Latinizei | Zuzu Angel: estilista e mãe militante

Zuzu Angel foi estilista brasileira, mãe solteira, militante contra a Ditadura Militar e resiste como ícone de força feminina

ALERTA DE GATILHO: VIOLÊNCIA/MORTE

O Latinizei de hoje é mais do que especial! Em 5 de junho de 1921 nascia a estilista mais impactante em toda a história do Brasil. Se Zuzu Angel estivesse viva, teria completado seu centenário neste ano…

E a frase morre aí: se Zuzu estivesse viva. Não está, e não foi de causas naturais e nem de acidente.

Assassinada pela ditadura militar em um dito desastre de carro, Zuzu Angel foi mais do que uma estilista inovadora e de renome, foi mais do que mãe e ativista dos direitos humanos. Zuzu Angel foi história e foi batalha, dando vozes a todas as famílias que foram sacrificadas com a perda de entes queridos durante a Ditadura Militar (1964 – 1985).

Zuleika Angel Jones

Foto: Divulgação

Zuleika de Souza Netto nasceu em Curvelo, Minas Gerais, e foi uma criança apaixonada por moda e costura. E já mostrando o temperamento que depois viria a coroá-la como uma das mães mais fortes e atrevidas da Ditadura Militar, na infância foi expulsa de um colégio de freiras em que estudava na capital mineira.

Casando-se com o estadunidense Norman Angel, Zuzu teve seu primeiro filho em solo baiano. E só depois foi para o Rio de Janeiro, onde teve mais duas filhas, Hildegard e Ana Cristina.

Quando se divorciou do marido, Zuzu Angel se viu como chefe de família e assumiu todos os gastos dos filhos, já que o pai não se fazia presente. Foi assim que Zuzu deu futuro para as duas filhas, Hildegard e Ana Cristina, e quase viu o filho florescer em sua vida adulta…

A morte de Zuzu Angel foi uma tragédia premeditada, sendo responsabilidade do governo militar na época, assim como o de seu filho antes dela.

Depois da sua morte em 1976, suas filhas fundaram o Instituto Zuzu Angel, primeira ONG de moda do Brasil, para manter viva a memória da mãe e do irmão, ambos mortos pelo sistema militar nos primeiros anos da década de 1970.

Uma marca brasileira

Foto: Divulgação

Zuzu começou a costurar para fora quando se estabeleceu no Rio de Janeiro. Em um tempo em que as costuras eram um padrão e a moda era impenetrável dentro de saias bufantes e corpetes justos, Zuzu Angel lançou a marca Zuzu Saias, onde fazia saias de tecidos acessíveis.

Foi por uma ligação familiar que Zuzu Angel conheceu Sarah Kubitscheck e se tornou uma figura de renome entre a primeira dama e suas filhas, Maria Estela e Márcia. Logo após isso e o divórcio que se finalizou em 1960, Zuzu Angel se tornou um nome fácil nas bocas da alta roda social e na imprensa.

A jornada dupla de ser mãe e chefe de família enquanto comandava sua própria marca de roupas, também sendo a própria estilista, davam ainda mais potência à marca de Zuzu. Muito orgulhosa da sua nacionalidade, a estilista era uma fonte própria de inspiração e usava a cultura brasileira para criar sua moda, incluindo até mesmo bambu em suas criações.

Zuzu Angel foi a primeira marca brasileira a ter reconhecimento internacional e sua primeira exposição em terra estadunidense exibia cangaceiras e baianas em alta costura, com vitrine na 5° Avenida.

Foi Zuzu quem começou a libertação feminina em solo brasileiro no quesito moda, criando relevância para a barriga de fora e saias mais curtas, que exibiam mais pele e deixavam praticidade no caminhar das mulheres. A sua prova de fogo e modelo preferida era a famosa modelo e atriz alemã Elke Maravilha, que foi, além de modelo e marca registrada das roupas de Zuzu, sua melhor amiga e grande confidente.

Stuart, o primeiro Angel contra a Ditadura

Foto: Divulgação

O filho mais velho de Zuzu Angel, Stuart Angel, nascido em 1945, começou a lutar contra a Ditadura Militar – que teve início em 1964 – na Dissidência Estudantil do PCB da Guanabara (depois nomeado como Movimento Revolucionário 8 de Outubro, o famoso MR-8).

Stuart entrou na luta armada contra o governo ditatorial bem na época dos Anos de Chumbo, que começaram a vigorar logo depois do AI-5. Em 14 de maio de 1971, Stuart foi preso por fazer parte da revolução contra a opressão da ditadura, e então foi cruelmente torturado e veio a falecer.

Achando que Stuart tinha sido apenas preso e por isso tinha desaparecido de repente, Zuzu se tornou uma caçadora incansável e feroz militante contra a opressão, tudo em busca de respostas sobre o paradeiro do filho. E foi aí que começou a se enfiar em bases militares e conversar com altos renomes do governo, incluindo militares de patente da marinha e da aeronáutica, em busca de todos os recantos em que os presos eram levados e mantidos em cárcere.

Foi por meio de uma carta enviada, pelo também prisioneiro político, Alex Polari, que Zuzu Angel soube do verdadeiro paradeiro e fim do filho. Com detalhes do crime e das dores a que Stuart foi submetido, Zuzu se rebelou e fez um desfile protesto na casa do cônsul do Brasil, que morava em Nova York, usando essa  estratégia para falar mal do governo brasileiro.

Stuart faleceu e deixou a memória nas mãos da mãe, das irmãs e da esposa que estava em exílio nessa época, a – também militante – Sônia Maria Lopes de Moraes Angel Jones, que também veio a falecer pelas mãos da ditadura em 1973.

Militância contra os militares

Foto: Divulgação

O desfile feito na casa do cônsul foi o primeiro grande ato direto de militância de Zuzu Angel contra o governo. As estampas de suas roupas, antes coloridas e tropicais, agora expunham o terror de uma nação, que vivia sob a dor das balas e da saudade de familiares que não voltariam mais, por meio de desenhos de pássaros engaiolados e anjos amordaçados.

Os protestos não estavam só nas roupas das suas modelos, já que a própria Zuzu, nesse dia, usou uma roupa toda preta com um cinto de  crucifixos e um anjo de porcelana pendurado no pescoço.

Principal passo contra o governo, criando a linha de raciocínio de culpa em pessoas que poderiam se envolver no fim da ditadura, Zuzu Angel distribuía santinhos com a foto do filho Stuart, como se estivesse pregando um candidato ao governo e, com isso, começou a fazer protestos e ir diretamente contra qualquer círculo fechado dos núcleos militares da época. Em uma ocasião mais marcante, Zuzu conseguiu entregar uma carta de denúncia ao secretário de governo americano, Henry Kissinger.

Por ser filho de pai estadunidense, Stuart Angel era igualmente um cidadão dos EUA e, portanto, era seu direito ter um velório digno e seu paradeiro revelado à mãe pelas leis de lá, mesmo que aqui a realidade fosse outra. Exigindo saber mais sobre o caso do filho e cobrando um posicionamento do governo dos EUA, Zuzu queria que Kissinger a ajudasse a cobrar do governo brasileiro uma resposta justa e que o país do ex-marido fizesse pressão contra o atual governo brasileiro da época.

É importante ressaltar que os EUA apoiaram  a repressão militar, já que para eles era interessante manter ditaduras no poder de países da América Latina, em desculpa de ataque contra partidos comunistas. Esses anos foram  o auge da Guerra Fria e estabeleceram  governos que reprimiam pensamentos socioculturais e possivelmente comunistas. O que quer dizer que os apelos de Zuzu Angel aos EUA não significaram nada e, para eles, ela mais parecia uma mãe completamente enlouquecida pela morte prematura do filho.

Zuzu Angel na arte

Foto: Divulgação

Além de confidente de Elke Maravilha, Zuzu tinha amizade com inúmeras figuras públicas e artistas, incluindo o cantor Chico Buarque. A música Angélica foi composta pelo compositor e escritor em homenagem à Zuzu Angel por todos aqueles anos buscando justiça e querendo respostas.

Em 2006, o filme Zuzu Angel, protagonizado por Patrícia Pillar e Daniel de Oliveira, fez as vezes de ficção documental e relatou com precisão muitos dos problemas vividos naquela época pela família Angel. Com participação de Elke Maravilha e uma cena impactante de Zuzu Angel gritando e se rebelando em um tribunal, o filme dirigido por Sérgio Rezende é um show de atuação e revive a história de Zuzu e sua busca como mãe guerreira e injustiçada.

No site oficial do Instituto Zuzu Angel, é possível apreciar roupas criadas e costuradas por ela e acompanhar novidades sobre sua carreira que vive voltando e sendo relembrada pela mídia. O site também conta com fotos exclusivas e raras e a possibilidade de ver as criações de Zuzu em 360.

Em 2014, o Itaú Cultural promoveu uma exposição sobre a vida e carreira de Zuzu Angel. Nomeada de Ocupação Zuzu, o espaço do Itaú Cultural, em São Paulo, exibiu uma exposição com curadoria especial de Valdy Lopes Jr. e Hildegard Angel, com estreia no aniversário de 50 anos do início da Ditadura Militar.

Neste ano, no mês de abril, Zuzu Angel teve uma matéria especial na Quatro Cinco Um – a revista dos livros, falando sobre o seu centenário. E vive sendo relembrada em um ou outro post na internet, quando o assunto é Ditadura Militar, e teve holofotes voltados ao seu esforço contra a repressão daquele tempo quando menções ao AI-5 voltaram a circular pela internet há algum tempo.

O que ficou

Foto: Divulgação

Zuzu Angel resiste! Essa é a maior lição de todas. A força de uma mãe nunca morre, e Zuzu Angel é a prova óbvia da luta contra o governo repressor somado ao desespero materno pela necessidade de enterrar seu filho.

Sua carreira na moda também se mantém intacta e inspira milhares de pessoas ao redor do mundo ainda hoje. Considerada a primeira estilista brasileira, Zuzu Angel fez história no currículo internacional ao usar as cores e as estampas tropicais em roupas que poderiam ser adaptadas a qualquer verão ao redor do mundo.

Seu senso político também inspira, e não é pouco! Símbolo de resistência feminina contra padrões do patriarcado já eram visíveis em suas criações, muito antes de se tornar a Zuzu Angel mãe coragem que conhecemos nos dias de hoje. Com cortes e descartes de sutiãs e espartilhos, Zuzu foi responsável por politizar mulheres sobre a moda do futuro e criava diálogos feministas sobre o corpo sem precisar debater essa questão diretamente.

Sua jornada feminista também estava no debater ao tentar provar que moda não era futilidade. E conseguiu! Seu último desfile, aquele em que fez uma afronta direta ao governo militar da época da ditadura, foi razão de manchete e rendeu discussões nos círculos femininos sobre até onde as mulheres poderiam ir e até que ponto a moda é sinônimo de guerra política… Isso só prova que Billy Porter teria sido um bom amigo de Zuzu em questões de críticas sociais por meio da moda.

Zuzu Angel já mostrava força em não ligar ao ser rejeitada e espezinhada por ser uma mulher divorciada, em um tempo em que casamento era tudo, só prova o quanto ela estava pronta para enfrentar tudo que enfrentou e ter a coragem que teve para fazer tudo que fez.

Que Zuzu Angel continue resistindo e existindo! E para comemorar esse centenário, esperamos você lá nas nossas redes sociais – Twitter, Insta e Face – para falar mais sobre essa mulher indispensável para a cultura latina.

*Crédito da foto de destaque: Divulgação

plugins premium WordPress

Nós usamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nossos serviços, personalizar publicidade e recomendar conteúdo de seu interesse. Ao utilizar nossos serviços, você concorda com tal monitoramento. Acesse nossa política de privacidade atualizada e nossos termos de uso e qualquer dúvida fique à vontade para nos perguntar!