Dos tempos de império às disputas modernas, a relação entre Japão e Coreia foi marcada por guerras, ocupações e feridas que ainda não cicatrizaram
Quando pensamos na relação entre Japão e Coreia, palavras como tensão e rivalidade são quase inevitáveis. Mas o que muitos não sabem é que essa história começou séculos atrás e envolve conquistas, ocupações e uma série de feridas históricas que persistem até hoje. É um passado complexo e doloroso que, de tempos em tempos, volta à tona, especialmente em contextos diplomáticos e culturais.
A história é longa e tem diferentes fases, passando por guerras medievais até às disputas tecnológicas modernas. Nos últimos anos, embora ambos os países serem democracias influentes na Ásia, a relação entre Japão e Coreia do Sul ainda enfrenta turbulências — um reflexo direto de um passado marcado por desconfiança e violência. A seguir, vamos explorar os eventos históricos mais importantes que moldaram essa relação.
Das conquistas medievais às feridas do século XX que moldaram a relação entre Japão e Coreia
As primeiras tensões entre Japão e Coreia têm raízes que remontam ao período medieval. No século XVI, Toyotomi Hideyoshi, então um dos maiores líderes japoneses, tentou invadir a Coreia duas vezes (em 1592 e 1597) com o objetivo de conquistar a China. Essas invasões foram devastadoras para a Coreia, deixando o país em ruínas e criando um ressentimento profundo que se manteria nas gerações seguintes.
No entanto, a situação só se agravou de forma permanente no século XX, quando o Japão passou a ter ambições imperialistas mais amplas. Em 1910, o Japão formalizou a ocupação da Coreia, transformando o país em uma colônia japonesa. Durante esse período, que durou até o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, a Coreia foi submetida a um regime brutal: sua cultura e língua foram reprimidas, enquanto os recursos do país eram exaustivamente explorados em benefício do império japonês.
A ocupação deixou cicatrizes profundas. Até hoje, muitos coreanos relembram os abusos cometidos pelos japoneses, como o uso de mulheres de conforto — um eufemismo para as milhares de coreanas forçadas a trabalhar em bordéis militares japoneses. Esse episódio, em particular, é uma das principais feridas que não cicatrizaram e um tema de constante atrito entre os dois países.
O peso da ocupação japonesa e o legado histórico que ainda ecoa na Coreia
Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a rendição do Japão em 1945, a Coreia finalmente conseguiu sua independência, mas a paz ainda estava longe. O país foi dividido em duas zonas de ocupação, lideradas pelos Estados Unidos ao sul e pela União Soviética ao norte. Esse cenário deu origem à Guerra da Coreia (1950–1953), que, por sua vez, consolidou a divisão da península entre Coreia do Norte e Coreia do Sul.
Enquanto isso, o Japão, sob a influência dos Estados Unidos, passou a reconstruir sua economia e sua sociedade. Os americanos incentivaram o Japão a desenvolver uma economia forte como forma de impedir o avanço comunista na Ásia, o que acabou tornando o Japão uma potência econômica. Porém, as feridas do passado colonial permaneceram e, no auge da Guerra Fria, os laços diplomáticos entre Japão e Coreia do Sul ainda eram frágeis.
Esse período foi marcado por disputas e negociações delicadas. Em 1965, Japão e Coreia do Sul assinaram o Tratado de Normalização, no qual o Japão ofereceu compensações econômicas à Coreia do Sul. No entanto, muitos coreanos sentiram que a compensação foi insuficiente, especialmente porque o Japão não assumiu total responsabilidade pelos abusos cometidos durante a ocupação.
Mulheres de conforto e o clamor por justiça que atravessa gerações
A questão das “mulheres de conforto” voltou a ser um tema central nas discussões entre Japão e Coreia do Sul nas décadas de 1990 e 2000, quando algumas sobreviventes começaram a compartilhar publicamente suas histórias, exigindo um pedido formal de desculpas e uma compensação adequada. Essa demanda tocou fundo na sociedade coreana, e muitas campanhas internacionais se uniram em apoio a essas vítimas.
Em resposta, o governo japonês emitiu algumas declarações de arrependimento e estabeleceu fundos de compensação, mas nunca houve um consenso. Alguns políticos japoneses ainda minimizam ou questionam o sofrimento das vítimas, o que gerou protestos intensos da Coreia do Sul. Esse assunto tornou-se quase um símbolo das relações entre os dois países: algo que, vez ou outra, parece estar resolvido, mas que sempre retorna com força em períodos de crise.
A situação atingiu outro nível em 2018, quando a Suprema Corte da Coreia do Sul ordenou que empresas japonesas compensassem trabalhadores coreanos por trabalhos forçados durante a ocupação. O Japão respondeu com sanções econômicas, atingindo setores cruciais para a Coreia do Sul, como o de tecnologia. Esse embate gerou uma onda de boicotes a produtos japoneses na Coreia e revelou o quão profundo e delicado ainda é o ressentimento entre os dois países.
Cultura pop e tecnologia unindo e dividindo Japão e Coreia do Sul
Apesar das tensões, a cultura pop e a tecnologia acabaram criando uma ponte inesperada entre Japão e Coreia do Sul. No final dos anos 2000, o K-pop e os K-dramas começaram a conquistar o público japonês, e muitas bandas coreanas passaram a fazer shows e lançar álbuns exclusivos no Japão. Esse intercâmbio cultural é, muitas vezes, visto como um ponto positivo na tentativa de aproximação entre os países.
No entanto, o ressentimento histórico não desaparece facilmente. Em 2020, com o crescimento de tensões políticas, houve até boicotes de fãs japoneses ao K-pop, e a questão das disputas territoriais sobre as ilhas Dokdo/Takeshima permanece sem resolução. Esses pequenos episódios mostram que, embora haja cooperação, as desavenças estão sempre à espreita.
Japão e Coreia do Sul hoje têm uma relação ambígua: compartilham interesses econômicos e são aliados dos Estados Unidos, mas os laços nunca são inteiramente tranquilos. Enquanto a cultura pop e a tecnologia continuam a fazer uma ponte, o passado sombrio ainda pesa. A história entre Japão e Coreia é um lembrete de que o passado nunca está realmente encerrado — ele continua a moldar o presente e desafiar as novas gerações a superarem as feridas.
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Texto revisado por Cristiane Amarante