Resenha | O Colecionador ilustra temas como violência masculina, relacionamentos abusivos, luta de classe e muito mais

Lançado originalmente em maio de 1963, O Colecionador foi a obra de estreia do escritor inglês John Fowles

 

Classificado como romance, suspense, terror e romance psicológico, O Colecionador nos mostra como obsessões disfarçadas de paixões são doentias e destrutivas, além de ilustrar com maestria temas como violência masculina e relacionamentos tóxicos

Essa obra genial e extremamente perturbadora serviu de inspiração para a escrita de O Silêncio dos Inocentes, por Thomas Harris. Além disso, Stephen King, que fez uma introdução exclusiva para a edição brasileira do lançamento da Darkside, confessa que pegou para si “algumas ideias deste livro tão maravilhosamente valioso”.

Lançado originalmente em 1963, a obra foi relançada em 2018 pela Darkside, que abre a janela para que Miranda consiga sair do cativeiro”. Ao longo de quase 60 anos, O Colecionador vem encantando e, ao mesmo tempo, perturbando seus leitores. Desde o momento em que iniciamos o livro, é possível ver o quão problemático é Caliban/Frederick. E as coisas só pioram ao decorrer da leitura.

Raiva. Medo. Frustração. Um pouco de alívio. Esperança. Mais medo. Ódio. É possível passar por todos esses sentimentos a cada página da obra de Fowles, que nos mostra como as pessoas podem ser doentias e o que é capaz de impulsioná-las a tornar realidade seus desejos mais obscuros.

Mas também nessas páginas, no diário de Miranda, conhecemos uma pessoa que, mesmo um tanto esnobe, tenta ser a melhor versão de si mesma e não desiste de ser livre e viver. Uma jovem complexa, com muitas ideias e opiniões, que tenta amadurecer e ajudar, mesmo o pior dos espécimes.

Sinopse

Foto: Reprodução/ DARKSIDE

O Colecionador narra duas histórias diferentes, porém iguais.

A obra conta a história do retraído Frederick Clagg. Humilhado por todos, o colecionador de espécimes raras de borboletas se apaixona por Miranda Grey, mas ele sabe que ela jamais olharia para ele em circunstâncias normais. 

Tudo o que Frederick mais almeja é a oportunidade de ficar um tempo a sós com a amada, porque pensa que assim ela repararia nele e também se apaixonaria. Quando uma oportunidade aparece, ele a agarra e não a solta por nada – literalmente.

Enquanto isso, o livro também narra a história de Miranda Gray. Estudante de artes com várias ideias e opiniões, a jovem é sequestrada por um maníaco que diz amá-la e que deseja ser correspondido.

Nesta obra, vítima e sequestrador narram o período em que Miranda fica como convidada no porão de Frederick – segundo palavras do próprio personagem.

Resenha

Desde o primeiro parágrafo do livro, Frederick se mostra um stalker obcecado por seu interesse amoroso (Joe de You, temos visita). Mas não é logo de cara que vemos o quão doentio ele é. Na verdade, à primeira vista, Frederick pode até nos parecer apenas um iludido romântico apaixonado.

“Vê-la sempre me fez sentir como se capturasse um espécime raro”

Ele, que foi abandonado pela mãe quando criança, deixa bem evidente que odeia “mulheres vulgares” e que Miranda é o oposto disso, por isso a ama tanto e precisa tê-la.

Ao ganhar na loteria, Frederick finalmente consegue colocar em prática o plano para que Miranda se apaixone por ele. E uma das coisas mais chocantes e realistas é que ele afirma que se outros homens dispusessem de tempo e dinheiro, assim como ele, também sequestrariam suas amadas.

Frederick compra um furgão e um chalé recluso, prepara tudo. Pensa em cada detalhe: o quarto para Miranda, roupas com cores que ela geralmente usa, livros de arte, utensílios que acredita serem a cara da amada. Cada detalhezinho, por menor que nos possa parecer, é pensado e repensado pela mente sociopata dele.

Além disso, não há dúvidas de que, mesmo não admitindo, Frederick pensa que jamais poderia soltar Miranda, uma vez que a conseguisse capturar, pois ela faria parte de sua amada coleção de espécimes raros.

Quando consegue sequestrá-la, ele comemora seu ato como a melhor coisa que fez na vida.

“Meus sentimentos eram felizes porque minhas intenções eram as melhores”

No começo, Frederick tenta mentir para Miranda, dizendo-lhe que fora obrigado a sequestrá-la, mas Miranda é esperta demais e com o tempo acaba arrancando dele a verdade. 

Ele conta a Miranda suas verdadeiras intenções e promete soltá-la depois de um mês de cativeiro, mas pode-se perceber que essa não é a real intenção de Caliban – nome pelo qual Miranda começa a chamá-lo em referência a Caliban, o filho de uma bruxa com o Diabo, personagem da peça A Tempestade, de Shakespeare

Foto: Reprodução/ DARKSIDE

Frederick é um sociopata que se vangloria de cada um de seus atos, mas tenta disfarçar o quanto se acha superior às outras pessoas. Ele não consegue amar de verdade porque não sente que foi amado, já que sua mãe o abandonou, o tio que lhe dava liberdade para ser quem era – um colecionadormorreu quando ele ainda era adolescente e a tia, mesmo com boas intenções para com ele, se preocupava mais com a filha, que era cadeirante.

Na primeira parte do livro, lemos a narração de Frederick sobre antes e durante o sequestro. As tentativas de fuga de Miranda, suas atitudes ora grosseiras, ora amigáveis, e como ele se sentia com tudo.

Enquanto isso, na segunda parte do livro, temos a narração de Miranda. Por meio de seu diário, ela nos conta como são seus dias de cárcere. Entendemos melhor toda a montanha-russa de sentimentos pela qual ela está passando e porque fez o que fez em alguns momentos da história.

Acompanhamos uma mulher um tanto esnobe, mas com ideais bem definidos – que podem ser um tanto classista e influenciados por outras pessoas – que tenta a todo custo sobreviver. Miranda chega a tentar fugir algumas vezes; em uma delas, está determinada a matar Caliban, mas se arrepende e decide não se corromper, mesmo que seu sequestrador não mereça piedade alguma, ela não quer se tornar alguém ruim porque Caliban foi ruim para ela.

Nas páginas de seu diário improvisado, as mudanças de humor de Miranda são bem visíveis. Suas ideias e planos, todos expostos. Ela escreve como uma tentativa de fugir do inferno que sua vida se transformou e finge escrever para alguém que não seja ela mesma ou Caliban, invocando o nome de irmã Minny quando acha que está ficando louca.

“É isso, Minny. Queria que você estivesse aqui e que nós conversássemos na escuridão. Se apenas eu pudesse falar com alguém por alguns minutos. Alguém que eu ame. Eu deixaria isso muito mais claro, muito mais claro do que se percebe”

Mas Miranda não é louca, ela apenas manifesta a Síndrome de Estocolmo, que é quando a vítima está sob muito estresse e começa a se identificar e/ou ter empatia por seu agressor.

Ela sente que pode ajudar Caliban a ser uma pessoa melhor. Mesmo o odiando, ela quer lhe ajudar a ter uma vida boa, com amigos, dos quais ela mesma pode fazer parte.

Miranda entende que Caliban é doente e que ela é sua doença.

“Sou eu o que ele quer, meu olhar, minha aparência; não minhas emoções ou mente, ou minha alma, ou até mesmo o meu corpo. Nada que seja humano”

Miranda não é perfeita. Está longe disso. Tem seus defeitos e suas qualidades. Assim como seu sequestrador, Miranda se sente superior a muitas pessoas, em especial a ele. Sendo ela uma artista, tem seus pontos de vista um tanto excêntricos e influenciados por um homem mais velho que ela cita em suas narrativas.

Além disso, durante seu cativeiro Miranda evoca lembranças de tempos mais felizes. É por esses momentos, por essas experiências antigas e pelas experiências que ela ainda quer viver que a jovem decide arriscar tudo e entregar tudo de si para finalmente se ver livre. Mas as coisas acabam saindo de vez dos trilhos.

Considerações

O Colecionador é uma obra que te prende do começo ao fim. Quando entendemos o que se passa na trama e o quão doente Caliban é, ficamos obcecados por saber como essa história toda termina. 

Fazendo um paralelo com a pandemia, temos uma noção do que é ficar confinado em casa, sem poder sair. Tendo esse sentimento de reclusão em mente, é possível vislumbrar, mesmo que de extremamente longe – devido aos outros fatores horrendos que mantêm Miranda cativa-, a sensação que ela tem.

Presa. Reclusa. Confinada em 18m². Sem poder sair. Sem ver a luz do dia ou a lua. Sem sentir ar fresco. Com medo. Sem contato externo. Sem ninguém para conversar a não ser um maníaco. Essa era a vida de Miranda.

Toda a tensão das tentativas de fuga, do sentimento de aprisionamento que ela tinha, de não saber o que era necessário fazer para se ver livre: passamos por tudo isso junto com ela, inclusive ter um pouco de pena de Caliban.

Foto: Reprodução/ DARKSIDE

O Colecionador é uma leitura prazerosa e penosa ao mesmo tempo. Isso porque a escrita de Fowles é excepcional. O desenvolvimento dos personagens, a relação deles, todo o confinamento e o jogo psicológico que um fazia com o outro, é de se admirar. Mas ainda é difícil a leitura porque gera muita revolta e é algo que pode acontecer na vida real – algo que inclusive já vimos acontecendo tantas vezes.

A obra põe em pauta temas como política, feminismo, machismo, distúrbios psicológicos, a própria Síndrome de Estocolmo, e começamos a nos imaginar como os protagonistas dessa trama. Quem seríamos? Com quem nos identificamos? Quais atitudes nossas seriam iguais às deles? Quais seriam diferentes?

Esse livro pode te fazer pensar, pode te fazer amar, pode te fazer odiar, temer. Sentir coisas confusas e apavorantes. É um livro que pode te fazer se sentir assim, e com certeza vale a pena ser lido.

Frederick consegue coletar Miranda, mas, diferente de suas borboletas, Miranda está viva e vai tentar, a todo custo, alcançar sua liberdade, e essa é uma premissa instigante de mais para não termos vontade de mergulhar nas páginas de O Colecionador.

Características do Livro

Com um lindo design, o lançamento da DarkSide tem acabamento em capa dura. São 352 páginas nas quais encontramos a introdução exclusiva escrita pelo Stephen King, a história dividida em quatro partes, sendo a primeira, terceira e quarta narradas por Frederick, enquanto a segunda é narrada por Miranda. Por fim, temos um posfácio com as referências artísticas do livro, no qual há spoilers sobre a narrativa.

Foto: Reprodução/ DARKSIDE

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*Créditos da foto de destaque: Reprodução/ Darkside

 

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