Foto: divulgação/Camila Curty

Entrevista | Dramaturga Karla Muniz Ribeiro fala sobre o espetáculo Candelária, do Coletivo de Teatro de Nova Iguaçu

O espetáculo Candelária acontece nas unidades do SESC RJ e tem apresentações agendadas de março a julho

A Trupe Investigativa Arroto Cênico de Nova Iguaçu foi contemplada com o espetáculo adulto Candelária no Edital de Cultura SESC RJ PULSAR 2023/24, junto com produções de vários estados brasileiros. Candelária traz direção de Madson Vilela e dramaturgia de Karla Muniz Ribeiro.

O Grupo, que nos últimos anos vem se firmando como uma das companhias de maior atividade da região, fará uma circulação durante o período de março a julho por 8 unidades do SESC RJ; percorrendo municípios localizados no interior do estado do Rio de Janeiro, como Campos, Teresópolis, Nova Friburgo, Valença e Barra Mansa. O circuito começa no dia 15 de março, às 19h, no SESC Campos, localizado na Av. Alberto Torres, 397 – Centro, Campos dos Goytacazes – RJ. 

Um espetáculo adulto que perpassa pela temática do racismo estrutural no Brasil e é resultado de uma pesquisa cênica sobre a Chacina da Candelária. É uma peça manifesto que propõe cenicamente uma discussão a respeito da política de embranquecimento social que perdura até hoje no país, e rememora também outros genocídios da população negra.

O roteiro transita por três recortes dramatúrgicos referentes a momentos históricos do Brasil. O que esses três momentos têm em comum? Esse é o mote dramático do projeto. 

No elenco Jonathan Floriano, Karla Muniz Ribeiro, Madson Vilela, Marlon Souza e Simone Cerqueira, artistas negros e periféricos, fundamentam os questionamentos propostos em cena. A montagem segue os moldes do Teatro Contemporâneo com uma encenação fragmentada, que utiliza recursos cênicos através de novas narrativas que potencializam o projeto e o movimento teatral negro. 

Foto: divulgação/Camila Curty

Em entrevista ao Entretetizei, a dramaturga responsável pela pesquisa e o roteiro, conta um pouco mais sobre os detalhes de pesquisas, objetivos e revela expectativas para a estreia, que acontece nesta sexta (15). Confira a entrevista completa:  

Entretetizei: Como surgiu a proposta de contar a história da Chacina da Candelária em um espetáculo?

Karla Muniz Ribeiro: A proposta surgiu a partir de uma pesquisa iniciada durante o meu período na faculdade. Sou formada em Teatro pela Faculdade CAL de Artes Cênicas, lugar que eu consegui acessar através de um financiamento estudantil. Abriu um festival de esquetes em 2017 na CAL, decidi me inscrever e quando sentei para escrever o texto, só me vinha a Chacina da Candelária. Apesar de eu ter nascido em 1997, eu tive conhecimento sobre a chacina de 1993 ainda muito nova através de documentários.

Também ficou muito marcado na minha memória de criança o dia 31 de março de 2005, dia da chacina da Baixada Fluminense, quando policiais militares assassinaram 29 pessoas em Nova Iguaçu e Queimados. Lembro que nesse dia carros passaram em alta velocidade na rua onde eu morava em Mesquita, lembro de ouvir tiros, de ter helicóptero sobrevoando na região e a gente até ir dormir na casa da vizinha, pois era nos fundos do quintal. Desde 2017, eu sigo com a pesquisa dramatúrgica e foi através de um Festival de Dramaturgias que começou a minha parceria com a Trupe Investigativa Arroto Cênico.

Fui convidada a tirar a palavra do papel e colocar na boca e no corpo de atores. Para mim, era necessário falar sobre isso, pois eu via pessoas que nem sequer lembravam o que tinha acontecido. E o teatro é uma maneira lúdica de trabalhar a história. A gente não consegue mudar o que aconteceu, mas podemos trabalhar na maneira que vamos contar isso tudo que aconteceu.

E: Qual e como foi o processo de pesquisa cênica sobre a Chacina da Candelária e como isso influenciou a dramaturgia da peça?

KMR: O Madson Vilela, nosso diretor e também amigo de cena, sempre nos colocou no centro das vivências. Nenhum de nós foi morador em situação de rua, mas durante a pesquisa cênica a gente sempre esteve em roda, dividindo todos os sentimentos que o racismo estrutural causou com a gente e com os nossos. Os meninos moravam próximo da rua onde aconteceu a chacina da Baixada Fluminense e assim fomos dividindo nossas lembranças. Foi uma pesquisa corporal através do treinamento proposto por Madson e de muita conversa e escuta.

Acho que isso nos ajudou a criar uma conexão cênica. Costumo dizer que eu amo brincar de fazer teatro com eles, porque acho que é isso que fazemos. Madson nos preparou para dar passagem para nossas crianças interiores. Alguns diálogos entraram na dramaturgia após improvisações em salas de ensaio. Mas nós temos duas versões de dramaturgia, uma para a literatura e uma com a pesquisa e direção cênica do Madson. Madson mudou textos de lugar, cortou trechos e movimentou cenas. Temos a palavra escrita e temos o trabalho da ação.

Foto: divulgação/Camila Curty

E: Pode nos falar mais sobre os três momentos históricos do Brasil abordados na peça e como eles se relacionam com o mote dramático do projeto?

KMR: Quando comecei a pesquisa, tinha 19 anos e uma ingenuidade de entender o motivo de assassinarem 8 crianças e adolescentes negros no centro do Rio de Janeiro e em frente a uma das igrejas mais antigas e conhecidas no Brasil. A pergunta que me movia era “Por quê?”. Por que aquilo era normalizado? Por que a sociedade da época clamava por aqueles assassinatos? E como é fácil de se esquecer, porque é isso que esse sistema quer, que a gente esqueça todos os dias que isso aconteceu e ainda acontece em 2024.

O primeiro momento histórico é a Chacina da Candelária e vem como um grito de saudade e desejo de que essas crianças não sejam esquecidas, seus nomes sejam ecoados e que caminhar ao lado dos mortos seja uma política de memória. E sempre me perguntando “por que isso aconteceu?”, eu chego até uma aula da artista Tatiana Henrique, na qual ela nos apresenta O Congresso Universal das Raças, que aconteceu em 1911 em Londres. O projeto apresentado pelo Brasil neste congresso era a criação do decreto 9.081/1911 que previa um serviço completo de povoamento europeu no Brasil, com o objetivo de embranquecer a população nacional até o ano de 2012. Pois, devido ao período escravocrata em terras roubadas por Portugal, o território brasileiro tinha um grande número de pessoas pretas. E isso não era bem visto aos olhos dos eugenistas, pessoas que defendem que há raças superiores e acreditam que precisam impedir a reprodução de raças consideradas inferiores por eles.

O terceiro momento é o da chegada do primeiro navio negreiro no Brasil. Antes nosso território era habitado por inúmeros povos originários. Depois ele é invadido por Portugal, é dominado, há extermínios de povos indígenas e ainda se torna espaço para escravizar, torturar e exterminar pessoas do continente africano que foram arrancadas de seu leito familiar, de sua casa, de seu país e de seu povo. O meu objetivo era descobrir o “por que é normal ver meus irmãos virarem saudade?” e está aí, vivemos uma necropolítica muito bem arquitetada. Matam-se crianças pardas e pretas até hoje, pois o projeto de embranquecimento ainda está acontecendo. Um país que ficou preto demais aos olhos dos colonizadores, um projeto para tornar tudo mais branco e balas perdidas encontrando corpos negros até os dias de hoje, este é o mote dramático do projeto. Paulo Roberto Presente! Marcelo Presente! Anderson Presente! Valdivino Presente! Gambazinho Presente! Leandro Presente! Paulo José Presente! Marcos Presente!

E: Qual foi a importância dos apoios recebidos através dos editais de fomento à cultura para viabilizar a produção e realização de Candelária?

KMR: Nossa, foi uma alegria enorme poder colocar nosso projeto para circular. Muitas das vezes, temos que batalhar 10 vezes mais por sermos da Baixada Fluminense, para acessar novos espaços e chamar a atenção para o teatro do nosso território. É muito importante a gente estar rodando a rede Sesc, pois uma peça de teatro precisa do afeto do outro para acontecer. Ela não acontece só no palco. O espetáculo também precisa daquela pessoa que decidiu passar aqueles 60 minutos com a gente. Sem falar que a gente trabalha muito para o espetáculo acontecer e quem trabalha precisa receber.

E: Como estão as expectativas para o início das apresentações já no dia 15? O que o público pode esperar? 

KMR: Estamos muito felizes e com expectativas lá no alto para o dia 15 no Sesc Campos, possibilitado pelo Edital de Cultura SESC RJ Pulsar 2023/24. Estamos com saudade de brincar no palco e de dividir essa história para que ela não seja esquecida. O público pode esperar muita emoção, muito desabafo, muita brincadeira de criança e muita reflexão. Refletir que como um país, precisamos garantir um futuro cheio de boas expectativas para todas as nossas crianças, principalmente aquelas que são muitas das vezes marginalizadas, as crianças negras e indígenas. Garantia de saúde, alimentação, lazer, educação e realização de sonhos.

Você já conhecia a história da Chacina da Candelária? O que achou da nossa entrevista? Conta pra gente e siga o Entretetizei nas redes sociais — Insta, X, Face — para ficar por dentro das novidades no mundo do entretenimento.

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Texto revisado por Kalylle Isse

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