André Hayato Saito
Foto: divulgação/casa do bom conteúdo

Entrevista | André Hayato Saito fala sobre AMARELA e a representatividade japonesa no cinema

O curta-metragem AMARELA, dirigido e escrito por Saito, concorreu à Palma de Ouro no 77º Festival de Cannes 

André Hayato Saito é um renomado cineasta brasileiro que está em destaque após seu curta-metragem AMARELA ser um dos escolhidos para concorrer à Palma de Ouro no 77º Festival de Cannes. Saito é conhecido por sua abordagem ousada e inovadora, mergulhando nas complexidades da experiência asiática em sua obra, que traz à tona questões profundas de identidade e herança cultural.

Graduado em Comunicação Social, Saito aprimorou suas habilidades no mundo do cinema estudando em Buenos Aires. Em 2012, André e sua equipe lançaram o livro e o curta-metragem THOMÁS TRISTONHO, que recebeu reconhecimento internacional ao ser selecionado para 13 festivais de cinema ao redor do mundo. 

André Hayato Saito
Foto: reprodução/André Hayato Saito

Além de suas realizações conjuntas, Saito está concentrando esforços em seu primeiro longa-metragem de ficção, intitulado YELLOW CHRYSANTHEMUM, que tem sido destaque em diversos laboratórios e eventos de mercado em todo o mundo.

Recentemente, ele expandiu sua presença internacional com o lançamento do curta-metragem KOKORO TO KOKORO (2022), uma mistura de ficção e documentário, que recebeu aclamação em festivais de cinema ao redor do mundo; incluindo o Festival Internacional de Cinema do Uruguai, o Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro, o Roma Short Film Festival e o Tokyo Intl Short Film Festival.

Além disso, André Hayato tem sido reconhecido como um líder criativo na comunidade cinematográfica, participando de programas como o Berlinale Talents Buenos Aires e o Interaction: Doc Workshop, enquanto também atua como mentor no programa Amplifica Cine, que capacita jovens cineastas de São Paulo.

O Entretê teve o prazer de entrevistar o diretor, que falou sobre os próximos projetos e a representatividade japonesa no cinema. Confira:

Entretetizei: Recentemente noticiamos que AMARELA, seu curta-metragem, está concorrendo à Palma de Ouro no 77º Festival de Cannes, e foi selecionado entre mais de 4 mil obras. Conta um pouco pra gente sobre o processo de criação desse curta, do início da produção até a seleção para o Cannes?

André Hayato Saito: Em março de 2023 decidi que ia mesmo fazer esse curta, e aí o processo foi relâmpago. Escrevemos a primeira versão do roteiro em uma semana e depois fomos trabalhando nela ao mesmo tempo que levantava a produção e o financiamento. Eu desejava muito que esse filme acontecesse antes do nascimento do meu filho (em set), então, final de julho conseguimos juntar tudo e todos e estávamos filmando. 

Na verdade, AMARELA surgiu no meio do processo de escrita do nosso longa-metragem. Quando chegamos na versão três do roteiro, eu senti a necessidade de amadurecer quem são os personagens e fazer como que um teste de conceito do longa através do curta, exercitar a linguagem do filme, testar o casting, arte, locações, cinematografia, etc… Antes do AMARELA, já tínhamos feito dois outros curtas de investigação da minha ancestralidade, KOKORO TO KOKORO e o Vento Dourado (2023) que caminham no mesmo universo, mas nenhum era 100% ficção. 

E: A Melissa Uehara ficou bastante conhecida pela sua participação no The Voice Kids Brasil 2020. Como você a conheceu e quando deu aquele estalo de que ela seria a pessoa perfeita para protagonizar AMARELA?

AHS: O filme todo gira em torno da protagonista, então encontrá-la era uma grande missão. Conhecemos várias atrizes muito legais, mas nenhuma se encaixava perfeitamente no que havíamos imaginado para a personagem Erika. Foi quando a Gy Ogata, produtora de elenco do curta, nos enviou links das redes sociais da Mel. Eu, Tati Wan, minha esposa e co-produtora, sentimos na hora: tínhamos encontrado nossa protagonista! E já no primeiro teste ao vivo confirmamos a participação da Mel. 

E: AMARELA é a terceira parte de uma trilogia onde você investiga a sua ancestralidade japonesa, certo?! Como foi trabalhar nesses projetos?

AHS: São projetos que caminham pelo mesmo universo, mas com formatos completamente diferentes. O KOKORO TO KOKORO, que foi o primeiro curta, fui apenas eu, Tati e uma câmera para o Japão, sem sequer falar japonês. Eu não sabia se conseguiríamos de fato sair de lá com um filme. Foi quando voltei com 20h de material (10h a ser traduzido do japonês para o português) e convidei a Mayra Faour Auad, sócia da MyMama Entertainment, a entrar no projeto nesta fase de pós-produção. Ela topou na hora.

Daí na ilha de edição com a nossa maravilhosa montadora, Carol Leone, encontramos um ângulo e uma costura pro material que captamos. O filme estreou no 40th Uruguay International Film Festival –  2022, depois teve sua estreia brasileira no aclamado 24th Rio Int’l Film Festival –  2022 além de ter ganhado o prêmio de Melhor Curta Documentário no Roma Short Film Festival – 2022 e menção honrosa no Tokyo International Short Film Festival –  2022.

O Vento Dourado, o segundo projeto, já foi num outro formato. Junto com a Tati, organizamos um retiro cinematográfico com a minha família no interior de Curitiba. Convidei um diretor de fotografia (Danilo Arenas Ireijo) e uma diretora de arte (Luana Kawamura Demange) para testarmos os limites da ficção e do documentário. Filmamos sem roteiro ou pesquisa, documentamos a relação da minha mãe com a minha falecida Batian. O filme, inclusive, acabou de estrear no 46° Festival de Cinema de Moscou, e agora em junho teremos a estreia europeia em outro festival que ainda não posso contar.

Já no AMARELA, como contei, foi 100% ficção mesmo, com roteiro, equipe grande, set de filmagem… Todas as etapas que a gente está mais acostumado. 

E: Como sua ancestralidade influenciou a produção dessa trilogia? De que maneira a sua relação com a cultura dos seus antepassados, ou mesmo com a sua família, contribuiu para a visão que você tem a respeito da sua identidade?

AHS: A realização dos filmes também é grande parte do processo de conexão com as minhas raízes. Na minha juventude, por muito tempo, eu neguei ser japonês, queria pertencer, me sentir brasileiro, sofria bastante bullying. Foi apenas recentemente, de alguns anos para cá, que me reconheci amarelo. Então, posso dizer que o tema do resgate da minha ancestralidade foi o ponto de partida.

E: Sendo nipo-brasileiro, suas vivências certamente tiveram papel fundamental no desenvolvimento das suas narrativas cinematográficas. Que tipo de experiências da sua vida fizeram que você pensasse em um filme como AMARELA?

AHS: Desde cedo a gente cresce sendo o “japa”, ouvindo “abre o olho japonês”, independente de você permitir, querer ou não. Muito provavelmente no seu grupo de amigos de não japoneses você vai ser o “japa”, vai ser sempre afirmado como tal. Ao mesmo tempo, a gente sabe que somos brasileiros. Então fica o eterno dilema. Japonês demais pra ser brasileiro; brasileiro demais pra ser japonês. 

Mas a verdade é que o pertencimento é uma necessidade de qualquer pessoa, então isso passa a ser um dilema para muitos de nós. O filme retrata esse sentimento do entre lugar, que no final das contas acaba também sendo um lugar, e isso não é exclusivo da comunidade amarela no Brasil, mas de várias pessoas que são filhos de diferentes diásporas ao redor do mundo. Eu mesmo tendo conhecido Australiano-Filipino, Japonês-Peruano, Chinês-Canadense, Afro-Italiano, achei curioso, e vejo o quanto a gente tem caixinhas muito estereotipadas sobre as nacionalidades, uma visão muito limitada da diversidade que o mundo engloba.

E: Vamos falar agora sobre a representatividade amarela no cinema, tanto nacional quanto internacional! Como você avalia a representatividade amarela em ambos cenários?

AHS: Tem rolado um movimento bem interessante de filmes com protagonismo amarelo diaspórico no cinema global, desde filmes como Dias Perfeitos (2023), Crazy Rich Asians (2018), Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (2022), Vidas Passadas (2023), até séries como Treta (2023), da Netflix. E é bem interessante ver que lá fora as narrativas desses personagens já tão maturando a ponto de não precisarem ser só sobre identidade, que no final é o que a gente também quer. Ainda temos um longo caminho pela frente. 

A presença amarela normalmente ainda se restringe a um personagem que está ali por ser amarelo na maioria das vezes, e não por ser mais um brasileiro qualquer. A Tizuka Yamasaki sempre me inspirou por ser uma diretora mulher e amarela se destacando no meio de um mercado majoritariamente branco. 

E: Quais são os principais obstáculos e desafios que artistas e cineastas de ascendência asiática enfrentam ao tentarem estabelecer suas carreiras no meio do entretenimento?

AHS: Quando se fala de ator sei que tem o lugar que comentei na resposta passada de receberem papéis estereotipados, muitas vezes não serem considerados para um papel que qualquer brasileiro poderia fazer. No evento da diáspora amarela que eu fui, a Bruna Aiiso falou que estava muito feliz de interpretar uma médica trambiqueira na novela que ela está fazendo agora, que dá receita a torto e a direito para os pacientes, que tira desse lugar da minoria modelo.  

E: Na sua visão, quais estereótipos ainda são comumente associados aos personagens de ascendência asiática no cinema? E como você acredita que a indústria pode abordá-los de uma maneira mais eficaz?

AHS: No Brasil: minoria modelo, médicos, engenheiros, feirantes, chinês que fala errado e  humor pastelão que indiretamente a piada é rir do fato da pessoa ser asiática (por falar errado, por ser certinho, etc e tal). A indústria considerar pessoas asiáticas para papéis que não existam só porque a pessoa tem descendência asiática. O protagonismo. E pessoas amarelas também por trás das câmeras.

E: Além de você, quais outros diretores você acha que tenham contribuído de forma significativa para a promoção da representatividade amarela no cinema?

AHS: Tem muitos cineastas amarelos que estão nessa luta. A Tizuka Yamasaki abriu o caminho lá atrás, fazendo Gaijin, Gaijin 2, falando sobre imigração japonesa no Brasil. Foi muito importante.  

Temos agora o Marcos Yoshi, que fez o documentário Bem-vindos de Novo, a Paula Kim e o Hugo Katsuo, que são outros cineastas trabalhando a questão da representatividade.

E: De que forma a representatividade amarela pode influenciar a narrativa cinematográfica e a percepção do público em relação às histórias contadas?

AHS: Processo de humanização, entender que pessoas amarelas também são parte do que é ser brasileiro e elas têm direito a esse lugar. Complexificação: entender que elas têm virtudes e defeitos como qualquer outra, fogem ao estereótipo da minoria modelo, também fazem merda, também amam, e por aí vai.

Assistir filmes e séries é se abrir para ver a história do outro e tentar entender porque aquele personagem é daquele jeito. O protagonismo amarelo pode fazer pessoas não amarelas quebrarem estereótipos que construíram. Ao mesmo tempo, permite pessoas amarelas a verem suas narrativas representadas e complexificadas. 

E: Você acredita que uma maior representatividade amarela nas telas pode desempenhar um papel importante na diminuição do preconceito e da xenofobia na sociedade? De que forma?

AHS: O cinema faz as pessoas se conectarem com os protagonistas e terem empatia por eles. Naturaliza a presença amarela na sociedade. 

E: Como você percebe o impacto das produções independentes e das plataformas de streaming na ampliação e diversificação da representatividade amarela no cenário cinematográfico atual?

AHS: Presença de mais vozes amarelas no cinema, abertura para uma conversa sobre identidade que antes não tinha espaço. Os streamings perceberam que nossas narrativas também têm potencial de mercado, e isso é bom para eles e acaba sendo bom pra gente por termos mais espaço (ressalva sobre a diferença entre mercado americano e brasileiro nesse sentido, eles estão muito à frente).

E: Para finalizar, quais são seus próximos projetos? Tem algum já em produção? Pretende trabalhar em um longa-metragem?

AHS: Longa-metragem, Crisântemo Amarelo. Logo depois de Cannes, participo do Torino Feature Lab para desenvolver mais ele, que já está indo para a quinta versão de roteiro e agora está em fase de captação. O curta foi um estudo para ele. 

A Erika também é a protagonista, mas lá ela passa por vivências mais complexas e o curta não aborda só a identidade, também caminha pelo tema do ciclo de vida-morte-vida, que me interessa muito e que foi tema do meu curta Vento Dourado. 

 

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Leia também: AMARELA: curta brasileiro concorre à Palma de Ouro em Cannes

 

Texto revisado por Kalylle Isse

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