Capa do livro Hamnet

Resenha | Hamnet e a tragédia pessoal de Shakespeare

Uma releitura fictícia sobre a vida de um jovem e a melancolia que paira sob sua família

Na década de 1580, um casal que morava na Henley Street tinha três filhos: Susanna e os gêmeos Hamnet e Judith. O menino, Hamnet, morreu em 1596, aos onze anos. Cerca de quatro anos depois, seu pai escreveu uma peça chamada Hamlet.” E é assim que o livro Hamnet, de Maggie O’Farrell, se apresenta para o leitor. 

Publicado pela Intrínseca neste mês, a obra da autora irlandesa é inspirada na vida real de William Shakespeare. Poeta e dramaturgo, suas obras não precisam de introdução, já que foram capazes de influenciar dezenas de gerações após suas primeiras apresentações em um teatro londrino. 

Porém, nesse livro ele não será lembrado por ser um dos maiores autores de todos os tempos, mas sim por ser pai de Hamlet.

Pai, irmão, filho, marido e tutor de latim: seu icônico nome não aparece em nenhuma página desta obra, que justamente coloca luz nas pessoas que foram coadjuvantes em sua vida. 

Hamnet e a desconstrução de um ícone

Anne ou Agnes Hathaway foi uma mulher misteriosa. Sendo conhecida por esses dois nomes e anos antes dele ser passado em forma de homenagem para uma famosa atriz, era assim chamado o grande amor de Shakespeare. Conseguimos acompanhar a infância dela e de seu irmão Bartholomew, até a moça se encantar por um certo tutor de latim. 

A família do tal tutor é composta por diversos irmãos e irmãs, mas as figuras mais proeminentes são John, que após alguns problemas acabou se tornando um senhor amargo e até mesmo violento, e Mary, a matriarca da família que acaba não demonstrando tanto afeto a seus filhos. 

Tais figuras, que moldaram a vida e as peças de Shakespeare, foram apagadas da história quase que por completo. Não se sabe porquê sua mulher tinha dois nomes, ou a causa real da morte de seu filho.

Também não se sabe por qual motivo o dramaturgo nunca mencionou a peste bubônica em suas obras, doença que cercava a vida das pessoas naquela época. 

Com tantos mistérios, a autora consegue colocar suas suposições sobre essa família à frente da narrativa e subverter as expectativas: ele será o coadjuvante da história. 

Esse homem é apenas um filho desobediente, um marido ausente, mas que almeja um futuro melhor. Ele é até chamado de vagabundo por seu pai, já que não conseguia arranjar emprego algum. E essa visão, de um ícone desconstruído, é uma das partes mais fascinantes do texto. 

Apresentação da narrativa

O livro não tem divisão numérica de capítulos, mas se intercala entre o verão de 1956, quando o jovem Hamnet perambula aflito pelas redondezas de sua casa à procura de um adulto, e entre cenas de ocorridos dos anos anteriores, como a infância dos pais das crianças e o início de seu casamento. 

Um diferencial da escrita de Maggie O’Farrell é a forma que a autora descreve a ambientação das cenas. Ela passa boas linhas falando sobre a brisa do vento, os tipos de rochas e até mesmo a posição de objetos em estantes.

Em alguns momentos, o leitor pode estranhar tal feito, porém tais descrições são cruciais para personificar as emoções de seus personagens

Dessa forma, você não apenas lê que um determinado personagem está se sentindo claustrofóbico, por exemplo: a casa parece menor, os quartos são confusos e desorganizados, e é impossível ficar em um cômodo sozinho. 

Quando um personagem está triste, parece que o céu perde as cores, que a vida (ou a narrativa) fica mais lenta e arrastada. Assim, o leitor acaba ficando imerso na leitura com mais facilidade, já que é possível visualizar as cenas muito bem, e também sentir todos os sentimentos descritos.

A linha invisível da narrativa 

Hamnet é uma história de perda. Não só a perda de um filho, mas acompanhamos crianças perderem sua inocência, uma mulher sentindo que perdeu seu marido e um homem se perdendo em seu trabalho.  

Também é sobre como o luto pode moldar as vidas das pessoas que continuam na Terra e como cada um lida com isso de formas diferentes. Parece até mesmo que a melancolia é algo que paira nessa família, que está apenas esperando para pegá-los.  

A intercalação de capítulos acaba costurando uma linha invisível na narrativa que, a partir de certo ponto do livro, você já sabe onde ela chegará. E, no meio tempo, você acompanha os personagens andando diretamente para uma tragédia, sem conseguir enxergá-la. 

Sobre a autora

Maggie O’Farrell nasceu em 1972 na Irlanda do Norte e atualmente mora em Edimburgo.

A autora está se tornando um nome muito proeminente na literatura, e também escreveu obras como A Mão que Me Acariciou Primeiro (vencedor do Costa Novel Award); Instructions for a Heatwave; This Must Be the Place; e, mais recentemente, Existo, existo, existo: dezessete tropeços na morte.

Com Hamnet, Maggie ganhou o Baileys Women’s Prize for Fiction em 2020 e National Book Critics Circle Award: Ficção em 2021.

E aí, ficou interessado nessa história? Já conhecia a história de Hamnet? Siga o Entretetizei em nossas redes sociais – Insta, Face e Twitter – e fique por dentro de mais dicas de livros incríveis. 

Leia também: Resenha | As notas sobre a vida na terra que John Green concede em seu novo livro

*Crédito da foto de destaque: Divulgação

plugins premium WordPress

Nós usamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nossos serviços, personalizar publicidade e recomendar conteúdo de seu interesse. Ao utilizar nossos serviços, você concorda com tal monitoramento. Acesse nossa política de privacidade atualizada e nossos termos de uso e qualquer dúvida fique à vontade para nos perguntar!