Resenha | Todo Dia a Mesma Noite retrata uma luta constante por justiça

A minissérie da Netflix conta a história do incêndio da Boate Kiss

[Contém spoiler]

Na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013, uma das maiores tragédias nacionais aconteceu na Boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. O incêndio criminoso que se apossou da boate matou 242 pessoas, em sua maioria jovens. Diversas provas apontam a irresponsabilidade tanto dos órgãos públicos quanto dos responsáveis pela casa noturna. No entanto, uma década depois da tragédia, a impunidade dos envolvidos ainda é uma realidade.

A tragédia causou grande comoção e revolta em Santa Maria, no restante do país e também ficou conhecida ao redor do mundo. Em 2018, o livro Todo Dia a Mesma Noite, da jornalista investigativa Daniela Arbex, revisitou a triste história a fim de denunciar a negligência que ronda o caso. Na última quarta (25), a Netflix lançou uma série com o mesmo nome que é inspirada na obra da jornalista. 

Com um roteiro assinado por Gustavo Lipsztein, a minissérie utiliza alguns dos depoimentos e das histórias relatadas no livro como base. Com um trabalho admirável de produção e sob a direção competente de Julia Resende e Carol Minêm, a produção rememora de maneira sensível a memória das vítimas e mostra a trajetória dos familiares na busca por justiça, visando trazer maior visibilidade ao caso e fazer com o que país não se esqueça o que aconteceu na boate.

Foto: divulgação/Netflix
A dor e a luta constante por justiça

Em um trabalho magistral, o primeiro episódio apresenta a história dos protagonistas e coadjuvantes, além de reconstruir a noite do incêndio na Boate Kiss. De maneira delicada, mas, ainda assim, angustiante e difícil, o episódio piloto reconstitui os momentos angustiantes do incêndio e mostra a aflição que se instalou depois da tragédia.

Com maestria, o núcleo dos pais das vítimas da tragédia, representado por Debora Lamm, Thelmo Fernandes, Paulo Gorgulho, Bianca Byington, Leonardo Medeiros, Raquel Karro e Bel Kowarick domina a tela e, com atuações impecáveis, comovem e despertam a empatia dos espectadores através de cenas carregadas de emoção como a cena em que Ricardo (Paulo Gorgulho) e Lívia (Raquel Karro) correm pelo estacionamento para procurar o carro do filho e, eventualmente, constatam que ele estava na casa noturna.

Foto: divulgação/Netflix

A angústia do espectador se torna ainda maior à medida que os familiares percebem que o fato dos filhos não estarem nos hospitais indica que existe grande possibilidade de que eles estejam entre os mortos. Após isso, o episódio dá espaço a cenas impactantes embaladas ao som de Sentinela, de Milton Santos e Nana Caymmi, que mostram o momento em que diversas famílias se despedem dos que morreram na tragédia.

 

Os dois episódios soam como um golpe no estômago. No entanto, os episódios posteriores são ainda mais fortes e marcantes. Nos episódios 3 e 4, a minissérie se dedica a narrar o processo de recuperação dos sobreviventes e a dor do luto vivida pelas famílias das vítimas. Paralelo a isso, o silêncio da justiça brasileira diante das negligências surge como um fator revoltante.

O último episódio é o retrato de uma luta incessante que já dura uma década. Entre audiências e protestos, os familiares batalham para garantir a punição dos verdadeiros responsáveis pela catástrofe. Com imagens potentes e diálogos bem construídos, a minissérie expõe a desestabilização física e mental dos familiares, a impunidade dos culpados e a irresponsabilidade do governo local.

Foto: divulgação/Netflix
Por memória, por justiça e para que isso não se repita

Com um excelente conjunto de produção, roteiro e direção, a minissérie cria cenas poderosas, fortes e emocionantes que dão luz a um sofrimento incessante que perdura desde a tragédia. De forma humanizada, a produção reconta a história e nos leva a refletir sobre a batalha de familiares que clamam por uma decisão do sistema judiciário brasileiro que dê paz a eles e aos que morreram na casa noturna.

A produção da Netflix soa como um pedido de ajuda e uma denúncia diante da injustiça que ronda o caso. Dez anos já se passaram, mas ninguém foi condenado pelos atos de negligência que ocasionaram a morte de 242 pessoas. Neste sentido, a minissérie é extremamente necessária para amplificar a voz do coletivo de pessoas que têm lutado incansavelmente contra o silenciamento, o esquecimento e a impunidade. Todo Dia a Mesma Noite, vem para fazer viva a memória das vítimas, fortalecer a luta por justiça e para que isso não se repita jamais.

Foto: divulgação/Netflix

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*Créditos da imagem de destaque: divulgação/Netflix

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