Falando de Amor é um filme sobre a identidade da mulher preta na sociedade e sobre a solidão não planejada que são obrigadas a enfrentar, em diferentes contextos emocionais
Em 1995 era lançado o filme Falando de Amor, com um elenco completamente preto, com Whitney Houston (1963 – 2012), Loretta Devine, Lela Rochon e Angela Bassett como as protagonistas de quatro histórias de amor que são verdadeiras lições de vida.
Enquanto Savannah (Whitney Houston) se muda de cidade para um novo emprego e na tentativa de achar um homem ideal para si, lidando com as investidas da mãe para que ela se case logo – e de preferência com um homem que já está em um relacionamento, lhe tornando a amante temporária -, sua amiga Bernadine (Angela Bassett) está em um casamento supostamente feliz, mas atolada dentro de uma rotina cheia de festas entediantes e distanciamento emocional.
Já a cabeleireira de Bernadine, Gloria (Loretta Devine), aguenta o peso afetivo de ser mãe solo de um filho que quase não fica em casa, e ainda tenta a todo custo se sentir amada nas poucas visitas que o pai faz ao jovem, até descobrir que o pai do seu filho é gay e não quer nada com ela.
Robin (Lela Rochon) é um caso à parte. Ela é amiga do trio e tenta se ver livre de um homem que é emocionalmente abusivo, enquanto tenta superar os traumas que causou em si mesma por causa desse amor.
O quarteto se reveza na tela, contando sobre encontros e desencontros amorosos, entre relações extraconjugais, abandono emocional e narrativas de uma sociedade preta que se invisibiliza dentro do macro. Com temas sutilmente tocados, como o abandono do marido preto por uma mulher branca, aborto, síndrome do ninho vazio e solidão (de modo geral) da mulher preta, o filme narra situações reais e dolorosas, e dá um protagonismo completamente preto para uma produção em grande escala.
A solidão da mulher preta
“A análise dos dados mostrou que os sujeitos consideram que existe uma desvantagem da mulher negra em comparação a mulher branca, no que concerne a preferência do homem negro na escolha de parceira afetiva e conjugal”, é uma parte do trabalho de tese feito pela mestranda Claudete Alves da Silva Souza.
Claro que esse não é um tema simples, e claro que a solidão da mulher negra não se resume ao fato de homens pretos preferirem se relacionar com mulheres brancas, ou com o abandono em massa que as mulheres pretas sofrem de seus parceiros, em microssociedades mais desfavorecidas e marginalizadas. Temos que ter consciência social que desde quando a escravatura começou a rodar o mundo, todos os escravos (independente do país, variação do tom de pele ou ambientes de famílias mais ricas) eram incentivados a não terem conexão afetiva. Também temos que ressaltar que aqui no Brasil, especialmente, houve uma ideia governamental de clarear a população.
Por ser um filme e ter uma curta duração, ainda mais não sendo focado no contexto documental, a narrativa fala desse tema de forma mais simplista e superficial, mas o debate ainda está presente.
Quando a mãe de Savannah a cobra de ter um marido, seu foco principal é dizer que não quer que a filha acabe como ela: sozinha. E esse também é o permanente problema de Gloria, que não quer deixar o filho viajar para a Europa por causa do seu medo da solidão, que acaba gerando a síndrome do ninho vazio.
Não é nada raro ver a sociedade apresentar contextos em que homens pretos, por uma questão de status social, saem da sua própria realidade e ancestralidade para se relacionarem com mulheres brancas, e por isso acabam se sentindo mais confortáveis em camadas sociais onde o racismo é mais forte. Vide o caso do O.J. Simpson, retratado na primeira temporada da série American Crime Story. Ele era um homem preto que se cercava de pessoas brancas, em maioria mulheres, e renegava sua origem preta, mas na primeira oportunidade usou do problema social entre a comunidade negra e a polícia para alegar que sua acusação de assassinato era baseada em racismo.
O filme Lady Mcbeth, lançado em 2016 e com protagonismo de Florence Pugh, também discute essa questão racial em dois âmbitos diferentes, e abre espaço para mais debate sobre a realidade de pessoas brancas que se interessam por pessoas pretas, e como isso afeta homens e mulheres de cores diferentes, em uma mesma relação.
Protagonismo preto
Nós, crianças criadas entre os anos 90 e 2000, temos memórias afetivas encantadoras com seriados como Um Maluco no Pedaço e Eu, a Patroa e as Crianças, que eram repetidos em excesso durante as tardes, mas quando crescemos, quase sempre esquecemos de todos os protagonismos pretos que precisam continuar existindo no nosso repertório cultural.
Quando falamos sobre o feriado da Consciência Negra, pensamos em todos os anos de escravatura que foram vividos por povos africanos, que foram roubados de suas terras natais, forçados a se adaptarem em culturas e línguas completamente desconhecidas (fora as religiões) e ainda tiveram que aguentar torturas emocionais e psicológicas para sobreviver – e subsistir – nesses novos lugares e contextos.
Falando de Amor é um filme preto, com excelência preta e impacto forte dentro da sua cultura. A única pessoa branca no filme todo – e que tem certo destaque – é a amante e nova namorada de John (Michael Beach), ex-marido de Bernadine. O resto do elenco se divide em nomes de força na cultura e representatividade preta em grandes telas, com Wendell Pierce, Dennis Haysbert, Gregory Hines (1946 – 2003) e Donald Faison.
Outros títulos que podemos mencionar aqui, com absoluto protagonismo preto (e talvez sobre a solidão da mulher preta, que acaba se interessando apenas por homens brancos porque seus pares fazem o mesmo), é a comédia Morte no Funeral (2010), Sobre Ontem à Noite (2014) e Pense como eles (2012). E claro, sempre temos o nome Pantera Negra (2018) na ponta da língua quando falamos de grande representatividade dentro da sociedade atual.
Mas é importante lembrar que o Dia da Consciência Negra existe por um bom motivo. Temos que saber preservar e respeitar essas culturas pretas que foram saqueadas, roubadas e misturadas, e igualmente inferiorizadas, para reforçar esses protagonismos pretos e analisar o ângulo completo do que o racismo fez e ainda faz nos nossos círculos sociais.
A culpa de não termos tantas referências artísticas de grande repercussão é porque a cultura preta ainda sobrevive de pequenos patrocínios e de produções independentes para conseguir certo impacto no mercado. Filmes como Bantú Mama e A Garota do Moletom Amarelo são obrigados a permanecer longe dos grandes holofotes, precisando de eventos completamente voltados ao conteúdo racial, por culpa de uma cultura que prioriza apenas as realidades e discussões brancas. Falando de Amor é só um filme que – por sorte – sobreviveu bem e que não caiu na obscuridade cultural.
Sobre o filme
O filme tem toda essa força que estamos debatendo aqui, e ainda usa de uma linguagem muito suave para questionar outros temas tão importantes quanto, como relações abusivas, aborto e laços amigáveis e familiares.
Falando de Amor reforça atuações ricas e icônicas, visibiliza nomes que nem eram tão conhecidos e enriquece nosso senso cultural com críticas importantes e reflexões ácidas sobre uma sociedade carente de decência e igualdade.
Nenhuma história é deixada em aberto, todos os nós são fechados e cada uma das protagonistas encontra sua forma de felicidade, dentro de relações amorosas ou não. O filme é gentil com todos os seus personagens, é justo com os erros cometidos e fala com clareza e cuidado sobre os temas mais delicados.
É óbvio que o feminismo também é um foco forte no roteiro, e traz sororidade e resiliência, além de enfatizar discursos que só ganham mais e mais impacto a cada dia que passa.
Alguns dos temas abordados no filme seriam de grande importância para uma segunda temporada de Preto à Porter, e por si só já valem um debate aberto e claro.
Agora é a sua vez de falar sobre esses temas. Quais dos assuntos de Falando de Amor você mais valoriza dentro da pauta preta? Vamos conversar sobre isso lá nas redes sociais: Twitter, Insta e Face.
*Crédito da foto de destaque: Divulgação