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Resenha | Mistérios da Área X: uma análise da trilogia Comando Sul

Nesta resenha, vamos (sem spoilers) entrar nas profundezas do enigmático universo de Comando Sul, onde a fronteira entre o real e o surreal é tênue, e o desconhecido reina soberano

Conheça o autor

Jeff VanderMeer, editor e autor premiado, é conhecido por criar histórias que vão além do imaginável. Seus livros, traduzidos para vinte idiomas, já lhe renderam três World Fantasy Awards, além de indicações para os Prêmios Hugo e Bram Stoker. Ele cresceu nas Ilhas Fiji e atualmente mora em Tallahassee, na Flórida, com sua esposa.

Entre suas obras mais aclamadas está a trilogia Comando Sul, publicada pela Intrínseca. O primeiro volume, Aniquilação, ganhou o Prêmio Nébula de Melhor Romance em 2014, sendo considerado uma obra-prima do gênero. 

Nesta trilogia, somos convidados a explorar os mistérios e terrores da Área X, uma região onde as leis da natureza parecem seguir um propósito incompreensível, e a sobrevivência é um teste constante de coragem e sanidade.

Jeff é conhecido autor de um gênero literário chamado weird fiction, basicamente uma ficção científica com um pouco mais de licença poética. As linhas entre a fantasia e a realidade são muito tênues e dependendo do objetivo do autor, bizarras.

Foto: reprodução/Guernica Magazine
A área X

Uma primeira expedição de reconhecimento voltou de lá relatando uma terra intocada, um paraíso; a segunda terminou em suicídio em massa; a terceira, em um tiroteio no próprio grupo. Até que os membros da décima primeira expedição retornaram como meras sombras do que eram e, após algumas semanas, morreram de câncer. Em Aniquilação, primeiro volume da trilogia Comando Sul, fazemos parte da décima segunda expedição.

A narrativa da trilogia completa é feita em primeira pessoa, os personagens não têm nomes, criando uma sensação de impessoalidade que chega a incomodar. Ao decorrer da trilogia entendemos que esta estratégia do Comando Sul visa aumentar a eficiência da missão, impedindo que os participantes sejam influenciados por suas emoções.

Aniquilação

Em Aniquilação, primeiro livro da série que deu origem ao filme homônimo de 2018 pela Netflix, nos introduz a uma trilogia que apesar de contar com uma história pesada e complexa, nos deixa presos até o final. 

Nesse primeiro volume, acompanhamos a narração da Bióloga que descreve suas experiências na Área X como se estivesse escrevendo um diário. No entanto, sua narrativa não é sempre linear, pois ela associa memórias e experiências ao contexto atual. 

Em determinados momentos, ela explica por que se tornou bióloga, como acredita ter sido escolhida para a missão, e sua relação com o marido, que é uma parte importante de Aniquilação.

É importante destacar que a Bióloga é uma narradora não confiável. Ela esconde informações e tira conclusões que podem não refletir a realidade dos eventos, o que entendemos completamente ao ler a saga completa. O autor é tão genial na construção desse universo que cada livro é como a peça de um quebra-cabeça.

A Área X é um local misterioso e pouco explicado no primeiro volume da trilogia. Sabemos apenas que onze expedições foram enviadas para lá, e nenhum dos exploradores retornou incólume ou sequer vivo e que sua área geográfica aumenta a cada ano que passa. 

Agora, a décima segunda expedição é enviada, composta exclusivamente por mulheres: uma psicóloga (líder da equipe), uma bióloga, uma arqueóloga e uma topógrafa. Havia também uma linguista, mas ela desistiu da missão antes do início. 

A psicóloga, além de liderar, é hipnotizadora, uma habilidade usada para manter a equipe calma e focada na missão. Esta expedição planeja catalogar o lugar, suas espécies e qualquer peculiaridade que encontrarem, mas rapidamente entendemos que cada membro da equipe tem seus próprios objetivos, sejam instruções de superiores ou afetadas pelo ambiente que historicamente parece ter algum efeito na sanidade das pessoas.

Esse clima de desconfiança persiste, criando uma tensão constante durante toda a trilogia. O perigo é sempre iminente, mas nunca sabemos se o ambiente estranho é o inimigo ou a própria equipe.

Foto: reprodução/Intrínseca

VanderMeer constrói uma narrativa cheia de mistérios, na qual as informações são apresentadas em camadas confusas que não podem ser tomadas literalmente. Com a protagonista, somos levados a juntar os pedaços de informação, nos quais nem sempre podemos confiar, e só mais tarde entendemos como tudo se encaixa no contexto geral.

Apesar de ser um livro pequeno, é repleto de informações e detalhes, dando a impressão de ter o dobro do tamanho. Curiosamente, toda a narrativa se desenrola em um pequeno espaço na Área X, deixando ainda muito a ser explorado, como podemos ver no mapa da Área X acima.

Autoridade

Autoridade, o segundo livro da trilogia, é uma leitura desafiadora de uma maneira diferente de Aniquilação. Não apenas por seu tamanho consideravelmente maior, mas também pela complexidade crescente da história. Enquanto Aniquilação nos apresenta a perspectiva fragmentada e não muito confiável da Bióloga, repleta de momentos estranhos e bizarros, Autoridade, narrado pela voz de Controle, mergulha profundamente em conspirações e intrigas políticas.

Para aqueles que necessitam saber o que acontece, apesar de ser o livro mais lento e em certos momentos confuso, somos presos até o fim de Autoridade com respostas de Aniquilação e muitas outras perguntas. Após a tumultuada décima segunda expedição narrada em Aniquilação, a agência responsável pela Área X mergulha em completo caos. John Rodriguez, conhecido como Controle, é então nomeado diretor para tentar restaurar a ordem.

Enfrentando a desconfiança e o desespero dos funcionários da agência, frustrações com interrogatórios infrutíferos e a análise de horas e horas de registros em vídeo, Controle começa a desvendar os segredos da Área X, ou ao menos tentar.

A leitura do segundo volume da trilogia pode ser meio maçante. Aqui, Controle mistura suas atividades diárias no Comando Sul com lembranças de seus pais. De certa forma, sua narrativa é fragmentada como a da Bióloga, mas como se estivesse girando em torno de conceitos e perguntas sobre o Comando Sul e a Área X, sem nunca chegar realmente a uma conclusão.

O enredo inclui conspirações dentro de conspirações, politicagem nas organizações governamentais e hierarquias secretas entre os participantes dessas organizações. Tudo isso se torna bastante confuso, mas parece ser feito propositalmente para emular a desorientação que o personagem também sente, em seu próprio mundo, sem sequer estar na Área X.

Aceitação

Aceitação é o terceiro livro e encerra a trilogia de Jeff Vandermeer. À medida que a geografia impenetrável da Área X se expande, o Comando Sul — a agência encarregada de investigar e supervisionar a região — entra em colapso. Uma última e desesperada equipe atravessa a fronteira, determinada a alcançar uma ilha remota que pode conter as respostas que eles tanto procuram. Se falharem, o mundo fora da Área X estará em grande perigo.

Aceitação, conecta Aniquilação e Autoridade em capítulos curtos e intensos, narrados pelas perspectivas de personagens cruciais. Página após página, os mistérios são gradualmente desvendados, mas as consequências e implicações dos acontecimentos passados não são esquecidas.

No terceiro livro da trilogia, somos apresentados a quatro narradores distintos: Controle, o último diretor do Comando Sul; Ave Fantasma, uma versão aprimorada da bióloga; a Diretora; e o Faroleiro. A narrativa da Diretora nos envolve de forma mais intensa, já que é contada em primeira pessoa, o que nos transporta diretamente para as instalações sinistras do Comando Sul e nos aproxima de seus segredos.

Controle conduz a narrativa de forma mais lenta, mas atinge seu ápice, tornando-se uma das mais envolventes e aterrorizantes de todas. Enquanto a Ave Fantasma se destaca com a sua narrativa quebrada, nos deixando sentir o quão incompleta ela se sente.

Antes mesmo de começar a leitura, um comentário impresso no livro nos avisa que nunca entenderemos completamente a Área X, e isso é verdade. No entanto, mesmo com essa incerteza, ao final da história, somos preenchidos de alguma forma.  A Área X, centro dos acontecimentos, é um enigma em si: é um mundo alienígena, um buraco de minhoca, um teste psicológico do Comando Sul ou talvez apenas uma alucinação coletiva induzida pela cintilação misteriosa no farol?

Jeff VanderMeer nos faz refletir em cada volume da série sobre como tratamos nosso ambiente natural e quão destrutivos os seres humanos podem ser. Talvez essa trilogia seja uma distopia, talvez seja ficção científica. É difícil categorizá-la em apenas um desses gêneros, mas após a conclusão dos três livros, é seguro dizer que ela se encaixa em ambos e em muitos mais.

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Texto revisado por Karollyne de Lima

 

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