O preconceito contra fãs vai além do gosto pessoal – é um reflexo de machismo, xenofobia e da seletividade sobre o que a sociedade aceita como paixão legítima
Ser fã é mais do que apenas gostar de algo. É encontrar um lar, um refúgio, um motivo para sorrir em dias difíceis. Seja por um time, uma banda, um artista ou um gênero musical, ser fã é sentir a conexão de algo maior que nós mesmos. Mas nem todos os fãs têm o mesmo direito de expressar essa paixão.
Enquanto torcedores de futebol podem chorar, gritar e gastar dinheiro sem serem questionados, fãs de música – especialmente de K-pop – enfrentam olhares tortos, julgamentos e, em alguns casos, até violência. Fátima Zavala, adolescente mexicana brutalmente atacada por gostar de K-pop, poderia ter sido qualquer um de nós. Qualquer um que já se emocionou ouvindo sua música favorita, que já se sentiu acolhido por uma comunidade de fãs, que encontrou na arte um motivo para continuar.
Mas por que essa paixão incomoda tanto? Por que tantas pessoas se sentem no direito de ridicularizar, diminuir e até agredir quem apenas ama algo diferente?
O futebol pode, o pop não? A seletividade do que é ‘aceitável’
No Brasil, um país movido pelo futebol, ver um estádio inteiro chorando por um gol perdido ou vibrando por uma vitória nos acréscimos é algo normal. É paixão, é cultura, é identidade.
Mas se um fã de música chora ao ver seu artista favorito pela primeira vez, logo é julgado como exagerado, imaturo ou sem vida social. Se alguém viaja para ver um jogo do seu time, isso é motivo de orgulho. Mas se essa mesma pessoa viaja para um show, ou passa horas na fila por um ingresso, vira alvo de piadas.
Essa seletividade não acontece por acaso. Fãs de música pop, especialmente do K-pop, são, na maioria, mulheres e jovens – dois grupos historicamente desvalorizados. A sociedade tem dificuldade em levar a sério tudo o que vem deles. Se um fenômeno cultural mobiliza homens adultos, ele é considerado grandioso. Se é dominado por mulheres e jovens, é tratado como fútil.
A mídia reforça isso. O tom de matérias sobre torcedores de futebol é de admiração, enquanto reportagens sobre fãs de música muitas vezes carregam deboche. Quando filas gigantes para shows surgem, a narrativa raramente é sobre dedicação – e sim sobre histeria, desespero ou exagero. Mas quem nunca se emocionou com algo que ama? Quem nunca fez loucuras por algo que fez seu coração bater mais forte?
Xenofobia disfarçada de opinião
O desprezo pelo K-pop, animes e doramas não vem apenas do machismo. Vem também do medo do que é diferente.
Por que tanta gente insiste em dizer que “K-pop não é música de verdade”? Por que os idols são chamados de fabricados, enquanto o pop ocidental, que segue os mesmos padrões da indústria musical, nunca recebeu esse rótulo com tanta força?
A verdade é que o incômodo não está na música – mas na sua origem. O K-pop desafia o domínio da cultura ocidental e prova que o entretenimento não precisa vir dos EUA ou da Europa para ser grandioso. E isso assusta.
Por que é normal ouvir rock britânico ou música eletrônica alemã, mas se torna estranho gostar de um grupo coreano? Por que a premiação mais prestigiada do cinema levou décadas para reconhecer um filme sul-coreano como o melhor do ano? Por que artistas asiáticos quebram recordes, lotam estádios e dominam as paradas, mas ainda são tratados como algo menor?
O preconceito se esconde atrás de desculpas como “é só minha opinião” ou “é apenas gosto pessoal”, mas a verdade é que há uma barreira invisível impedindo que a cultura asiática seja vista com o mesmo respeito que a ocidental.
O preconceito contra fãs também afeta homens – mas de formas diferentes
Embora as mulheres sejam as que mais sofrem com a ridicularização dos fandoms, homens que gostam de K-pop, boybands, animes e cultura pop também enfrentam julgamentos.
Se um grupo de homens se reúne para assistir a um jogo de futebol e grita ao ver seu time marcar, ninguém questiona. Mas se esses mesmos homens vibram em um show do BTS ou discutem teorias sobre um anime, logo são chamados de infantis, sensíveis demais ou têm sua masculinidade questionada.
A sociedade ainda impõe regras rígidas sobre o que um homem pode ou não gostar. E tudo que foge desse padrão vira motivo de piada.
O K-pop desafia essa visão ao mostrar que ser masculino não precisa ser sinônimo de brutalidade ou frieza. Que homens podem usar maquiagem, dançar, expressar emoções e continuar sendo homens. Mas, para muitos, essa liberdade é uma ameaça – porque ensina que ninguém precisa se encaixar em padrões sufocantes para ser aceito.
Gostar do que quiser é um direito – e ninguém pode invalidar isso
O caso de Fátima Zavala foi um alerta brutal do que acontece quando o ódio contra fãs sai da internet e se torna real. Mas mesmo quando não chega a esse extremo, o preconceito sufoca, machuca e isola.
Quantas pessoas já esconderam que gostam de K-pop com medo de serem julgadas? Quantas já ouviram que sua paixão “não é séria” ou “não é importante”? Quantas já foram ridicularizadas por algo que simplesmente as faz feliz?
Se o futebol pode ser levado a sério, por que a música não pode? Se gastar dinheiro com ingressos de jogos não é um problema, por que investir em shows seria? Se expressar emoção por um time é visto como amor, por que expressar emoção por um artista é visto como fraqueza?
A verdade é que não existe uma forma certa ou errada de ser fã. O que importa não é o que você ama, mas como isso faz você se sentir vivo.
Ser fã é se encontrar, se emocionar, se conectar. É ter algo que faz seu coração bater mais forte. E ninguém – ninguém – tem o direito de tirar isso de você.
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Texto revisado por Angela Maziero Santana