Mulheres sul-coreanas fundam movimento feminista radical e inédito no país
Você com certeza já ouviu falar sobre diversos movimentos feministas ocidentais, mas o que chamou a atenção nos últimos anos foi o nascimento de diversos movimentos feministas asiáticos, que vêm, a cada ano, ganhando mais força.
Em alusão ao Dia Internacional das Mulheres, o Entretê decidiu apresentar o Movimento 4B neste especial, confira:
O livro
O romance de Cho Nam-joo escrito em 2016, Kim Jiyoung, Nascida em 1982, é uma leitura devastadora (e, para quem quiser, o livro foi adaptado para o cinema em 2019). Ele relata as experiências diárias de uma mulher comum com o sexismo, a desigualdade e a misoginia implacáveis na Coreia do Sul contemporânea.
É também um livro que ajudou a dar início ao Movimento 4B do país, porque, assim como a heroína de Nam-joo, as mulheres sul-coreanas já estão cansadas do machismo que assola o país. Fartas da discriminação de gênero que permeia todos os cantos de sua sociedade, as seguidoras do Movimento 4B não querem apenas lutar contra o patriarcado, mas se afastar dele completamente.
O surgimento do 4B
Além do romance de Nam-Joo, o 4B se inspirou na campanha Escape the Corset (Fuja do Espartilho), que tomou forma no país em 2017, graças a pioneiros como Jeon Bora, que fotografou mulheres que rasparam a cabeça como um ato de rebeldia, e Summer Lee, que se filmou sem maquiagem e usando roupas largas, consideradas masculinas.
Ambas estavam documentando as tentativas das mulheres sul-coreanas de se livrar da dominação masculina e ajudaram a atrair um número crescente de seguidores para o 4B.
O que é o 4B
O 4B é um movimento feminista que se baseia em quatro princípios: Bihon (não ao casamento heterossexual), Bichulsan (não ao parto), Biyeonae (não ao namoro) e Bisekseu (não aos relacionamentos sexuais heterossexuais).
As proponentes do movimento, como as YouTubers Lina Bae (uma influenciadora de beleza que compartilha suas experiências com padrões de beleza inatingíveis), Baek Ha-na e Jung Se-young, publicam atualizações sobre seus objetivos e progresso.
“Depois de estudar o feminismo e o não casamento, comecei a viver minha vida com mais foco em mim mesma“, diz Ha-na, enquanto a decisão de Se-young de não se casar foi influenciada ao ver a maneira como sua mãe e avó eram tratadas como subordinadas em sua família.
Os protestos ocorrem on-line e em cidades de todo o país. Uma manifestação pelos direitos das mulheres em Seul, em 2018, durou 33 horas, quando uma mulher após a outra subiu ao palco para relatar suas experiências de abuso de gênero.
Quebra de estereótipos e paradigmas
O ocidente frequentemente vê a Coreia do Sul através de lentes coloridas. É um país baseado em dignidade, respeito, grupos de K-pop sorridentes, K-dramas cheios de romance e tecnologia inovadora. Um país que, sem dúvida, é mais liberal do que seu vizinho do norte. No entanto, a Coreia do Sul tem um longo histórico de subjugação feminina.
Histórico e cenário dos direitos das mulheres na Coreia do Sul
Durante a Guerra da Coreia, de 1950 a 1953, os soldados obrigaram as mulheres a caminhar por estradas, que eles achavam ter minas terrestres, para verificar a segurança. Ou seja, eram feitas de escudo humano.
Entre 1953 e 2021, o aborto era ilegal na maioria das circunstâncias. Um estudo do governo sul-coreano de 2015 revelou que quase 80% das mulheres haviam sido assediadas sexualmente no trabalho. Crimes digitais, incluindo perseguição e assédio sexual, como o molka (o ato de colocar a camisa para cima e filmar secretamente mulheres em banheiros), também são frequentes.
De acordo com a legislação atual, os homens acusados de perseguição podem pedir às suas vítimas que retirem as acusações. No ano passado, um homem assassinou sua ex-colega depois que ela se recusou a fazer isso.
(Des)igualdade de gênero às sul-coreanas
O Global Gender Gap Index (Índice de Diferenças Globais entre Gêneros) de 2022, do Fórum Econômico Mundial, classifica a Coreia do Sul em 99º lugar, entre 146 países, em termos de igualdade de gênero. Um artigo de janeiro de 2023 do jornal sul-coreano The Sisa Times informou que 65% das mulheres do país não querem ter filhos. Cerca de 42% não querem se casar, sendo que mais de 80% delas citam a violência doméstica como o principal motivo.
O atual presidente (homem) do país, Yoon Suk-yeol, prometeu fechar o Ministério da Igualdade de Gênero e Família da Coreia do Sul, que apoia mulheres e vítimas de agressão sexual, alegando que a pasta trata os homens como “criminosos sexuais em potencial“. Em novembro de 2022, a mídia local informou que o governo de Suk-yeol havia removido os termos igualdade de gênero e minorias sexuais dos livros escolares.
Apesar de parecer radical, o 4B é um respiro para as mulheres sul-coreanas, além de abrir os olhos do ocidente para o machismo da Ásia, a qual, apesar de já imaginarmos que seja assim, é encoberta por produções audiovisuais que costumam colocar o homem asiático como um verdadeiro cavalheiro.
Mulheres que lutam por mudanças
Em seu novo livro, Flowers of Fire (Flores de Fogo), a jornalista sul-coreana Hawon Jung analisa o desenvolvimento recente dos movimentos feministas no país.
Quando perguntada sobre o que ela acha que o 4B pode alcançar, Jung aponta para uma citação em seu livro, de Lee Na-young, professora de sociologia da Universidade Chung-Ang de Seul:”As normas patriarcais na Coreia do Sul, dada sua situação econômica e o nível educacional das mulheres, são tão implacáveis que a resistência a elas tende a ser igualmente intensa”, diz ela, referindo-se ao texto de Na-young.
“Movimentos como o 4B são uma mensagem de alerta de que as mulheres podem boicotar relacionamentos românticos, a menos que a sociedade e os homens mudem“, ela completa.
Hoje, há vários movimentos feministas em diversas vertentes, como o feminismo negro, liberal, marxista, radical e interseccional. A segmentação leva em conta que mulheres de diferentes condições financeiras, sociais, etnias e culturas têm diferentes necessidades. Assim, o 4B é mais uma delas, mostrando que a luta das mulheres ganha cada vez mais espaço e força, nos quatro cantos do mundo.
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Fontes: A World Without Man e South Korea’s Feminist 4B Movement
Texto revisado por Michelle Morikawa