Em seu nascimento, King Kong personificava o racismo ao retratar o mito de que os africanos eram selvagens comparados a macacos.
O Entretê traz uma reflexão sobre a representação negra no cinema de terror, onde entendemos o que são filmes de terror com negros e filmes negros de terror. Basicamente, filmes de terror com negros, como O mistério de Candyman (1992) e A noite dos Mortos Vivos (1968), são filmes que retratam a população negra e a negritude no terror, não necessariamente havendo personagens negros. Afinal, a ausência já é uma mensagem por si só.
Por outro lado, filmes negros de terror, como O que ficou para trás (2020), possuem um foco narrativo adicional voltado à identidade da comunidade negra como um todo, falando sobre experiências e tradições culturais negras.
Olhar o passado para entender o presente
Para entendermos as raízes de King Kong, precisamos voltar algum tempo na história do cinema. O seu precursor foi o filme de terror com negros Ingagi (1930), que conta a história de um grupo de cientistas (brancos) que viaja para as profundezas de uma selva animalesca do Congo, para investigar os rituais estranhos de uma tribo que reverencia e teme os gorilas, ou ingagis. O longa possui a narrativa focada no estereótipo racista da sexualidade animalesca da mulher negra, ao retratar essa tribo que oferece suas mulheres virgens às feras em troca de paz.
O filme, vendido na época como um documentário, usava em seu pôster a imagem de um gorila sequestrando uma mulher negra enquanto apalpa seu seio. Aludindo a uma sexualidade negra e masculina agressiva em forma de gorila. É um caso, como argumenta o escritor James Snead, do negro codificado, no qual a negritude é representada implicitamente na figura do macaco.
Além disso, os materiais promocionais questionavam o público se Darwin estaria certo. Assim, Ingagi sugeria uma ligação direta entre a genética negra e as bestas negras. Como resultado, temos um filme que, junto da mentalidade supremacista branca da época, associa as práticas negras à bestialidade, causando repulsa em seu público.
Ingagi x King Kong
Com o sucesso de Ingagi, o estúdio RKO autoriza a produção do primeiro King Kong, de 1933. Se ingagi fez com que o público considerasse os costumes sexuais repulsivos das mulheres negras, King Kong estendeu o ataque metafórico aos homens negros por meio das imagens de um grande gorila perseguindo uma mulher branca.
Com mais um caso de negro codificado, Kong é enegrecido quando posto em relação aos brancos do filme. Kong é a cor negra emergindo de uma cultura primitiva mais baixa, na qual é cercado por nativos negros, ou mini kongs quando se vestem como macacos para adorar o grande Kong.
Assim como Ingagi, King Kong usa o artifício narrativo de uma história dentro de outra, quando os cineastas brancos resolvem terminar seu filme em uma ilha. No filme, assim como em Ingagi, o chefe nativo oferece suas mulheres virgens, silenciosas, submissas e seminuas como noivas para Kong.
Quando os brancos chegam, a tribo conclui que a jovem atriz é especial por sua pele clara, chamando-a de mulher dourada, e é quando o chefe propõe uma troca perturbadora, seis mulheres negras pela atriz, a qual é recusada. Como o psicanalista Greendberg elabora, esse confronto é “uma criação de mitos raciais dos mais horríveis, no qual uma mulher branca deve valer seis mulheres deles.”
O filme também afirma que, diferente de seus encontros com as mulheres nativas negras, a reação de Kong ao ver Darrow (Fay Wray) é única, pois ele se apaixona por ela, esse desejo de Kong por uma parceira humana não é mostrado enquanto mulheres negras são oferecidas a ele. O quão problemático pode ser essa situação?
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Texto revisado por Doralice Silva