Aos 87 anos, o cartunista concorre a uma posição na instituição mais importante da literatura brasileira
Não existe uma única pessoa brasileira que não teve contato com pelo menos um gibi da Turma da Mônica durante a infância. A personagem, famosa pela sua coragem e pelo amor ao coelhinho de pelúcia, ganhou as páginas, pela primeira vez, em 1963, no jornal Folha de S. Paulo.
Desde então, a criação de Mauricio de Sousa vem encantando gerações e introduzindo o amor pela leitura em diversas crianças. Com 60 anos, Mônica se reinventa a cada dia: tem série para o streaming, filmes em live-action e uma montanha de projetos a caminho.
O ilustrador Mauricio de Sousa acaba de anunciar a sua candidatura à ABL, a Academia Brasileira de Letras. Sousa demonstrou seu interesse por meio de uma carta, enviada ao presidente da ABL, Merval Pereira, no início de março.
Com isso, o quadrinista concorre oficialmente ao posto que pertencia a Cleonice Berardinelli, professora estudiosa de Fernando Pessoa, que faleceu em janeiro deste ano, aos 106 anos. Mauricio concorre à cadeira 8 da ABL, juntamente com o filólogo Ricardo Cavaliere.
O que diz Mauricio de Sousa
Na carta enviada à ABL, Mauricio afirma que a função dos autores é criar novos leitores.
“Em meus encontros nas Bienais do Livro e pelas escolas do Brasil, peço que quem aprendeu a ler com a Turma da Mônica levante a mão. Todos se levantam. Claro que alguns para me agradar, mas todos se sentem infectados pelo bichinho da leitura”, diz em uma parte da carta.
“A ABL é o centro de valorização, não apenas do autor brasileiro, mas do leitor. Sem leitor não há a mágica da literatura. E para se conquistar o leitor, a melhor época é a infância. E este o será para sempre. A Turma da Mônica hoje está em todas as plataformas de comunicação, para não deixar escapar a conexão que o futuro cobrará de todos. Posso dar esta contribuição para que o trabalho da ABL pelo estímulo à leitura por meio de seus imortais seja mais e mais reconhecido, aproximando os leitores dos nossos clássicos também por meio dos quadrinhos”, escreve em um trecho da carta.
O que é a ABL?
A história da ABL começou em 1897, quando um conjunto de intelectuais – entre eles, Machado de Assis –, decidiu criar uma instituição dedicada à literatura nacional. Desse modo, a Academia Brasileira de Letras tem como principal função promover e valorizar a língua portuguesa e a literatura nacional. Os fundadores idealizaram a instituição nos moldes da Academia Francesa de Letras, criada em 1634.
A ABL tem 40 membros, que desfrutam do local de forma vitalícia, ou seja, até o seu falecimento. Em 2023, há duas cadeiras vazias: a de Cleonice Berardinelli e Nélida Piñon, que morreu em dezembro de 2022. A escolha dos ocupantes é feita por meio de uma votação.
A sede é no Rio de Janeiro, em um prédio chamado Petit Trianon. Além disso, a Academia não aceita a entrada de estrangeiros, apenas de brasileiros.
Falta de representatividade
Apesar de ser uma instituição que preze pela valorização da literatura nacional, a ABL possui um histórico de segregações. Até a década de 1970, as mulheres não eram permitidas. Isso só foi mudar em 1977, quando a escritora Rachel de Queiroz passou a ocupar uma cadeira. No entanto, em 2022, das 40 cadeiras, apenas 5 pertenciam a mulheres.
A porcentagem de membros negros também não é animadora. Do total de cadeiras, apenas uma é ocupada por uma pessoa negra: o cantor e compositor Gilberto Gil.
A escritora Conceição Evaristo tentou mudar esse cenário em 2018, quando se candidatou à cadeira de número 7. Ela seria a primeira mulher negra a integrar a ABL. No entanto, obteve apenas um voto. Em entrevista ao programa Roda Viva, em 2021, ela disse que a candidatura incomodou muito os membros da Academia.
“Com todo respeito que eu tenho à Academia, mas ela tem que tomar cuidado, porque senão perde o bonde da história. Eu tenho uma resposta [sobre se candidatar novamente] fechada sobre isso, eu acho que, como da primeira vez, a Academia não aceitaria a minha candidatura. Eu prefiro pensar que outras mulheres negras, outros homens negros, sujeitos indígenas, outras representações literárias deveriam se candidatar. O que eu tinha de fazer eu já fiz”, afirmou ao Roda Viva.
Em 2015, Evaristo venceu o Prêmio Jabuti de Literatura. A escritora é graduada em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, tem mestrado em Literatura Brasileira pela PUC-Rio e doutorado em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense.
Como são cargos vitalícios, é fato que ainda demorará um tempo para que a ABL deixe de representar antigos preconceitos. No entanto, é hora de começarmos a pensar quem queremos ver representando a literatura brasileira.
Quadrinho é literatura?
Como o próprio Mauricio de Sousa disse em sua carta de candidatura, milhares de crianças pelo Brasil aprenderam a ler por meio das histórias da Turma da Mônica. Portanto, está mais do que na hora de os quadrinhos serem reconhecidos como uma parte importante da literatura brasileira.
Reconhecer a relevância dos quadrinhos é dar espaço a outros meios de divulgação da literatura, para que, assim, outros autores encontrem seu local de fala em instituições tradicionais como a ABL.
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*Crédito da foto de destaque: reprodução/Wikimedia Commons