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Fotos: reprodução/Diaphana Distribution)

Quando chega o Outono: o cinema francês te pergunta: você vê além das aparências?

Um drama familiar intrigante sob a direção de François Ozon

Hélène Vincent e outros atores em cena de "Quando chega o Outono", filme francês.
Fotos: reprodução/Diaphana Distribution)

Em um bucólico vilarejo da Borgonha, acompanhamos a história de Michelle, uma ex-prostituta com um passado em Paris que ressoa em suas tensas relações familiares, especialmente com sua filha Valérie. Assim, Quando chega o Outono nos convida a mergulhar nas complexidades dessas relações, marcadas por segredos, traumas e a busca por redenção.

Dessa forma, François Ozon tece uma narrativa densa e intrigante que nos confronta com a dificuldade de julgarmos o próximo, especialmente quando identidades e passados são complexos. O roteiro de Ozon não oferece respostas fáceis.

Ademais, a relação tensa entre Michelle e sua filha Valérie, o passado nebuloso de Michelle e o súbito envenenamento durante as férias do neto Lucas constroem uma atmosfera carregada de mistério e ressentimento. Somos levados a questionar a inocência e a culpa de cada personagem, em uma narrativa que se desdobra em camadas, sem entregar tudo de bandeja ao espectador.

Por outro lado, essa abordagem, embora possa incomodar os apreciadores de filmes mais lineares, é uma marca do cinema francês e, em particular, da obra de Ozon. O filme tangencia temas delicados sobre as complexidades das relações familiares, onde o passado de Michelle como prostituta se torna um elemento central, expondo as dificuldades inerentes a essas experiências.

Parece que criar filhos e suas dificuldades é o principal tema do momento, seja na série de destaque Adolescência, seja nas colunas de jornais ou em entrevistas do momento. A verdade é que esse desafio não é segredo pra ninguém, mas sempre gera debate e funciona.

Atuações marcantes: Hélène Vincent, Ludivine Sagnier e Pierre Lottin
Imagem que ilustra a crítica de cinema de "Quando chega o Outono", um filme que questiona as aparências.
Fotos: reprodução/Diaphana Distribution)

Hélène Vincent como Michelle Giraud: Michelle é uma avó que vive em um vilarejo na Borgonha e anseia pela visita do neto, mas um evento inesperado com sua filha abala suas relações familiares e a traz de volta a um passado cheio de segredos. A atuação de Hélène Vincent é a espinha dorsal emocional do filme. Ela entrega uma Michelle multifacetada, transitando com sutileza entre a fragilidade de uma avó solitária, o peso de um passado mal resolvido e uma aura de mistério que nos mantém curiosos sobre suas reais intenções. Vincent evita qualquer clichê ao construir sua personagem, conferindo-lhe uma humanidade palpável, mesmo em seus momentos mais sombrios. Sua expressividade no olhar e nos gestos revela as camadas de uma mulher marcada pela vida, mas que anseia por afeto e aceitação. É uma performance madura e intensa, que ressoa mesmo após o fim da projeção.

Ludivine Sagnier como Valérie Tessier: Valérie é a filha de Michelle, cuja relação com a mãe é marcada por traumas e ressentimentos. Um incidente durante uma visita com seu filho desencadeia uma série de eventos que expõem as fragilidades e os nós dessa relação. Ludivine Sagnier, atriz que também brilhou em Swimming Pool – À Beira da Piscina, entrega uma Valérie que nos provoca reações fortes. A relação conturbada com a mãe, somada aos eventos que se sucedem, gera no espectador um turbilhão de sentimentos negativos em relação à personagem. A sensação é, por vezes, de um forte impacto emocional, tamanha a frustração e a raiva que sua postura e suas ações despertam. Em certos momentos, a vontade de “matar” Valérie é quase palpável, o que demonstra a força da interpretação de Sagnier em construir uma figura tão perturbadora e complexa.

Pierre Lottin como Vincent Perrin: Vincent é o misterioso filho de Marie-Claude que retorna à vila após sair da prisão. Sua presença enigmática e suas interações com Michelle adicionam uma camada de suspense à narrativa, levantando dúvidas sobre suas reais intenções. Pierre Lottin, como o misterioso filho de Marie-Claude, Vincent, equilibra a ambiguidade de seu personagem com maestria. Suas falas são carregadas de subtexto, e sua linguagem corporal, muitas vezes reservada, contribui para o suspense que paira sobre sua presença. Lottin encarna à perfeição a frase “você não é o que parece ser”. Cada olhar, cada silêncio de Vincent, nos faz questionar suas motivações e seu papel nos eventos que se desenrolam, mantendo a tensão da narrativa até o último instante.

Temas profundos: família, passado e o peso do julgamento
"Quando chega o Outono": crítica de cinema do drama francês que nos faz questionar se vemos além das aparências. Cena com Hélène Vincent como Michelle Giraud e Pierre Lottin como Vincent Perrin
Fotos: reprodução/Diaphana Distribution)

Os principais temas de Quando chega o Outono orbitam em torno das complexas relações familiares, segredos do passado, maternidade, redenção e o peso do julgamento social. O filme também aborda, de forma implícita, a questão da prostituição dentro da esfera familiar, levantando a reflexão sobre a humanidade e os laços de pessoas que exercem essa profissão. A cena dos cogumelos, ponto central da trama, ganha uma camada extra de curiosidade ao sabermos que a premissa do filme nasceu de uma experiência real vivida por François Ozon em um jantar familiar, onde uma suspeita de envenenamento pairou no ar.

O legado de Maria Madalena e a referência com a sociedade
Hélène Vincent cortando cogumelos em cena do filme francês "Quando Chega o Outono". Crítica de cinema sobre as aparências e segredos.
Fotos: reprodução/Diaphana Distribution)

François Ozon, conhecido por sua versatilidade e filmes provocadores como Jovem e Bela, mais uma vez demonstra sua habilidade em explorar as nuances da psique humana e os tabus sociais. Em Quando chega o Outono, Ozon nos coloca em um constante conflito interno sobre a verdadeira natureza dos personagens e os rumos da história.

A escolha de iniciar o filme com uma missão e um sermão sobre Maria Madalena não é gratuita. Michele, de certa forma, é a nossa Madalena, uma figura com um passado mundano que busca aceitação e um recomeço. O diretor nos questiona: somos capazes de enxergar além do rótulo de ex-prostituta? Ozon, com sua sensibilidade característica, imprime essa reflexão em sua obra. A sabedoria contida no sermão ecoa ao longo da narrativa, nos lembrando da importância de não julgarmos pelas aparências.

Uma reflexão necessária sobre perdão e aceitação

Quando Chega o Outono se configura como uma cartilha sobre recomeços, sobre a necessidade de abandonar o julgamento e abraçar o direito a uma segunda chance. E se o retorno do fantasma de Valérie no clímax sugere algo, talvez seja a representação do fechamento de um ciclo de aceitação e perdão, mesmo que permeado por dor e sofrimento.

“Quando Chega o Outono” estreia nos cinemas em 27 de março, convidando o público a uma imersão em um drama familiar denso e reflexivo, que certamente gerará debates e discussões após a sessão.

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Texto revisado por Angela Maziero Santana 

 

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