Resenha | El Baile de los 41 é um espetáculo de detalhes, tristeza e poucas palavras

El Baile de los 41 retrata a vida de homens homossexuais em 1901 e conversa com o público através dos sons, numa mistura de sentimentos e profunda tristeza

O longa mexicano El Baile de los 41 estreou ontem (12), na Netflix de 190 países – o Brasil não está incluído – e já está no Top 10 dos mais assistidos. Mas não é por qualquer motivo: trata-se de um filme político, sobre um escândalo que talvez seja um dos mais tristes da história do México, envolvendo 42 homens que apenas queriam ser livres

O enredo se passa nos anos 1901, durante o Porfiriato, ou seja, período de 30 anos em que Porfírio Diaz estava no poder, sendo conhecido como um político extremamente conservador. Nessa época, ainda não se falava de relacionamentos homossexuais e muito menos da luta LGBTQIA+, ou seja, ser homossexual era considerado uma aberração e totalmente condenado pelo governo – ainda mais se você fizesse parte da família presidencial, como foi o caso de Ignacio de la Torre y Mier, que, no longa, é interpretado pelo brilhante Alfonso Herra. Ignacio se encontrava, secretamente, com outros 41 homens, que somente queriam ser livres para amar e serem amados, no que podemos descrever como uma festa gay da elite mexicana. 

Foto: Divulgação | RBD Fotos

 

Quem era Ignacio de la Torre y Mier e por que há tanta tristeza?

Ignacio de la Torre era um deputado que tinha como objetivo se tornar governador do Estado do México. Sendo um homem sério e de poucas palavras, notamos logo que é uma pessoa comprometida com o seu trabalho, mas o casamento com a filha do Presidente da República, Amada Díaz, nos leva a conhecer quem ele era de verdade. Entendemos que, na verdade, ele era um homem triste. E é isso que sentimos durante todo o filme: tristeza.

Ignacio frequentava, todas as noites, uma sociedade onde os homens podiam ser quem queriam. Lá, ser gay era um orgulho, uma liberdade. As cenas no local são fortes, contém exposição, mas continuam sendo tristes. Vemos pessoas desesperadas e na busca pelo amor, onde essa procura é representada pelo exagero de uma sequência de cenas, em que pouco se fala, mas muito se sente e se entende. Vemos homens de todas as idades desesperados por, finalmente, sentirem o prazer de se sentirem amados. A própria trilha sonora nos dá essa sensação, uma mistura de desespero, com prazer e empatia.

Foto: Divulgação | RBD Fotos

Voltando ao termo tristeza, é agoniante como todos eram tristes. Digo isso  porque nem Ignacio, nem Amada e nem os demais 41 homens foram felizes, já que tinham uma vida dupla, frequentavam uma sociedade que já estava na cara que seria descoberta e tinham que se esforçar para esconder tudo de suas famílias.

Sobre o casamento, é triste para os dois lados: ela gostava do marido e tinha o sonho de ter filhos. Como seu marido não podia satisfazer seus desejos, vivia em casa, sozinha e frustrada. Ele era quase como duas pessoas diferentes, porque, durante o dia, tinha que exercer seu papel de político e trabalhar no mesmo ambiente que o amor de sua vida, Evaristo Rivas (Emiliano Zurita) – além de enfrentar o sogro e a mulher, o qual claramente não sentia nenhuma atração – e à noite era…. o Ignacio. 

Foto: Divulgação

Um filme que fala nos detalhes e no não-diálogo

El Baile de los 41 é um filme que conversa com o espectador através do íntimo, das cenas sem falas e nos detalhes. Chega a ser um pouco perturbador ouvir cada passo e cada movimento feito pelos atores, que nos transmitem – tudo – o que estão sentindo. Em muitos momentos, a sensação é de estarmos dentro das cenas, ao lado dos atores.

Quem conhece bem a história da política mexicana, sabe que estamos falando de um dos Estados mais conservadores da América Latina e, se hoje em dia ainda é difícil falar da luta LGBTQIA+ no país, quando voltamos à 1901, nem é preciso comentar que o nível de conservadorismo era muito, mas muito pior – e isso fica bem claro ao assistirmos o longa.

Foto: Divulgação | Forbes México

Citando alguns exemplos, percebemos a  posição da mulher em relação aos homens: não vemos mulheres na política e Amada Díaz (Mabel Cadena) nos mostra como era solitário ser mulher naquela época. Em casa e sozinha, ela chega a adotar um filhote de bode para cuidar, como se fosse seu filho – já que seu esposo não lhe daria um.

Foto: Divulgação

Acompanhamos então o desenvolvimento dessa personagem, que se casou numa cerimônia fechada, sem poder convidar sua mãe, que era indigena e, ao descobrir que seu marido estava se relacionando com outro homem, se revolta ao descobrir cartas de amor ao marido.

Todas as cenas foram muito bem roteirizadas e interpretadas. A opção de mostrar mais do que falar foi genial e incrivelmente bem transmitida para quem está vendo.

 

Um final trágico e a importância do filme para a comunidade LGBTQI+

Ao passo que vamos entendendo a história, precisamos falar da cena final, que vai desde o baile, até a tortura daqueles homens – a mais chocante e dolorosa. Após ser descoberto, Ignacio é levado de volta para casa – ainda travestido – e os demais 41 são expostos à público, da mesma forma como foram encontrados: alguns maquiados, outros travestidos e todos direcionados a mostrar que estamos errados.

Ser homossexual, é representado ali como uma aberração, como um exemplo à população do que não pode ser feito. Quando nos deparamos com o estado em que cada um se encontrou, após serem chutados, xingados e torturados, é dolorosa a sensação de desprezo e dor. Uma dor que ficou marcada para sempre na história de cada um e na história da comunidade LGBTQIA+.

Foto: Divulgação | Twitter

O filme termina com Ignacio recebendo a informação que seu amado faleceu, e a única reação que teve, foi uma onda de choro e de profunda tristeza, que nos leva a sentir, lá dentro, o que ele estava sentindo – e, mais uma vez, Alfonso Herrera nos prova que é mais que um ator, é um artista tomado pelos sentimentos e que transborda emoção.

Sobre Alfonso Herrera e seu personagem, o próprio diretor do filme, David Pablos, comentou, em entrevista, sobre o personagem não ser um herói nem um exemplo, mas sim, uma vítima questionável. “Ignacio foi vítima de uma circunstância, mas, ao mesmo tempo, era alguém que buscava poder, era ambicioso, alguém que cometeu muitas ações questionáveis, então, para mim, a aposta principal com o personagem do Alfonso foi fazer alguém, um personagem, que não fosse virtuoso, que é mal sucedido e que, inclusive, o público pode testar o que esse personagem faz”, disse.

Foto: Divulgação | Twitter

De fato, é um filme perturbador. Digo isso porque não é uma produção fácil de se assistir, já que lidamos com sentimentos reais, histórias reais e que incomodam. Incomoda ver a forma como esses homens viviam, escondidos, como se estivessem fazendo algo errado e, depois tratados como se não pertencessem à sociedade. 

Apesar disso, é importante ressaltar a importância do longa, que abre nossos olhos para a importância de defender a luta LGBTQIA+, uma luta que carrega consigo muita dor, mortes, torturas e tristezas que nada, nem mesmo um filme como El Baile de los 41 pode explicar, de verdade, o que eles sentiram.

 

E o que podemos tirar de lição?

Que já avançamos muito, mas que ainda há muito o que lutar. Saber que El Baile de los 41 foi exibido nos cinemas mexicanos e chegou a ganhar outdoors pelas ruas é sim motivo de comemoração, afinal, num país que discrimina e abomina homossexuais até hoje, vê-los enfrentando os agressores nos dá esperança de que podemos sim ajudar nossa sociedade a buscar o diálogo e a inclusão de temas antes ignorados, para formarmos futuros cidadãos conscientes de que, o que aconteceu no dia 20 de novembro de 1901 JAMAIS pode se repetir; e que cada ser humano tem o direito amar e viver da maneira que achar melhor para si mesmo.

 

Apesar de ser um filme mexicano-brasileiro, com apoio da Ancine, Telecine e Canal Brasil, o longa não estreou no Brasil, mas isso não quer dizer que não falaremos sobre ele aqui, afinal, por mais triste e doloroso que seja, muitas vezes, a dor precisa ser sentida para que a luta não termine – nunca. O filme conta também com Fernando Becerril, Rodrigo Virago, Sergio Solís e Fernanda Echevarría no elenco, com direção de David Pablos e roteiro de Monika Revilla

 

Confira a seguir a entrevista com o diretor David Pablos, sobre a preparação do longa, dos personagens e muito mais:

 

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*Crédito da foto de destaque: Divulgação 

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