A pressão na indústria do entretenimento asiático é imensa, e o peso do julgamento público pode ser devastador
[Contém gatilhos]
Nos últimos anos, falar sobre saúde mental dentro da indústria do entretenimento asiático tem se tornado cada vez mais urgente. O recente falecimento da atriz Kim Sae-ron, encontrada sem vida em sua casa aos 24 anos, reacende um debate doloroso, mas necessário: como a pressão, os escândalos e o julgamento público impactam a vida de artistas na Coreia do Sul e em outros países asiáticos?
O caso de Kim Sae-ron não é isolado. Em dezembro de 2023, o ator Lee Sun-kyun, conhecido pelo premiado Parasita (2019), foi encontrado morto em seu carro após estar sob intensa investigação por uso de drogas ilegais.
Antes dele, outras estrelas do entretenimento coreano, como os idols Sulli e Goo Hara, e o ator Cha In-ha, também faleceram em circunstâncias semelhantes. A cada nova tragédia, nos perguntamos: até quando vamos fingir que o problema não existe?
Uma indústria que exige a perfeição
A cultura pop asiática — e especialmente o K-pop e o cinema coreano — opera sob um nível de exigência extremo. Trainees são preparados desde a infância para alcançar um nível quase inatingível de excelência, enquanto atores passam por padrões rígidos de imagem e comportamento.
Mas, quando o mundo inteiro está pronto para te julgar pelo menor erro, como lidar com o peso da fama?
Kim Sae-ron enfrentou isso de forma brutal. Após um acidente de carro em que foi condenada por dirigir alcoolizada, sua carreira desmoronou. Ela foi afastada de projetos, perdeu contratos e foi bombardeada por críticas.
Apesar de ter pedido desculpas publicamente e tentado reconstruir sua vida, a Coreia do Sul tem pouca margem para segundas chances.
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Lee Sun-kyun passou por algo semelhante. O ator foi investigado por suposto uso de drogas — um crime tratado com extrema rigidez na Coreia do Sul, mesmo quando há pouca evidência. Durante os meses em que o caso se desenrolava, ele sofreu um linchamento midiático.
Seu histórico impecável como ator e pai de família foi esmagado por uma suspeita, e sua morte ocorreu antes mesmo de um veredito ser dado.
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Essas situações expõem um problema profundo: a sociedade sul-coreana (e boa parte da Ásia) ainda trata falhas como sentenças definitivas. O cancelamento social e a vergonha pública são armas letais.
O tabu do suicídio e a necessidade de mudança
O suicídio ainda é um tabu gigantesco na Coreia do Sul e em outros países asiáticos, apesar dos números alarmantes. Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Coreia do Sul tem uma das maiores taxas de suicídio do mundo.
Entre os jovens de 10 a 30 anos, essa é a principal causa de morte.
No K-pop, essa realidade já tirou a vida de vários artistas. O caso de Jonghyun, do SHINee, em 2017, foi um dos mais impactantes, pois escancarou o nível de sofrimento mental que muitos idols enfrentam.
Na carta deixada pelo cantor, ele escreveu: “Estou quebrado por dentro.”
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Sulli e Goo Hara, amigas próximas, também partiram de forma trágica, ambas vítimas de cyberbullying e de uma indústria que não soube protegê-las. Esses casos geraram comoção, mas quantas mudanças reais aconteceram desde então?
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A psicóloga Juliana Capel, especialista em Psicologia Positiva, destaca que o problema vai muito além do entretenimento:
“A Coreia do Sul possui a maior taxa de suicídio entre os países desenvolvidos, sendo a principal causa de morte entre jovens de 10 a 39 anos, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O suicídio não é um problema isolado da indústria do entretenimento, mas um reflexo de uma sociedade que valoriza excessivamente o sucesso, muitas vezes à custa do bem-estar emocional. O sistema de suporte psicológico ainda é frágil, e o estigma em torno da saúde mental faz com que muitos sofram em silêncio.”
O papel dos fãs e da mídia
Como fãs e como parte do público que consome o entretenimento asiático, precisamos repensar nossas atitudes.
Até que ponto as críticas que fazemos nas redes sociais contribuem para o ciclo de ódio? Será que cobramos demais de artistas que, no fim do dia, são humanos como nós?
A mídia também tem sua parcela de culpa. O sensacionalismo em torno de escândalos, a falta de empatia ao relatar casos delicados e a pressão incessante para que celebridades sejam perfeitas só aumentam o problema.
Precisamos de um jornalismo mais responsável, que trate a saúde mental com seriedade e sensibilidade.
Além disso, as próprias empresas de entretenimento devem assumir um papel mais ativo na proteção de seus artistas. Programas de suporte psicológico, ambientes de trabalho menos tóxicos e uma cultura que permita que idols e atores falem sobre suas dificuldades sem medo de represálias são passos essenciais.
Precisamos continuar falando sobre isso
A morte de Kim Sae-ron e Lee Sun-kyun e de todos os outros, não pode ser apenas mais um caso esquecido com o tempo.
Precisamos usar essas tragédias como um alerta para que a indústria, a mídia e o público mudem a forma como tratam os artistas asiáticos.
Juliana Capel enfatiza que é essencial criar um ambiente de acolhimento:
“No entanto, além da falta de apoio, muitos artistas enfrentam um julgamento público implacável, onde qualquer erro pode custar sua carreira e dignidade. Escândalos são amplificados pela mídia e pelo público, que frequentemente alimentam um ciclo de humilhação e exclusão social. Muitos dos que partiram deixaram sinais de sofrimento, mas, sem um ambiente onde possam falar abertamente e sem medo, acabam sendo tragados pela pressão.
É fundamental que existam políticas de suporte real para esses artistas, com acesso a terapia, ambientes mais saudáveis dentro das empresas e, principalmente, um esforço coletivo para desestigmatizar o cuidado com a saúde mental. A mudança começa quando todos – fãs, empresas, mídia e a sociedade como um todo – reconhecem que a vida e o bem-estar dessas pessoas valem muito mais do que sua imagem pública.”
Precisamos normalizar conversas sobre saúde mental, exigir que as empresas protejam seus talentos e, acima de tudo, lembrar que, por trás de cada idol e ator, existe uma pessoa com sentimentos, medos e limitações.
E, se você que está lendo este texto está passando por um momento difícil, saiba que você não está sozinho. Procurar ajuda não é fraqueza, é um ato de coragem.
Vamos falar sobre isso. Sempre.
Qual a sua opinião sobre o papel do fã nessa situação? Comente aqui e siga o Entretê nas redes sociais (Instagram, X e Facebook) para ficar por dentro das notícias do mundo asiático.
Texto revisado por Karollyne de Lima