Jin Sohee, uma haenyeo de Jeju, segue a tradição ancestral das mergulhadoras, enfrentando os desafios do presente e celebrando o poder feminino que define sua profissão e herança cultural
To read this interview in English, click here.
Mulheres do Mar, produzido por Malala Yousafzai e disponível no streaming. Embora não seja uma das protagonistas, Sohee compartilha sua experiência como parte dessa tradição única das mergulhadoras de Jeju, que enfrentam desafios do mundo moderno enquanto preservam a força feminina e a conexão com o mar.
Em Jeju, entre as águas cristalinas, Sohee reflete sobre o equilíbrio entre manter viva a tradição e lidar com as dificuldades atuais. Ela faz parte de uma das comunidades de mergulhadoras mais antigas do mundo, reconhecida pela UNESCO como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.
Nesta entrevista, Sohee fala com muito orgulho sobre sua profissão, os sacrifícios que envolvem sua vida e o papel das haenyeo na preservação do meio ambiente marinho. Ela também compartilha os desafios que enfrenta diariamente, desde as dificuldades físicas do mergulho até os perigos causados pelas mudanças climáticas e pela poluição.
Essa conversa é um mergulho na vida de uma mulher que, com dedicação e coragem, mantém viva uma tradição única, passando seu legado para as próximas gerações. Confira:
Entretetizei: Para você, o que significa viver como haenyeo (mergulhadora) em um tempo em que muitas tradições estão desaparecendo?
Jin Sohee: Viver como haenyeo me faz sentir orgulho e valor pela minha profissão. Acredito que é minha responsabilidade proteger essa tradição para que ela não desapareça. É importante compartilhar sua importância com mais pessoas, espalhar seu valor e garantir que continue viva.
E: O que você pensa enquanto está mergulhando? É um momento de concentração, relaxamento ou uma conexão espiritual?
JS: Quando estou mergulhando, preciso me concentrar, pois o tempo é curto para encontrar e coletar frutos do mar. Já o momento em que volto à superfície para respirar é de alívio e cura, contemplando a natureza ao meu redor. Quando termino o mergulho, sinto uma grande satisfação pelo que conquistei.
E: Como a tradição das haenyeo impacta a vida das mulheres de Jeju? Você sente que essa profissão ajuda no empoderamentoJin Sohee, uma haenyeo de Jeju, segue a tradição ancestral das mergulhadoras, enfrentando os desafios do presente e celebrando o poder feminino que define sua profissão e herança cultural feminino?
JS: Existe um ditado que diz: “Ganhamos no submundo para usar no mundo dos vivos.” A profissão de haenyeo representa a força das mulheres e é algo de que devemos nos orgulhar. Essa tradição tem como base o sacrifício pelas famílias. Precisamos mudar a ideia de que as haenyeo escolhem esse caminho apenas por falta de opções. Elas são verdadeiras heroínas do mar.
E: Qual foi o maior desafio que você enfrentou para se tornar haenyeo?
JS: O mais difícil foi aprender a suportar a pressão da água. Precisei dominar técnicas de mergulho livre e equalização, e, no início, era muito difícil lidar com as dores ao mergulhar mais fundo. Com o tempo, me adaptei e agora estou bem.
E: Existe uma idade mínima para começar o treinamento como haenyeo? Como é o processo de aprendizado para os jovens que querem seguir esse caminho?
JS: No passado, aprendíamos com nossas mães desde crianças, ainda no ensino primário, acostumando-nos ao mar. Hoje, por segurança, é melhor começar com natação básica e aprender a mergulhar a partir da idade adulta. O ideal é aprender diretamente com outras haenyeo, pois isso inclui tanto as técnicas quanto a cultura comunitária.
E: O reconhecimento das haenyeo como Patrimônio Cultural Imaterial da UNESCO ajudou a preservar essa tradição? De que forma?
JS: Antes, muita gente na Coreia via as haenyeo como pessoas que só faziam esse trabalho por necessidade ou pobreza. Com o reconhecimento da UNESCO, essa visão mudou. As haenyeo passaram a se orgulhar de sua profissão, e mais pessoas começaram a admirá-las, atraindo também novos interessados e atenção para essa tradição.
E: Como é a relação entre as haenyeo mais jovens e as mais experientes? Existe hierarquia ou troca de experiências?
JS: As haenyeo mais velhas olham para as jovens com carinho, como se estivessem vendo uma versão mais jovem de si mesmas. Elas compartilham suas experiências e ensinam como enfrentar os desafios do mar. As mais jovens valorizam muito esse aprendizado, pois ele é essencial para lidar com situações difíceis.
E: Como é ser haenyeo hoje em comparação com o passado?
JS: Antigamente, ser haenyeo era algo visto como humilde, marcado por sacrifícios e falta de orgulho. Hoje, além do trabalho de mergulho, podemos nos envolver em outras atividades, como palestras, preservação ambiental, projetos culturais e até empreendimentos. Assim, conseguimos promover a tradição de formas variadas.
E: Como as mudanças climáticas e a poluição estão afetando o trabalho das haenyeo?
JS: O aumento da temperatura do mar derreteu muitas algas, e os moluscos que dependem delas morreram. O número de frutos do mar diminuiu e as condições climáticas pioraram com tufões, longos períodos de chuva e ondas de calor. Isso reduziu nossos dias de trabalho e nos obrigou a mergulhar mais fundo para coletar frutos do mar.
E: Existem pratos tradicionais feitos com os frutos do mar coletados pelas haenyeo? Eles estão ligados ao trabalho de vocês?
JS: Sim, há muitos pratos tradicionais preparados com os frutos do mar que coletamos. Alguns são tão especiais que até fazem parte de cerimônias ancestrais. As receitas variam de região para região.
E: Você já pensou em desistir por causa das dificuldades ou perigos?
JS: Sim, houve momentos assustadores, como quando quase fui atingida por um barco de pesca em alta velocidade. Foi tão assustador que me fez chorar. Além disso, há muito lixo no mar e quase já fiquei presa em redes e cordas. Esses momentos realmente me fazem sentir o risco do trabalho.
E: Como você aprendeu os sinais e sons únicos das haenyeo durante o mergulho?
JS: Há um som chamado “sumbisori“. Ele surge naturalmente quando, ao emergir, soltamos o ar cuidadosamente para proteger a garganta. Esse som lembra um assobio.
E: Você acha que o governo coreano deveria oferecer mais apoio para preservar as haenyeo e atrair jovens para essa profissão?
JS: Sim, acho que mais apoio seria muito importante.
E: Qual é sua lenda favorita sobre as haenyeo ou o mar?
JS: Há uma história sobre uma haenyeo que morreu ao coletar um enorme abalone. Essa lenda nos lembra de nunca sermos gananciosas no mar.
E: Como é a relação das haenyeo com outras profissões do mar, como pescadores?
JS: Temos uma relação de cooperação. Trabalhamos juntos em projetos de limpeza marinha e de liberação de espécies jovens no mar. Porém, há conflitos com mergulhadores ilegais que coletam frutos do mar em grande quantidade.
E: O que torna a cultura das haenyeo única em comparação com outras tradições de pesca ou mergulho?
JS: O diferencial é que somos mulheres liderando a atividade. Temos uma comunidade forte baseada na ajuda mútua e na solidariedade, cuidando especialmente das mais vulneráveis.
E: Quais são os equipamentos básicos usados por uma haenyeo? Algum deles tem um significado especial?
JS: Usamos máscara de mergulho, nadadeiras, roupa de borracha, arpão e uma bóia chamada “tewak”. A “tewak” é muito especial, pois é feita com cuidado e serve tanto para guardar os frutos do mar quanto para sinalizar nossa presença no mar.
E: Você tem alguma experiência especial no mar que marcou sua memória?
JS: Quando estou cansada ou sobrecarregada, o tempo no mar é só meu. É como se o mar me confortasse e me acolhesse.
E: Quais são suas expectativas para o futuro das haenyeo?
JS: Espero que continuemos sendo as guardiãs do mar, protegendo o ecossistema marinho e promovendo a coexistência com o oceano.
E: Como você se sente ao ver estrangeiros e turistas interessados na cultura das haenyeo? Isso ajuda a preservar a tradição ou há preocupações com a comercialização?
JS: Fico muito feliz e orgulhosa ao ver o interesse na nossa cultura. Isso me faz sentir que escolhi o caminho certo ao ser haenyeo.
Você já conhecia as haenyeos? Conte pra gente e nos siga nas redes sociais do Entretetizei — Facebook, Instagram e X — para mais novidades sobre a cultura asiática.
Leia também: Entrevista exclusiva | Jung Eun Hye fala sobre sua arte e participação em K-drama
Texto revisado por Cristiane Amarante