Como a indústria turca pode contornar a atual situação de crise na audiência e cancelamento de produções
De acordo com a revista The Economist, a Turquia ocupa o terceiro lugar entre os maiores exportadores de produções audiovisuais do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e do Reino Unido. Entre 2020 e 2024, o interesse internacional por suas produções cresceu impressionantes 184%. Apesar desse sucesso global, por que o país ainda enfrenta cancelamentos de séries e dificuldades de exibição por questões publicitárias? E o que pode ser feito para superar esses desafios?
O que são as dizis e números de exportações
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Como já mencionamos aqui no Entretetizei, em uma matéria sobre as produções turcas, o termo dizi refere-se a novela, enquanto TV dizileri é a denominação para séries turcas. No entanto, o público internacional costuma usar dizi para ambos os formatos.
Assim como novelas e séries brasileiras, americanas e europeias, as dizis abordam diversas temáticas, como drama, ação, comédia romântica e produções voltadas para o público jovem. Os episódios de novelas turcas têm duração média de duas horas, mas, durante a exportação, são editados para se ajustarem ao padrão internacional de 40 a 50 minutos por episódio.
Entre as produções turcas de maior sucesso e alcance global estão: O Canto do Pássaro (2022), Yargi: Segredos de Família (2021), Meu Lar, Meu Destino (2019), Será Isso Amor? (2020) e Hercai: Amor e Vingança (2019). Em 2023, essas séries foram exportadas para 170 países, gerando uma receita de US$ 600 milhões (aproximadamente R$ 3,5 bilhões), segundo a DW.
No Brasil, o interesse por produções turcas tem crescido significativamente. Plataformas de streaming como Max e Globoplay investem cada vez mais em séries e novelas turcas. Esse aumento reflete uma tendência no mercado audiovisual brasileiro, que busca histórias com temas universais e culturalmente ricas.
De acordo com o Meio & Mensagem, no dia 30 de outubro do ano passado, a Record alcançou sua melhor audiência nacional ao exibir a novela turca Força de Mulher (2017). A Band também já apostou em produções turcas, que conquistam o público por sua alta qualidade de produção e personagens multifacetados.
Investimentos de grandes serviços de streaming na Turquia
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Os serviços de streaming já tomaram conta da indústria do entretenimento: a Netflix, a Max e o Disney+ realizam compra de direitos autorais e de licenças de produtoras para oferecer filmes e séries em seus catálogos.
Em 2022, o Disney+ decidiu iniciar as produções originais na Turquia. Neste ano de 2025, já foram confirmados os títulos: 8. Aile, Reminder (Aşkı Hatırla), Başka Bir Sen, entre outros. Quando falamos sobre a Netflix, O Último Guardião (2018) foi a primeira produção original turca na plataforma.
O investimento de grandes empresas do streaming aumenta a concorrência com outras plataformas locais, como BlutTV e puhutv, e com canais televisivos, que buscam mão de obra de atores, roteiristas, equipe de cenário e gestão, incrementando as ofertas de emprego para pessoas com formação adequada para trabalhar no setor.
Os espectadores internacionais se tornam mais propensos a compreender e apreciar a cultura turca, e a demanda por produções do país, entre 2020 e 2023, superou o crescimento de 73% dos K-dramas no mesmo período. Esse sucesso não apenas posiciona a Turquia como uma potência no entretenimento global, mas também oferece novas oportunidades para a expansão cultural e econômica do país no cenário internacional.
“Quando você escreve um roteiro para uma plataforma digital, tanto a duração de um episódio quanto o número de episódios diminuem”, comentou o roteirista Ercan Mehmet Erdem para a BBC Turquia.
Cancelamentos das produções versus audiência internacional
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Em entrevista à Revista Mia, Can Yaman expressou sua insatisfação com as exaustivas jornadas de trabalho na Turquia: “Trabalhamos de 17 a 18 horas por dia, às vezes mal dormimos”, revelou o ator. Recentemente, a atriz Burcu Özberk também demonstrou descontentamento após enfrentar o cancelamento de duas produções protagonizadas por ela em 2023: Kraliçe e Ruhun Duymaz.
Os cancelamentos de séries turcas têm se tornado um problema significativo. A lista é extensa. Sr. Errado (Bay Yanlış, 2020) pode enganar com seus 43 episódios no Globoplay, mas, na realidade, a produção foi cancelada com apenas 14 episódios. Sol Yanım (2020) foi interrompida após 12 episódios, enquanto o drama Azize (2019), estrelado por Hande Erçel, foi cancelado com apenas seis episódios.
Mesmo conquistando popularidade internacional, muitas dizis são abruptamente canceladas devido à baixa audiência local, causando sérias consequências financeiras para as produtoras e profissionais envolvidos — roteiristas, atores, produtores de elenco, figurinistas, sonoplastas, entre outros.
As séries e novelas turcas representam um valioso soft power — estratégia utilizada por países para conquistarem poder e prestígio sem o uso da força, como, por exemplo faz a Coreia do Sul, que utiliza atrativos da cultura pop, como K-dramas e K-pop — para o território e deveriam ser usadas estrategicamente para amenizar a crise econômica, respeitando o alcance internacional.
Quanto maior a visibilidade da Turquia no mercado global, maior o fluxo de turismo e oportunidades para os profissionais do entretenimento turco em outros países.
Em entrevista para o Entretetizei, Deniz Baysal revelou: “(…) Devido às condições de trabalho, nós mesmos nos limitamos como produtores, roteiristas, atores ou donos de canais, porque nossos horários são muito longos. Quando é vendido no exterior, sim, é dividido, mas aqui, durante as filmagens, nossos horários são muito longos, então tentamos produzir rapidamente, abrindo mão de muitas coisas. Enquanto produzimos, priorizamos apenas a rapidez, sempre correndo para cumprir o prazo de entrega de um episódio.”
Como superar o atual cenário?
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A audiência nacional da TV turca ainda é o fator principal para os canais decidirem onde os patrocinadores vão investir. Aqui no Brasil, por exemplo, temos intervalos entre os blocos das novelas, onde vendemos os famosos espaços de 15, 30 e 60 segundos para comerciais. Dependendo do horário e da região, esse valor pode variar bastante.
Além disso, estamos acostumados com o product placement, com produtos e marcas inseridos diretamente nas cenas — e até personagens que viram influenciadores digitais dentro da trama. Parafraseando novamente o Meio & Mensagem:
“Na novela A Dona do Pedaço (2019), o conteúdo da trama invadiu os espaços comerciais. Nela, a personagem da atriz Paolla Oliveira, Vivi Guedes, era protagonista de uma campanha da Fiat durante o intervalo da novela.”
Para contornar os cancelamentos e tornar o mercado turco mais rentável, uma boa saída seria apostar em episódios mais curtos, além da criação de cidades cenográficas para organizar melhor o quadro de gravações internas e externas. A integração com plataformas digitais e redes sociais também precisa ser uma realidade.
Spin-offs patrocinados no YouTube e em plataformas pagas, parcerias com marcas internacionais para aproveitar o sucesso global crescente, episódios temáticos financiados por empresas e até linhas de produtos inspirados nos personagens mais populares comercializadas por tempo limitado — aproveitando o efeito do gatilho de escassez no público.
Giovanna Antonelli foi um verdadeiro fenômeno na CAT (Central de Atendimento ao Telespectador) da Globo, justamente porque suas personagens transformam simples objetos em tendências nacionais. Quem não se lembra da pulseira da Jade em O Clone (2001), das gargantilhas da Atena em A Regra do Jogo (2015), ou dos cintos estilosos e da capinha de celular da delegada Helô em Salve Jorge (2012)?
O mesmo pode — e deve — acontecer na Turquia. Imagina só uma parceria direta entre produtoras e marcas nacionais e internacionais de moda, decoração, cama, mesa e banho, até aluguel de carros? Seria uma forma de transformar itens de cena em verdadeiros objetos de desejo para o público, independentemente da localidade.
Um ótimo exemplo disso é o anel da Eda, um objeto de desejo e de importância na trama de Será Isso Amor? (Sen Çal Kapımı, 2020). Para os fãs brasileiros, encontrar a loja oficial que vende o anel original de peônia é bem difícil. Se houvesse uma organização estratégica para facilitar essa importação, seria sucesso garantido. É o tipo de oportunidade que conecta a narrativa da série ao consumo — e todo mundo sai ganhando.
Além da censura
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Yargı: Segredos de Família (2021) acompanha a história de uma advogada e um promotor com visões opostas sobre justiça, que precisam unir forças para solucionar um assassinato. A série não apenas conquistou o público turco e internacional, como também levou o prêmio Emmy International 2023 na categoria de Melhor Telenovela.
Mas Yargı vai além do entretenimento convencional. Ao abordar temas sensíveis e complexos como corrupção, assédio e machismo, a produção se posicionou como uma trama ousada dentro do cenário televisivo turco. Para muitos, a série representa uma crítica ao sistema judiciário do país — algo que, como esperado, gerou uma grande polêmica.
O próprio presidente Recep Tayyip Erdoğan já declarou publicamente seu descontentamento com produções nacionais que, segundo ele, ameaçam a segurança nacional e fomentam a islamofobia. Ainda que não tenha citado Yargı diretamente, a tensão é evidente. A série, porém, segue sendo símbolo de resistência criativa dos turcos, levantando discussões essenciais e conquistando reconhecimento mundial.
Outras narrativas
Ao invés de encher a temporada de lançamentos com 20 produções repetitivas — que muitas vezes duram menos de dez episódios e seguem o mesmo enredo de sempre — é hora de ousar e surpreender.
Expandir o entretenimento turco para o mercado internacional não é só uma jogada estratégica, é uma necessidade para revitalizar um setor que enfrenta desafios. Afinal, diversas nacionalidades já se encantaram com a riqueza cultural turca, demonstrando que estão prontas para valorizar e respeitar suas diferenças.
Lembremos que a sociedade turca é antiga, respeitosa e repleta de história. Investir em narrativas inovadoras é abrir as portas para um novo patamar de qualidade, autenticidade e conexão com o público global. Afinal, quem resiste a uma história turca bem contada?
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Texto revisado por Bells Pontes