Latinizei | Anita Malfatti: pintora, antropofágica e depressiva

Anita Malfatti foi pintora e professora, e fez parte do Movimento Antropofágico 

O Latinizei da semana é sobre a pintora Anita Malfatti, uma das grandes responsáveis por trazer o modernismo ao Brasil e, também, por criticar a cultura europeia. 

Nascida no dia 2 de dezembro de 1889, Anita Malfatti é filha da artista, depois conhecida como Bety Malfatti. Descendente de imigrantes, ela renegou a cultura europeia na sua fase adulta, assim como foi de grande importância para o cenário cultural brasileiro e teve grande destaque na Semana de Arte Moderna de 1922.

Anita Malfatti morreu aos 75 anos, reclusa em sua chácara, e no fim da vida pintava longe dos holofotes.

Filha de imigrantes, artista infantil, pessoa com deficiência e depressiva

Foto: Divulgação

Anita Catarina Malfatti nasceu em São Paulo, filha de mãe estadunidense e pai italiano, ela começou a desenvolver o gosto pela arte muito nova, com o incentivo da mãe, também artista.

Quando tinha 13 anos, por uma sensação de vazio – que hoje podemos entender como sintomas de ansiedade e depressão -, Anita caminhou até a estação de trem da Barra Funda e se deitou sob os dormentes do trem e esperou que a sensação de morte lhe causasse impacto suficiente para descobrir como levar a sua vida. E foi nessa experiência que Anita Malfatti descobriu que pintar lhe traria felicidade e rumo na vida.

“[…] Foi uma coisa horrível, indescritível. O barulho ensurdecedor, a deslocação de ar, a temperatura asfixiante deram-me uma impressão de delírio e de loucura. E eu via cores, cores e cores riscando o espaço, cores que eu desejaria fixar para sempre na retina assombrada. Foi a revelação: voltei decidida a me dedicar à pintura”, afirmou em certo momento.

Anita, além disso, tinha uma atrofia no braço e na mão direita. Ou seja, ela era uma pessoa com deficiência, e pintava e criava suas obras usando apenas a mão esquerda, o que na época era algo exatamente raro de se ver.

Formada educadora, alma de artista

Foto: Divulgação

Aos 19 anos, formada pela Mackenzie College, Anita Malfatti viajou à Berlim (Alemanha) para estudar na Academia Imperial de Belas Artes entre 1910 e 1914; partiu para Nova York em 1915 para estudar na Arts Students League of New York e na Independent School of Art, e lá aprofundou seu conhecimento sobre arte até 1916.

Criou a Exposição de Pintura Moderna Anita Malfatti, em 1917, com 53 de suas obras inspiradas pelo movimento expressionista. Essa exposição reuniu o desgosto de muitos críticos, que não conheciam a arte modernista e, por isso, não a apreciavam.

Foi nessa exposição que Anita ganhou o desafeto do escritor e crítico conservador Monteiro Lobato (sim, do Sítio do Pica-Pau Amarelo). Lobato chegou a escrever uma análise crua e maldosa sobre arte que ele não entendia, e acusou as ilustrações de Anita Malfatti de serem como os desenhos “que ornam as paredes internas dos manicômios”, e os chamou de “uma arte anormal”.

Em 1923, Anita Malfatti ganhou uma bolsa de estudos e se mudou para Paris. Lá, ela aprendeu mais sobre Cubismo e Impressionismo, e conheceu nomes como Henri Matisse.

Monteiro Lobato x Anita Malfatti

Foto: Divulgação

O artigo de Monteiro Lobato, conhecido como Paranoia ou Mistificação, foi publicado no jornal O Estado de São Paulo.

Lobato afirmou que as obras vanguardistas não tinham “nenhuma lógica, sendo mistificação pura”, e que Anita tinha “acentuadíssimas tendências para uma atitude estética forçada no sentido das extravagâncias de Picasso e companhia”. E piorou o ponto de vista ao afirmar que, ao menos nos manicômios, “arte é sincera, produto ilógico de cérebros transtornados pelas mais estranhas psicoses”.

Foi por culpa de Monteiro Lobato que a saúde mental de Anita Malfatti começar a decair e ela desenvolveu um trauma da crítica, que a impediu de pintar por um período de um ano, isso sem contar os compradores que, ao lerem as duras observações de Lobato, devolveram as obras que tinham comprado durante a exposição.

Artista fortalecida

Foto: Divulgação

Sendo enxovalhada em vida, Anita Malfatti conquistou muito prestígio póstumo, mas teve certo impacto que repercutiu ainda na sua vida.

Servindo de inspiração para artistas que usaram suas técnicas modernistas, a Semana de Arte de 1922 foi reconhecida e prestigiada como um novo ar ao impacto cultural e artístico do Brasil.

Foi graças ao artigo de Monteiro Lobato que, apesar da queda na sua criação e devoluções de obras, Anita Malfatti se aproximou de artistas como o poeta Oswald de Andrade e o pintor Pedro Alexandrino Borges. Também foi por essa razão que ela criou uma amizade com a pintora Tarsila do Amaral.

A rivalidade feminina, inclusive, foi incentivada por anos e anos ao mencionar a ideia de Anita Malfatti e Tarsila do Amaral no mesmo ambiente, mas isso não procede. As duas eram amigas próximas e queridas, e foi Anita quem manteve correspondências importantes com Tarsila sobre arte, enquanto a amiga vivia no exterior. Anita também chegou a pintar um retrato de Tarsila e o expôs na Mostra de Anita, no MASP, em 1955.

A Boba e o Grupo dos Cinco

Foto: Divulgação

A tela A Boba (1915 – 1916), de Anita Malfatti, é a mais reconhecida nos dias de hoje, mas foi pintada antes de Anita causar um impacto real na arte brasileira.

Quando foi criticada por Monteiro Lobato, sua aproximação com os artistas Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade e Menotti del Picchia a fizeram ingressar no grupo, formando, então, o Grupo dos Cinco.

Com fortes estéticas saídas da arte modernista de Anita, no qual se inclui a pintura A Boba (que não é modernista, mas serviu de alavanca para o estilo esculpido de Anita), e com a inspiração vinda da tela Abaporu, feita por Tarsila do Amaral, o Grupo dos Cinco deu início ao Movimento Antropofágico.

Tal movimento tinha o intuito de deglutir vanguardas europeias, como o futurismo e o surrealismo, e mesclar essa noção metafórica com a arte brasileira.

Tropical, uma arte da contracultura

Foto: Divulgação

Em 1917 o mundo estava um caos. Com revoluções socialistas estourando pelo mundo, a cultura brasileira sendo finalmente vista por nossos próprios artistas e a aproximação do fim da Primeira Guerra Mundial, revelar um diálogo que ia contra o eugenismo pregado no Brasil no fim do século XIX era um ponto de contracultura. E foi exatamente o que Anita Malfatti fez.A tela intitulada Negra Baiana, foi renomeada como Tropical, fez de Anita uma precursora na crítica ao embranquecimento populacional.

Ressaltando a beleza de um país nativo, e logo depois escurecido pela escravidão, Anita Malfatti colocou protagonismo preto e indígena em suas telas, fazendo uma crítica silenciosa ao protagonismo branco que era – e ainda é – exaltado naquela época.

Em Tropical, uma mulher preta usa roupas simples, o que quer dizer que a modelo era, provavelmente, uma empobrecida descendente de escravos. Também é curioso observar que essa é uma das únicas telas de Anita Malfatti que não se encaixa no contexto modernista. Na obra Tropical, Malfatti usa de fontes realistas e naturalistas para exaltar a cultura local, e é sabido que a mesma técnica foi aplicada na obra A Índia, que está desaparecida até os dias de hoje.

Agora é a sua vez de nos falar…  Qual parte da história de Anita Malfatti você mais curtiu descobrir? Estamos esperando a sua resposta lá nas nossas redes sociais: Twitter, Insta e Face.

*Crédito da foto de destaque: Divulgação

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