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Entrevista | Vanessa Reis fala sobre representatividade PcD em seus livros

Ao Entretetizei, a autora conta sobre a sua experiência com histórias mais inclusivas

Em 2024, a escritora baiana Vanessa Reis lançou Interseção, seu primeiro livro publicado por uma editora tradicional. A autora, que começou a carreira publicando seus livros de forma independente, também é servidora pública e bacharela em Serviço Social — algo que afirma influenciar a sua escrita de forma positiva.

Além disso, ela sabe da importância de trazer histórias mais diversas para o mercado editorial, já que a literatura é uma forma de repensar alguns estigmas sociais, como o capacitismo e a invisibilidade que um PcD (pessoa com deficiência) pode sofrer. 

Vanessa Reis é cadeirante e sabe como a representatividade pode ressignificar a ideia que uma pessoa tem de si mesma. Em suas histórias, ela narra a trajetória de protagonistas fora do conceito de corponormatividade – que nada mais é do que a maneira como a sociedade acredita que um corpo padrão deve ser.

No entanto, essa concepção ignora corpos diversos e fortalece preconceitos. Escrever romances românticos, no qual o foco principal não é a deficiência, mas sim o desenvolvimento pessoal de um determinado personagem, é mostrar que todos podem viver uma história de amor leve, engraçada e cheia de clichês fofos.

“Escrevo romance e, em minhas histórias, as minhas protagonistas têm algum traço que as coloca à margem da corponormatividade porque eu preciso que pessoas como eu se reconheçam em histórias de amor, em finais felizes”, explica a escritora.

Em Interseção, o leitor conhecerá Catarina, que se vê forçada a dividir uma pequena sala com o insuportável JPS, seu novo colega de trabalho. A jovem está disposta a não facilitar a vida do rapaz, mas a companhia constante acabará trazendo outro sentimento muito forte além do ódio. Agora, os dois precisarão trabalhar juntos em um projeto importante. O verdadeiro desafio, porém, será não se apaixonarem um pelo outro.

Em entrevista exclusiva para o Entretetizei, Vanessa Reis discorreu um pouco sobre a sua trajetória na escrita, representatividade e a perspectiva de uma pessoa com deficiência acerca do mercado editorial brasileiro. Confira!

Entretetizei: Vanessa, você pode nos contar um pouco sobre sua trajetória como escritora? Como surgiu o desejo de escrever e publicar suas histórias?

Vanessa Reis: Gosto de escrever desde criança e sempre vi a literatura como um lugar seguro para existir. Minha trajetória como escritora começou em concursos de redação e textos para peças e apresentações culturais em atividades extracurriculares da escola; num incentivo constante e ininterrupto da professora Márcia, uma das maiores educadoras do mundo, do meu mundo. 

Fui crescendo e percebendo que escrever, pra mim, é válvula de escape, mas também é artifício necessário para desatar alguns nós que nem sabia existir aqui dentro; é eternizar a finitude dos momentos e imortalizar sentimentos, pessoas, lugares… e foi isso que me levou a publicar minhas histórias de forma independente.

E: A representatividade é um tema muito presente na sua escrita. Como você enxerga a importância de trazer personagens diversos para a literatura?

VR: A literatura é uma das melhores formas de abordar variados assuntos e livros com representatividade contribuem para ressignificar conceitos, para trazer um novo ponto de vista para além dos padrões sociais. Eu sou PcD (pessoa com deficiência), escrevo romance e em minhas histórias, as minhas protagonistas têm algum traço que as coloca à margem da corponormatividade porque eu preciso que pessoas como eu se reconheçam em histórias de amor, em finais felizes. 

Ressignificar a beleza em corpos de mulheres com deficiência é, principalmente, aceitar que a estética não é estática. É contribuir para a construção e a reconstrução da própria identidade como pessoas que podem (e devem!) viver todos os clichês românticos!

E: Seu livro mais recente, Interseção, e suas outras obras trazem narrativas ricas e inclusivas. Como você escolhe os temas e personagens que deseja explorar?

VR: Meu desejo é que a diversidade de corpos possa protagonizar histórias e chegar, cada vez mais, às nossas estantes. Assim, busco sempre trazer personagens que, como eu, estejam fora dos padrões impostos pela corponormatividade a fim de contribuir com o discurso que desmistifique as ideias pré-concebidas sobre as PcD, por exemplo.

Foto: reprodução/Verus Editora

E: Quais desafios você enfrentou ao se inserir no mercado literário como uma autora cadeirante? Você percebe avanços na acessibilidade e inclusão no meio editorial?

VR: Acho que o primeiro desafio é não ser reduzida ou ter minhas histórias reduzidas à deficiência que tenho, uma vez que ela é uma característica minha, mas não o que me define. 

Aliado a isso, sinto que, por ser PcD, há uma cobrança velada ou expectativa sobre os meus escritos como se eu apenas pudesse, ou devesse, escrever sob a perspectiva de uma PcD; como se a mim não fosse permitido criar qualquer tipo de história que eu quisesse. Há, sim, avanços na acessibilidade e inclusão no meio editorial, mas os percebo de forma muito superficial, infelizmente.

E: Você acredita que a literatura nacional tem evoluído no quesito representatividade? Há algo que ainda precisa melhorar?

VR: Sim, temos avançado muito nesse quesito, mas o avanço precisa ser diretamente proporcional às melhorias que o mercado editorial, por exemplo, necessita fazer. Há tantos autores nacionais incríveis no mercado independente e que, infelizmente, talvez nunca chegue à publicação tradicional… e falo isso não porque um mercado seja melhor que o outro, mas a projeção que a publicação tradicional traz é imensa! Digo isso comparando os lugares onde minhas histórias têm chegado depois de a Verus lançar Interseção, por exemplo.

E: Além da representatividade na ficção, como você vê o espaço para autores diversos dentro do mercado editorial brasileiro?

VR: Penso que esse espaço ainda é embrionário, principalmente se falarmos de autores nacionais com deficiência publicados em editoras tradicionais.

E: Seu primeiro livro, DOIS, foi autopublicado. Como foi essa experiência e que aprendizados você tirou desse processo?

VR: DOIS foi autopublicado duas vezes e acho que apenas meus amigos mais próximos sabem disso. Quando o finalizei e publiquei, fiquei com tanta vergonha que retirei da plataforma em menos de uma semana… acho que não apenas a insegurança que sentia, mas a tal voz constante da autossabotagem me fizeram acreditar que ninguém iria se interessar em ler as minhas histórias… até perceber que eu preciso escrever. 

O que acontece com meus escritos, depois de publicados, é consequência porque, ao estarem no mundo, as histórias já não são somente minhas; passam a ser de todas as pessoas que se envolvem e se identificam de alguma forma. Assim, tornei a publicá-lo um tempo depois, e fico tão feliz quando as pessoas falam pra mim que esta é uma das minhas melhores publicações! 

E: Como o seu olhar como bacharela em Serviço Social influencia a sua escrita e a construção das suas histórias?

VR: No trabalho, também lido diariamente com as palavras, uma vez que estou responsável técnica pelos projetos sociais do Programa Minha Casa, Minha Vida da minha cidade e, mesmo que sejam vertentes diferentes de escrita, penso que há uma costura em tudo isso – em Interseção, por exemplo, emprestei algumas ideias de projetos meus para o trabalho da Catarina. 

Também, por estar no servidorismo público desde 2015, o atendimento ao público faz parte da minha rotina diária e nada é mais inspirador para construção de histórias sobre pessoas que a escuta e a convivência com pessoas diversas.

Foto: reprodução/Instagram @serespaperconfi

E: Você tem algum processo criativo específico? Como funciona seu dia a dia como escritora?

VR: Sou muito rígida comigo mesma quando estou trabalhando numa história nova e sigo uma rotina de escrita diária: separo entre uma e duas horas, todos os dias, para me dedicar ao projeto, estipulando a meta de 250 palavras mínimas por dia. Pode parecer pouco, mas gosto de estabelecer metas que possa cumprir mesmo em momentos de bloqueio criativo. Na maioria dos dias, nascem capítulos inteiros, mas noutros, apenas as 250 palavras aparecem… o importante é não quebrar a rotina porque ela faz toda a diferença.

E: Para quem deseja escrever histórias mais diversas e representativas, que conselho você daria?

VR: Primeiro, indico que se leia mais histórias diversas e representativas e que se dê preferência por autores diversos. Também, que se invista em leitura sensível, quando não houver a escrevivência, termo cunhado pela maravilhosa Conceição Evaristo, algo extremamente importante. E, sempre, estar disposto a ouvir e a aprender, mas essa dica vale para todos os momentos da vida.

E: Por fim, o que podemos esperar de Vanessa Reis nos próximos anos? Algum projeto em andamento que possa compartilhar conosco?

VR: Ai, que honra! E, sim, tem novidade vindo por aí! Atualmente, tenho trabalhado como roteirista para um jogo de videogame, que logo ganhará o mundo, mas também tenho uma história inédita sendo preparada para publicação! Fui premiada no Prêmio Carolina Maria de Jesus, do Ministério da Cultura, com uma história inédita chamada Camisa Onze, com previsão de lançamento para 2026, se tudo sair como o planejado. Em primeira mão, vou deixar a sinopse desse vem aí com vocês:

“Batizados com nomes de craques, o futebol sempre esteve presente na vida da Romário e do Bebeto: ela, uma zagueira de temperamento explosivo; ele, um fisioterapeuta extremamente retraído. E, sob a mística da camisa onze, a história deles dois vai sendo contada de Copa em Copa, até que um inesperado reencontro evidencie quantos números onze cabem nas memórias de uma vida inteira.

Camisa Onze é uma divertida história sobre o amor adormecido pelo tempo e o reencontro de Romário e Bebeto, filhos de duas famílias tipicamente brasileiras e unidas pelos laços de uma amizade fortalecida ao longo das Copas do Mundo. Uma comédia romântica sobre amizade, autodescoberta, relações familiares e futebol.”

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Leia também: Minha Melhor Parte: uma história de amor fofa e inclusiva

 

Texto revisado por Angela Maziero Santana

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