Clássico dirigido por Brian De Palma expõe como características femininas são vistas com estranheza
[Contém spoiler]
Você pode não ter assistido, mas com certeza já ouviu falar do filme Carrie, a Estranha (1976). O longa é uma adaptação do livro homônimo do famoso autor de horror Stephen King, e de cara aparenta ser mais um filme de terror comum, com adolescentes e coisas sombrias. Porém, a produção se destaca ao abordar questões mais profundas e por trazer à tona a representação do feminino como uma figura monstruosa.
O roteiro conta a história de Carrie White, uma adolescente tímida que sofre bullying dos colegas na escola e tem uma mãe fanática religiosa. Quando Carrie,de forma inesperada, tem sua primeira menstruação, ela passa a desenvolver poderes telecinéticos, que geram consequências sombrias e violentas.
Com o filme, é possível analisar como algumas questões ligadas ao ser mulher são representadas no cinema, como a menstruação, a sexualidade e o misticismo.
A repulsa pela menstruação
Logo no início da trama, Carrie menstrua pela primeira vez, e muitas situações do enredo se desenrolam a partir desse ponto-chave. No filme, a jovem desconhece a menarca, e acredita estar morrendo quando vê o sangue. Suas colegas de classe, ao perceberem o desespero de Carrie, praticam bullying, jogando absorventes e dando risadas, até que a professora de educação física intervém e acalma a jovem, explicando sobre a menstruação.
Após, a mãe de Carrie, Margaret, é avisada sobre o ocorrido e se dirige ao colégio para buscar a filha. Quando chegam em casa, o tratamento maternal em relação à menstruação não é tão diferente. Isso porque Margaret é uma fanática religiosa fundamentalista, que utiliza a Bíblia como forma de reprimir seus desejos e os de Carrie. Por conta disso, Margaret culpa violentamente a filha e a condena pelo pecado original de Eva.
O aspecto da menstruação aparece durante todo o filme. Aqui, é quase como se todas as personagens do longa vissem a menstruação de forma pejorativa. Mas não se limita a isso, visto que é a partir da primeira menstruação que Carrie desenvolve seus poderes sobrenaturais, fato que a aproxima da representação do monstro feminino.
A monstruosidade feminina
O corpo feminino sempre foi alvo de dúvidas em relação à sua forma e suas características. E esse grande fascínio está muito relacionado ao fato de haver diferenças em relação ao masculino, aspectos que desenvolveram noções de sensualidade e misticismo sobre a subjetividade das mulheres.
No filme, se nota essa estranheza através do desenvolvimento da protagonista. Ao longo da narrativa, vemos Carrie com características ingênuas e frágeis, mas, gradativamente, percebemos quando ela ganha poderes violentos.
Tudo isso graças ao elemento já discutido aqui: a menstruação. Por ser um acontecimento exclusivamente feminino, ele se torna algo não só repugnante, mas capaz de transformar mulheres em seres perigosos. Afinal, um homem escreve Carrie, a Estranha e, depois, um homem adapta.
Além disso, a cena do baile de formatura é o auge da monstruosidade feminina. É o momento em que Carrie assume completa autonomia sobre o próprio corpo e, por isso, se torna um monstro capaz de matar todos. Quando a jovem é anunciada forjadamente como rainha do baile, e então sangue de porco é derramado sobre si, um sentimento visceral de raiva cresce em Carrie. Aqui, também se torna interessante pensar como o sangue ainda está presente, mesmo que o não menstrual.
Aversão à sexualidade
Grande parte dos filmes no cinema conversam ativamente com o contexto político e social do país em que são produzidos. E com Carrie, a Estranha, isso não é diferente. Sua obra e adaptação são de meados dos anos 1970, momento em que os Estados Unidos são palco de fortes embates políticos.
Após o boom da contracultura nos anos 1960, a década seguinte foi palco de uma transição reacionária do conservadorismo e do surgimento de uma nova direita, que colocou em risco algumas liberdades conquistadas antes, como a autonomia sexual feminina. Dessa forma, esses preceitos passaram a ecoar nas produções hollywoodianas.
Por outro lado, é nesse mesmo período que acontece a expansão do cinema de horror, em especial do subgênero slasher, com o lançamento de clássicos como O Massacre da Serra Elétrica (1974), Halloween (1978) e, mais tarde, Sexta-Feira 13 (1980).
Dessa forma, não é uma coincidência que o roteiro-base desses filmes seja um assassino em série que executa jovens de maneira violenta, principalmente mulheres, que possuem uma vida sexual ativa. Inclusive, se você olhar ainda mais de perto, as chamadas final girls são justamente aquelas que não têm relações carnais ao longo do filme.
Carrie, a Estranha se encaixa nesse cenário, ao colocar as vilãs iniciais do filme como as jovens que praticam bullying contra Carrie. Não é à toa que, dentre todas as colegas da escola, aquelas que assumem o arquétipo de vilã são exatamente as meninas com namorados e vida sexual ativa. Em contrapartida, até ganhar autonomia sobre o corpo, Carrie representa um ser angelical, que contrasta com as colegas malvadas.
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Texto revisado por Michelle Morikawa