Foto: divulgação

Dia do Orgulho LGB… e o que mais? A luta por representatividade de pessoas trans, travestis e não bináries nos meios culturais

Um pouco da história do dia, as problemáticas do movimento e uma entrevista imperdível com a cineasta Caia Coelho, idealizadora do projeto Tela Trans

 

Nesta terça, 28 de junho, é comemorado o Dia do Orgulho LGBTQIAP+ no mundo todo. A celebração foi criada em homenagem aos episódios da rebelião de Stonewall, em 1969, na luta por direitos civis da comunidade LGBTQIAP+. A rebelião foi marcada por levantes e manifestações de membros da comunidade pelo direito de ir e vir, de ser e existir. 

Na época, os debates sobre identidade de gênero e sexualidade ainda não abarcavam todas as siglas e pessoas. Entretanto, a contribuição de pessoas trans e travestis para a luta por direitos civis do movimento foi fundamental, não só na luta por liberdades básicas, mas na arte, no cinema e na música, e por muito tempo essa contribuição foi invisibilizada. Essa luta foi criada conjuntamente, e um exemplo disso foi Marsha P. Johnson, uma mulher trans e negra que estava na linha de frente da rebelião de Stonewall. 

Ainda hoje, mesmo com um acesso maior a pesquisas e estudos, membros da comunidade LGBTQIAP+, principalmente pessoas trans e travestis, são invisibilizadas, sendo reduzidas, na maioria das vezes, a meras estatísticas de violência. Como consequência, as suas vivências, particularidades e vozes são silenciadas e marginalizadas. 

Conforme os debates de representatividade, recortes de raça, gênero, sexualidade e classe social avançam, mais produções artísticas dos membros da comunidade LGBTQIAP+ são vistas e celebradas, mas, ainda assim, a proporção é desigual. Os conteúdos, para além dos filmes com temática LGB (gays, lésbicas e bixessuais), não são tão acessíveis, pois não é dado o espaço necessário para que haja essa acessibilidade, ainda mais quando falamos de produções brasileiras

Filmes, como A Garota Dinamarquesa, utilizam um ator cisgênero, branco e heterossexual para interpretar Lili Elbe, uma das primeiras mulheres trans a fazer a cirurgia de redesignação de gênero, tirando um espaço de direito da comunidade trans de contar suas próprias histórias e de introduzir elementos da sua cultura nas telas.

Para tomar a frente de suas próprias narrativas, ativistes, cineastes e artistes trans, travestis e não-bináries, cada vez mais, lutam por representatividade nas telas, na música e nas produções artísticas.

Arte: divulgação/Entretetizei

Com isso em mente, foi criado a plataforma Tela Trans, em 2021, por Caia Coelho, que, além de cineasta, é pesquisadora, conselheira estadual dos direitos da população LGBT em Pernambuco, articuladora política e vice-coordenadora da NATRAPE, e Pethrus Tibúrcio, não-binárie, que é cineaste.

O processo de criação do projeto 

Ilustração: divulgação/ Instagram @TelaTrans

Com a dificuldade em achar referências de filmes brasileiros de pessoas trans, travestis e não bináries, Caia e Pethrus tiveram a ideia de criar uma plataforma que serviria de curadoria e que reunisse essas produções artísticas

‘’O Tela Trans se concretizou quando eu e Pethrus Tiburcio vimos na Lei Aldir Blanc uma oportunidade de captação que poderia viabilizar a sistematização, divulgação e sofisticação da nossa catalogação de obras audiovisuais realizadas por cineastas trans/travestis brasileiras. Há no país grandes gargalos relativos à preservação de memória, acirrados pelo apagamento transfóbico dos locais das pessoas trans e travestis na cultura, história e ciência. Na última década, assistimos surgir em países e estados vizinhos iniciativas disruptivas, iniciando certa tendência de resgate, pesquisa, conservação, busca ativa e valorização. É o caso do Museu da Diversidade Sexual em São Paulo, recentemente golpeado pela perseguição política e autoritária conhecida do segmento, bem como do Archivo de la Memoria Trans Argentina, o Museo Travesti do Peru, o Museum of Trans History & Art, o Museu Transgênero de História e Arte e o Acervo Bajubá. Todo esse panorama nos orientou durante a elaboração e execução do site. Porém não consideramos o trabalho encerrado, ainda precisa ser continuamente atualizado e dele podem se desdobrar mostras, cineclubes, minicursos/oficinas.’’ comenta Caia. 

A curadoria 

Além de servir de curadoria, a plataforma é colaborativa e incentiva os cineastes mulheres e homens trans, travestis, não-bináries, a divulgar suas produções artísticas – longas, médias e curtas metragens, videoclipes, entre outros. 

“A pesquisa na qual o Tela Trans está implicado já durava cinco anos. Foram mais seis meses para elaboração do projeto gráfico, divulgação nas redes sociais, comunicação com a imprensa. Quando lançamos o site, estávamos felizes e tínhamos o desejo manifestado de que as curadorias se tornassem mais porosas à riqueza das nossas sensibilidades, propostas estéticas e narrativas. Elaboramos uma carta aberta fazendo um apelo nesse sentido. Porém certo sentimento impulsionador permanece, acreditamos no potencial do projeto ir além quanto à formação de público, fruição, impactando o repertório de curadores, programadores, críticos, cineastas e pesquisadores interessados no cinema brasileiro.’’ ressalta a cineasta. 

Desafios na pesquisa de referências brasileiras 

“O Tela Trans excede a catalogação das obras audiovisuais realizadas por diretores trans brasileiros, tendo inaugurado formalmente certa forma de olhar o cinema nacional. Há uma expressiva morosidade para que cineastas não cis fizessem seus primeiros filmes em relação à entrada da linguagem no Brasil, além disso, grande parte continuam não sendo programados no circuito de mostras/festivais, perpetuando barreiras na circulação. Também temos um importante número de curtas, discrepante à mínima quantidade de longas. Desenvolvemos um sistema de busca inteligente com informações de raça, gênero, estado do realizador e ano de lançamento do filme. Isso feito com recursos limitados e poucas referências é um trabalho bastante melindroso, mas nos orgulhamos do resultado.’’ completa Caia. 

A luta por visibilidade no meios artísticos 

‘’No interior de comunidades trans e travestis, a visibilidade é uma questão paradoxal. Somos hiper-representadas quando estampamos os cadernos policiais e programas do populismo penal midiático, regularmente despolitizando os transfeminicídios e encarceramentos de travestis ou homens trans, particularmente os negros. Um trabalho radicalmente paralelo e diferente do apresentado anualmente pela Antra no seu dossiê de assassinatos e violências. Ambos se distinguem pela disputa de narrativa e controle estético. Esse modelo de conflito se repete em outros campos, da cultura mainstream ao underground, da cultura erudita à baixa cultura e até sobre o que pode ou não ser considerado uma obra. A dança “vogue” se popularizou e adentrou de maneira incontornável as referências de arte tt no Brasil, sobretudo no marco da série Pose, no entanto, as vedetes travestis do teatro de revista dos anos 1950, tal qual os espetáculos de travestis e transformistas da década de 1980 seguem em disparada precarização, estando continuamente mais próximas do completo esquecimento e desaparecimento. A importância dessas colaborações não se restringe aos segmentos LGBT, fazem parte da formação de cultura nacional. Fomentar a preservação das nossas contribuições à cultura é um dever com a história do Brasil. Além disso, tem sido imprescindível monitorar e propor políticas afirmativas permanentes, como a o uso do nome social nos editais, a grantia de avaliadores não-cis nas bancas e reserva de vagas.’’ finaliza Caia. 

No momento, o site está em manutenção para abrigar muito mais produções, mas já podem favoritar o endereço e para mais informações sigam o Tela Trans no Instagram. 

O que achou do projeto? Já conhecia? Conta para a gente nas nossas redes sociais — Insta, Twitter e Face — e fique por dentro de tudo o que acontece no mundo do entretenimento. E feliz Dia do Orgulho para todes! 

 

 

*Crédito da foto de destaque: divulgação

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