Fernanda Torres faz história no Globo de Ouro, mas o Brasil ainda luta contra o seu próprio reflexo cultural
A primeira atriz brasileira a ganhar um Globo de Ouro na categoria de Melhor Atriz em Filme de Drama deveria ser motivo de orgulho nacional. Fernanda Torres, com uma carreira consolidada no cinema e na televisão brasileira, recebeu o prêmio por sua atuação arrebatadora no filme Ainda Estou Aqui (2024), dirigido por Walter Salles.
No entanto, ao invés de unanimidade, o que vimos foi parte da internet reagindo com ceticismo e críticas infundadas, diminuindo tanto a vitória quanto o impacto da obra.
Por que insistimos em deslegitimar nossas próprias conquistas? Esse comportamento não é novidade e tem nome: o viralatismo cultural, uma síndrome enraizada na sociedade brasileira que nos faz acreditar que o que vem de fora é sempre superior, enquanto o que é produzido aqui nunca é bom o suficiente.
Fernanda Torres e a vitória histórica no Globo de Ouro
Fernanda Torres não apenas brilhou no papel de Eunice Paiva em Ainda Estou Aqui, mas entregou uma performance de extrema complexidade emocional. Eunice é uma mulher que carrega o peso de um luto duplo: o desaparecimento brutal de seu marido, Rubens Paiva, durante a ditadura militar, e a perda gradual de suas memórias devido ao Alzheimer.
No filme, Fernanda divide a personagem com Fernanda Montenegro, que interpreta Eunice em sua fase mais avançada de vida. Juntas, elas criam uma jornada de dor, força e resiliência que transcende a tela.
A interpretação de Fernanda Torres foi amplamente aclamada por críticos internacionais, que destacaram sua sensibilidade ao capturar tanto a fragilidade quanto a força da personagem em meio às adversidades.
Quando seu nome foi anunciado no Globo de Ouro, foi um momento histórico para o cinema brasileiro. Pela primeira vez, uma atriz brasileira foi reconhecida em uma das premiações mais prestigiadas do mundo. E, ainda assim, parte do público preferiu apontar críticas ao filme e à legitimidade da conquista.
O peso do viralatismo cultural
Essa reação não é um caso isolado. O viralatismo cultural é uma questão que atravessa décadas no Brasil. Ele se manifesta na constante desvalorização da nossa cultura, arte e conquistas. Quando algo ou alguém do Brasil alcança sucesso internacional, é comum vermos comentários que minimizam ou questionam o mérito dessa conquista.
Essa mentalidade tem raízes históricas. Durante muito tempo, fomos ensinados a enxergar o que é produzido no exterior como padrão de qualidade e relegar o que vem daqui a um segundo plano. O problema é que esse complexo de inferioridade muitas vezes nos impede de celebrar nossas vitórias.
No caso de Ainda Estou Aqui, o viralatismo se manifestou de forma particularmente cruel. Ao invés de aplaudirmos o reconhecimento internacional de uma obra tão relevante, parte da sociedade se apressou em deslegitimá-la, questionando desde a escolha da narrativa até o fato de Fernanda Torres ser uma mulher branca.
A questão da representatividade e o filme Ainda Estou Aqui
É verdade que o debate sobre representatividade no cinema é necessário e urgente. O Brasil é um país diverso, e isso precisa estar refletido nas telas. Porém, deslegitimar uma conquista histórica como a de Fernanda Torres no Globo de Ouro não contribui para essa luta – pelo contrário, ela a enfraquece.
Ainda Estou Aqui é uma obra profundamente pessoal e política. Baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva, o filme aborda a história de Eunice Paiva, uma mulher que perdeu o marido para o regime militar e enfrentou anos de luta para criar seus filhos e preservar a memória de Rubens. Ao mesmo tempo, o filme também retrata o impacto do Alzheimer na vida de Eunice, que começa a perder as memórias que tanto lutou para manter vivas.
A crítica de que a obra foca em uma família branca e de classe média ignora o contexto maior: a história de Eunice Paiva é um símbolo de resistência contra a repressão da ditadura militar. A dor da personagem representa a de muitas famílias que sofreram com a violência do regime, independentemente de cor ou classe social.
Além disso, é importante entender que a vitória de Fernanda Torres não exclui outras narrativas. Pelo contrário, ela abre portas para que mais histórias brasileiras sejam contadas e reconhecidas internacionalmente.
Por que não conseguimos comemorar nossas vitórias?
Essa dificuldade em celebrar conquistas nacionais também está ligada à polarização política e cultural que vivemos. Cada vitória é analisada através de uma lente de críticas ideológicas, em vez de ser vista pelo que realmente é: um motivo de orgulho.
No caso de Fernanda Torres, ela foi atacada por representar uma narrativa que alguns consideraram privilegiada demais. Mas essa crítica ignora o mérito de sua performance e o impacto que a obra tem ao expor um dos períodos mais sombrios da história do Brasil.
O problema do viralatismo é que ele não apenas nos impede de comemorar nossas conquistas, mas também afeta como o resto do mundo nos enxerga. Quando desvalorizamos nossos próprios artistas e produções, estamos mandando a mensagem de que não levamos a sério a nossa cultura.
No fim das contas
A vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro deveria ser motivo de celebração, não de controvérsia. Ela é uma prova de que o cinema brasileiro tem qualidade e relevância para competir no cenário internacional. Mais do que isso, é um lembrete de que precisamos valorizar nossas próprias histórias e conquistas.
Ainda Estou Aqui é uma obra que fala sobre memória, resistência e o impacto de um período que o Brasil ainda luta para enfrentar. É um filme que merece ser visto, debatido e reconhecido pelo que é: uma narrativa profundamente brasileira, mas com apelo universal.
Que possamos aprender a celebrar nossas vitórias e, ao mesmo tempo, continuar lutando por mais espaço para narrativas diversas. Porque o sucesso de uma mulher brasileira como Fernanda Torres no Globo de Ouro não é apenas dela – é nosso. É a prova de que, apesar do viralatismo, ainda estamos aqui.
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Texto revisado por Bells Pontes