Rita Lee não era só rock, ela era todas e o todo na música popular brasileira
Faleceu na última segunda (8), a cantora e compositora Rita Lee. A notícia foi divulgada pela família no dia seguinte, terça, por meio de nota na rede social da cantora. Ela lutava contra um câncer de pulmão, diagnosticado em 2021. Rita Lee Jones foi cantora, multi-instrumentista, compositora, atriz e apresentadora. Era uma artista completa e deixou um legado que transcendeu sua partida.
A cerimônia de despedida ocorreu nesta quarta (10), no Planetário do Ibirapuera, zona sul de São Paulo. O ato foi aberto ao público das 10 às 17h. Durante o rito, o teto do planetário exibiu uma projeção com imagens do céu do dia 31 de dezembro de 1947, data em que a artista nasceu.
Mesmo sob chuva, filas se formaram para que os fãs pudessem se despedir da cantora. A pedido de Rita Lee, seu corpo foi cremado e a cerimônia, reservada à família.
Irreverente, foi uma das primeiras mulheres a cantar sobre sexo e amor livre. Sempre foi autêntica em suas composições, entrevistas e apresentações. Rita era genial e divertida.
Familiares de Rita Lee contam que, nos últimos anos, enquanto lutava contra o câncer, a cantora manteve o bom humor e que, inclusive, seu tumor teria sido apelidado de Jair. Ela era atuante nas redes sociais, seus tweets viralizavam e rapidamente viravam memes. Os filhos da cantora prestaram diversas homenagens no Instagram dela.
Rita era casada com Roberto de Carvalho, músico e compositor, com quem dividiu a carreira nos palcos, firmando uma parceria que rendeu diversos sucessos. Com ele, a cantora teve três filhos: Beto Lee, João Lee e Antônio Lee.
Engajada com a causa animal, ela compartilhava em seu perfil oficial no Instagram, um pouco de sua rotina e o amor que sempre teve com os animais. Algumas de suas histórias envolvendo resgates de animais viraram livros.
O Entretê, em homenagem à Rita Lee Jones, faz uma retrospectiva da carreira da artista, trazendo curiosidades e grandes momentos da musa do rock ‘n’ roll.
Os Mutantes (1969-1972)
Rita Lee, ainda na adolescência, teria começado a compor e formado uma banda e com outros amigos, o Túlio’s Trio. Após a participação em diversos grupos, Rita Lee conheceu os irmãos Sérgio e Arnaldo Baptista, e em 1966 formaram Os Mutantes. A banda fez parte de um momento importante na história da cultura brasileira, surgindo durante o movimento tropicalista. Em 1967, a banda acompanhou Gilberto Gil no III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, o mais importante da época, e, juntos, eles cantaram Domingo no Parque.
Ao todo, Os Mutantes gravaram seis discos, dentre eles, Tropicalia ou Panis et Circencis (1968). Considerado um dos álbuns mais importantes da música brasileira, o disco foi gravado com Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Nara Leão e Tom Zé e o maestro Rogério Duprat. Nele, grandes hits como A Minha Menina, Dom Quixote, Balada do Louco, 2001 (Dois Mil e Um) e Ando Meio Desligado fizeram grande sucesso também fora do país.
Nesse período, Rita Lee foi casada com o companheiro de banda Arnaldo Baptista, mas em 1977 eles assinam o divórcio. Um fato curioso ocorreu durante a participação no programa da Hebe Camargo em 1972, em que ela rasgou a certidão de casamento ao vivo. Assim era Rita, sem medir palavras e sem rodeios.
https://www.youtube.com/watch?v=LxVw-u1_ZhQ
Entre os fatos que marcaram a vida da cantora, um ocorreu durante o período da ditadura militar, enquanto estava grávida do primeiro filho: foi presa por porte e uso de maconha. A prisão ficou conhecida como um dos episódios mais truculentos da ditadura militar, que, segundo o regime, serviria de exemplo para a juventude na época. Ela ficou presa por duas semanas.
Foi assim que ficou amiga da cantora Elis Regina, que a visitou e exigiu que um médico fosse chamado para atender Rita. A história foi retratada no filme Elis (2015). Rita Lee afirmava que a droga foi implantada pelos policiais que a prenderam.
Mas ela não parou por aí. Intrépida, a artista continuou a carreira fazendo músicas cada vez mais ousadas para a época. Em 1979, ela lança a música Papai, Me Empresta o Carro, vetada pela censura federal, assim como Lança Perfume.
Rita Lee e Tutti Frutti (1973-1978)
Com a amiga Lucinha Turnbull, ela formou uma dupla com estilo folk rock, que, logo depois, se tornou a banda Tutti Frutti com Luis Sérgio Carlini e Lee Marcucci, entre outros. Na banda, Rita Lee cantava, tocava sintetizadores, piano, gaita e violão. A banda lançou cinco discos, com destaque para o álbum Fruto Proibido (1975) com os sucessos Ovelha Negra, Agora Só Falta Você e Esse Tal de Roque Enrow. O disco vendeu mais de 200 mil cópias, o que a consagrou como Rainha do Rock Brasileiro.
Parceria com Roberto Carvalho (1979-1990)
Rita Lee nunca se prendeu ao título que lhe foi dado de rainha do rock, era avessa aos radicais do rock e da MPB. Foi aí que ela começou a parceria com Roberto de Carvalho, gravando e fazendo shows juntos. Nesse período, Rita Lee produziu muitos sucessos, que foram, inclusive, temas de novelas da TV Globo, como Mania de Você, Chega Mais e Doce Vampiro.
Em 1980, lançou o disco Rita Lee, que emplacou os hits Lança Perfume, Baila Comigo, Nem Luxo, Nem Lixo, entre outros. Ao todo, a dupla lançou oito álbuns, com canções que são ícones da música popular brasileira e que foram regravadas por artistas internacionais. O Príncipe Charles era um grande fã da cantora.
Rita Lee na televisão
Rita Lee sempre foi atuante no feminismo. Ela participou de um especial da TV Globo, Mulher 80 (1979), que exibiu uma série de entrevistas e musicais com o tema mulher e a discussão do papel feminino na sociedade, abordando essa temática no contexto da música nacional.
Já nos anos 90, a artista seguiu carreira solo, separando-se de Roberto. Nesse período, ela começou a turnê voz e violão Bossa ‘n’ Roll. Também apresentou o programa TVLeezão na querida e extinta MTV Brasil. Ao todo, foram ao ar 12 episódios, com Rita Lee chamando videoclipes musicais, produzindo esquetes e entrevistas com artistas. Ela não parava. Inquieta, atuou em um capítulo da novela da TV Globo, Vamp (1991), interpretando uma personagem que seria a versão mais sincera dela mesma.
https://www.youtube.com/watch?v=PPIKtthynrI
Rita Lee, a escritora
A artista também se jogou na literatura, e, entre 1986 e 1992, escreveu quatro livros infantis, tendo como protagonista o rato cientista Dr. Alex, inspirado no ratinho usado em testes de laboratório que ela resgatou. Poucos dias antes de sua morte, ela publicou uma foto no Instagram com o ratinho na época do resgate. Escreveu também duas autobiografias: a primeira em 2016 e a última, em 2023.
A última apresentação
Em 2012, seu último show, a cantora se envolveu em uma confusão com a polícia durante a apresentação no Festival de Sergipe. Rita teria se irritado ao ver que policiais estavam revistando a plateia em busca de maconha. De cima do palco, ela começou a falar com a polícia:
“O que vocês estão procurando, queridos policiais? Baseado? Vão achar. Alegria? Vão achar. Felicidade… Só isso”, falou. Depois, dirigiu-se ao público e avisou: “Se a polícia bater, eu vou dedar para o Brasil inteiro, denuncio e processo”. “Isso é força brutal. Vocês não têm o direito de usar força na meninada que não está fazendo nada. Esse show é minha despedida do palco. […] Eu sou do tempo da ditadura, você pensa que tenho medo, porr*? As pessoas estão esperando eu cantar. Não é a gracinha de vocês”,continuou.
Nessa noite, ela foi presa por desacato e apologia ao crime. Em depoimento, Rita Lee afirmou que a atuação da PM causou uma reação emocional, que agiram de forma desnecessária. Logo após a prisão, o caso tomou as redes sociais e inúmeros artistas se manifestaram defendendo a cantora.
Rock Exhibition Rita Lee (2021)
O Museu da Imagem e do Som de São Paulo homenageou a artista com a exposição Rock Exhibition Rita Lee, que levou itens originais da vida pessoal e da carreira construída ao longo de cinco décadas pela cantora. Por meio de um QR Code, o público pôde ser guiado pela voz de Rita ao longo da exposição.
Para sempre Rita
Não é uma tarefa fácil falar sobre Rita Lee, uma mulher à frente de seu tempo, que mudou comportamentos. A artista viveu muita coisa durante sua carreira, são muitos acontecimentos que entraram para a história da música popular brasileira. Inspirou mulheres e continuará a inspirar.
Em uma recente postagem no Instagram, ela relembrou uma entrevista que concedeu no programa Jô Soares, falando da dificuldade que era na época em que fazia parte dos Mutantes: uma mulher liderar uma banda. Graças a você, Rita, muitas mulheres, hoje, lideram bandas de rock. Você abriu os caminhos para muitas de nós. Só agradecemos!
Rita Lee Jones. Ousada, irreverente, livre, autêntica. Não abria concessão para nada e para ninguém. Uma deusa, uma bruxa, uma musa mutante. Todas as histórias serão poucas para definir uma artista como ela. Partiu deste plano de cabeça erguida, com dignidade. Sem dúvidas, o Brasil fica mais careta.
“Enquanto isso, estarei eu de alma presente no céu, tocando minha autoharp cantando para deus: ‘Thank you lord, finally sedated’, trecho de seu livro Uma Autobiografia, de 2016.
E aí, já ouviram o disco da Rita Lee hoje? Contem pra gente! Para acompanhar as novidades do mundo do entretenimento, é só seguir a gente lá no perfil do Entretetizei no Instagram, Twitter e Facebook!
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*Crédito da imagem de destaque: Entretetizei