacá Diegues, além de ter um documentário só seu, chamado Nelson Sargento da Mangueira. Em 1997, o sambista recebeu o Kikito de melhor trilha sonora no Festival de Gramado, pelo curta-metragem Nelson Sargento da Mangueira, do diretor Estevão Pantoja.
Nelson foi parceiro de composição de grandes nomes da música brasileira, como Cartola, Carlos Cachaça, Darcy da Mangueira, João de Aquino, Pedro Amorim, Daniel Gonzaga e Rô Fonseca. Para ele, “Cartola não existiu, foi um sonho que a gente teve”, brincava. Seu apelido, Sargento, deu-se por uma breve passagem pelo Exército Brasileiro entre os anos de 1945 e 1949, durante a Segunda Guerra Mundial, no qual alcançou a à patente. Desde então, não era conhecido por outro nome.
Negro e pobre, Nelson cresceu em uma época em que a repressão e o preconceito eram marco na história do Brasil e lutou contra tudo isso em sua arte. Resistiu às piores partes de se viver em um país elitista e inspirou tantos outros a trilharem o mesmo caminho, criando e compondo canções que, até hoje, seriam reverenciadas por todos os brasileiros. Ao longo de seus 96 anos, sobreviveu a uma ditadura, a guerra, a exclusão e desigualdade social, a Nova República e ao Bolsonarismo, que hoje assola o país. Nada disso o impediu de continuar vivendo para a arte. Em 1996, foi agraciado com a Medalha Pedro Ernesto, pela Câmara Municipal do Rio, em homenagem a sua vida dedicada à arte.
Vou viajar nas asas da canção até encontrar a inspiração pra compor um sublime poema de amor
Sua paixão pela música, sua simplicidade e seu legado influenciaram artistas ao redor do Brasil, tanto no samba quanto na Música Popular Brasileira. Alguns, inclusive, tiveram a honra de tocar com ele ao vivo, e guardam boas lembranças desse momento. Em depoimentos exclusivos para o Entretetizei, amigos, fãs e parceiros de samba lamentam a morte de Nelson Sargento.
Noca da Portela, cantor, compositor e um dos maiores sambistas brasileiros conta como foi sua relação com Nelson Sargento, seu ídolo e amigo.
“Nelson foi um grande amigo meu, irmão, parceiro, meu ídolo… e tem uma história muito interessante porque eu tinha 20 anos e ele tinha 28 e, eu lembro muito bem, nós fazíamos uma roda de samba no Buraco Quente, na Mangueira, e estava lá Zagaia, Victor Rico, Nelson Sargento, Comprido, uma série de grandes sambistas da Mangueira. Nelson foi uma profecia. Eu cantei um samba lá e ele gostou muito. Ele chamou o Pandeirinho, Bento Rico, Zagaia, Comprido e falou assim ‘vamos fazer uma profecia. Esse menino ai, Noca, vai ser um dos maiores compositores do Brasil. Ele tem um dos maiores talentos do Brasil. Esse garoto vai longe!’
Passaram 66 anos e viramos parceiros e amigos, e eu tinha um respeito e admiração muito grande por ele. Eu lembrei o Nelson quando fui fazer um show com ele. E, eu falei ‘eu tinha 20 anos e você fez uma profecia na Mangueira, no Buraco Quente, dizendo que eu seria um dos maiores compositores do Brasil e hoje eu tenho mais de 400 músicas, sou um dos maiores compositores do mundo’. Isso me orgulhou muito, não esqueci nunca mais e nós ficamos amigos, fãs e parceiros. Inclusive, nós fizemos um samba juntos e eu vou lançar no meu próximo disco se Deus quiser, em homenagem ao meu querido amigo e mestre Nelson Sargento. Eu costumava chamá-lo de profeta, Nelson Profeta. Falo isso há 68 anos.
Que Deus tenha recebido ele de braços abertos no céu e ele vai ser General no céu. Quem chega aos 96 anos, chega bem. Porque ele chega com missão cumprida”, comenta Noca.
Para Reinaldo Perillo, músico e percussionista, “Nelson Sargento foi um baluarte do samba. Um cara humilde, alegre, espontâneo e batalhador. Um cara que lutou contra uma série de preconceitos pelo caminho, mas mostrou a sua força e sua genialidade e venceu todos os obstáculos”, diz. “Eu tive a honra e a felicidade de poder participar de eventos junto a este grande sambista. Pude tocar com ele no Tabuleiro da Baiana, em Botafogo, onde foi realizado um evento artístico com vários compositores e pintores e no Centro Cultural Cartola, na Mangueira, em uma homenagem especial ao grande ícone da nossa música. Uma lamentável perda para a nossa cultura musical”, finaliza.
Henrique Vasconcelos, músico e cavaquinista, participou de um evento no Museu do Samba. “Tive a oportunidade de acompanhá-lo uma vez onde ele foi convidado do samba que eu tocava no antigo Centro Cultural Cartola, hoje conhecido como Museu do Samba. E foi a maior responsa (sic)! Ele foi super atencioso com a gente, parecia uma entidade (risos). A gente o acompanhou e numa hora até tomei uma chamada dele na música dele, O Nosso Amor é tão Bonito, porque acabei puxando o cavaco muito na frente e ele disse pra ir devagar”, comenta. “A perda dele pro samba é grande, pois nossas referências estão nos deixando e nós jovens temos que manter a chama dessas pessoas vivas, pra que nunca sejam esquecidas!”, finaliza.
Piadista, Nelson Sargento costumava ser um cara alegre, divertido e risonho, que encantava a todos ao seu redor com seu humor amável e alto astral. Para fazê-lo rir, bastava contar uma simples piada e Nelson já caía na gargalhada.
“Nelson era um cara bacana, vai fazer falta no mundo do samba. Eu gostava muito dele, a gente era amigo. A última vez que eu estive com ele foi no velório da Beth Carvalho. Eu viajei muito com ele, fiz muito show. Era um cara alegre, que gostava muito de contar piada, ria e gostava de rir pra caramba. Além de compositor, músico, era pintor, presidente de honra da Mangueira… Era um cara bacana! Infelizmente, a vida é essa, mas mando um beijo pra ele onde quer que ele esteja”, comenta Darcy Maravilha, cantor, compositor, sambista carioca e Estandarte de Ouro da Portela.
Eliane Faria, cantora, compositora, sambista e filha do ilustríssimo Paulinho da Viola, lembra de Nelson Sargento com carinho e afeto. “Nelson Sargento tem uma grande importância na minha vida porque ele me conheceu na barrida da minha mãe, trabalhou anos com o meu pai, e logo no iníicio, quando eu comecei a cantar, ele foi a pessoa que mais me incentivou. Participei de vários shows dele e ele foi responsável também pelo meu apelido, a Filha do Samba, porque eu sou neta, filha, sobrinha e afilhada de sambistas. Ele estava sempre me orientando. Inclusive, eu chamo ele de pai, porque ele tinha uma relação comigo bem paterna, um carinho e afeto muito grandes. Nossa passagem juntos nessa vida foi maravilhosa, e só tenho que agradecer a tudo que ele me ensinou e fez por mim. Ele deixa, além do ensinamento do amor, uma obra belíssima, tanto na arte do desenho naïf (tipo de arte popular e espontânea, produzida por artistas autodidatas), quanto na música e na poesia. Salve Nelson Sargento!”, comenta.
Para Gabriel Buzunga, músico e percussionista, Nelson Sargento fará falta. “Em meados de 1997, fui convidado para fazer percussão em um evento em Guapimirim com Sr Nelson Sargento e Elton Medeiros, grandes baluartes da música brasileira. Na companhia de Theo, violinista, seguimos viagem. Chegamos ao pé da Serra e fazia muito frio, caindo uma neblina espessa, dificultando nossa caminhada.
Chegando ao local, casa de família, fomos muito bem atendidos. Logo entramos no salão no qual aconteceria a apresentação. Aguardamos no hall e de repente chega a dupla de peso musical: Nelson Sargento, que na época ainda não tinha restaurado sua arcada dentária, e Elton Medeiros. Fomos apresentados e foi um prazer imenso poder estar no mesmo ambiente que eles. Papo vai, papo vem, montamos repertório, conferência de tom, rotina pré-show. Nelson Sargento, com suas piadas, acabou por soltar uma pérola: ‘Buzunga, você sabe quando leite vira música?’. Respondo prontamente ‘ Não sei. Quando?’ É quando o leite é só nata!’
Show descontraído, repertório de lindas canções, a produtora pagou nosso cachê, nos deixando mais aliviados pois teríamos que retornar pela serra. Assim foi como conheci o ilustríssimo Nelson Sargento, um dos representantes da nossa verde e rosa!”, diz.
Descanse em paz, querido Nelson! De onde você estiver, saiba que sua música, arte e força estarão conosco para sempre e jamais serão esquecidos. Obrigada por tanto!
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*Crédito da foto de destaque: Reprodução