Liberdade

Liberdade: da escravidão ao turismo, conheça a história do bairro paulistano

Famoso por ter a maior comunidade japonesa fora do Japão, o bairro paulistano guarda uma história que vai muito além dos restaurantes e mercados asiáticos 

Você já ouviu falar sobre o bairro Liberdade? Localizado na cidade de São Paulo, o bairro chamado hoje de Liberdade África-Japão é conhecido por concentrar uma das maiores comunidades japonesas fora do Japão, com diversos restaurantes típicos e mercados asiáticos, além de sua arquitetura única. 

Só que, ao contrário do que muitos imaginam, a história do local começou muito antes da chegada dos japoneses, e foi sendo esquecida conforme o passar dos anos. O Entretê preparou uma matéria especial sobre o bairro, que antes era ocupado pela comunidade negra, mas que hoje tem metade de sua história ocultada. Confira:

Antes da Liberdade

Há muito, muito tempo atrás, o bairro era habitado por indígenas da tribo do cacique Caiubi, que foi convertido ao catolicismo e batizado como João, a fim de colaborar com a catequese dos jesuítas. Apesar de fazer parte de São Paulo, pouco se sabe sobre a história dos indígenas que ali moravam.

Já nos séculos 17 e 18, houve o loteamento e a ocupação de chácaras antigas da localidade, considerada periférica. Nesse sentido, a região servia apenas como uma passagem entre o centro da cidade de São Paulo e Santo Amaro, que naquela época ainda era um município.

O bairro ganhou um nome fortemente conhecido apenas em 1754, quando um depósito de armas e munições foi construído na região, fazendo com que fosse chamada de Bairro da Pólvora

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Lugar onde era o Largo da Pólvora | Foto: reprodução/medium

Nessa época, o local onde conhecemos como Praça da Liberdade tinha uma forca, onde eram executados escravizados fugitivos, e um pelourinho (coluna de pedra ou madeira onde criminosos e escravos eram castigados). Foi por conta disso que o lugar recebeu o nome de Largo da Forca, conhecido assim até hoje.

Ainda, no bairro, também ficava o Cemitério dos Aflitos, ou Cemitério dos Enforcados, a primeira necrópole (local onde se enterra cadáveres) pública da cidade, onde indigentes e pessoas mortas na forca eram enterradas, que funcionou até 1858, quando foi inaugurado o Cemitério da Consolação.

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Capela dos Aflitos | Foto: Reprodução/Portal Jornalismo ESPM

As execuções em praça pública aconteceram até 1870, ano em que foi abolida a pena de morte por enforcamento no Brasil.

Liberdade, liberdade 

Em 1821, o soldado negro Francisco José das Chagas, conhecido também como Chaguinha, liderou uma revolução por melhores salários, desafiando a Coroa. Por conta disso, ele acabou sendo condenado à morte na forca.

O enforcamento, marcado para o dia 20 de setembro daquele ano, não aconteceu como de costume. Na primeira tentativa, a forca utilizada para a execução arrebentou e, minutos depois, em uma segunda tentativa, outra corda acabou se rompendo.

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Foto: reprodução/Brasil de fato

As pessoas que estavam lá para assistir à execução, cerca de dez mil, pediram para que os soldados não prosseguissem com o enforcamento, com medo de que suas tentativas frustradas fossem sinal divino. Enquanto isso, gritavam “liberdade, liberdade” em favor de Chaguinha, que era bem conhecido na região. Mas os pedidos não foram atendidos e, por fim, os carrascos conseguiram completar a execução.

Foram os gritos da população que deram origem ao nome Praça da Liberdade, em 1870, e, consequentemente, à mudança do nome do bairro.

Anos mais tarde, em 1887, foi construída no largo a capela Santa Cruz da Alma dos Enforcados, em memória de Chaguinha e todos os outros que foram enforcados na praça. A capela existe até hoje, e pode ser visitada de forma gratuita. 

Chegada dos japoneses 

No início do século 20, o Japão era um país superpovoado que se sustentava basicamente por meio de técnicas agrícolas da época, o que limitava bastante a produção da maioria dos alimentos consumidos pela população, tornando quase impossível o estoque de alimentos em períodos de seca ou de guerra.

No bairro, a presença japonesa começa em 1912, quando imigrantes japoneses começaram a residir na rua Conde de Sarzedas, uma ladeira íngreme onde, na sua parte baixa, existia um riacho e uma área de várzea.

Um dos grandes motivos da alta procura pela rua era a quantidade de imóveis que tinham porões, fazendo com que os aluguéis dos quartos no subsolo fossem mais baratos do que os convencionais. Para os imigrantes, aquele cantinho da cidade de São Paulo significava esperança por dias melhores. 

Outro motivo para a escolha da região era o seu fácil acesso aos locais de trabalho, mas não demorou muito para que os japoneses começassem a abrir seus próprios comércios. Naquela época, atividades como hospedarias, empório, casa de tofu, de manju e agências de emprego começaram a surgir, dando início ao que era conhecido como rua dos japoneses. 

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Liberdade 1984 | Foto: reprodução/ Folha Press

Em 1915, foi fundada a Taisho Shogakko (Escola Primária Taisho), que ajudou na educação dos filhos de japoneses, então em número aproximado de 300 pessoas.

Já em 1932, eram cerca de dois mil os japoneses na cidade de São Paulo. Eles vinham diretamente do Japão e também do interior de São Paulo, após encerrarem o contrato de trabalho na lavoura. Todos buscavam uma oportunidade melhor na cidade. 

Nesse período, cerca de 600 japoneses moravam na rua Conde de Sarzedas. Outros moravam nas ruas Irmã Simpliciana, Tabatinguera, Conde do Pinhal, Conselheiro Furtado, dos Estudantes e Tomás de Lima (hoje rua Mituto Mizumoto), onde, em 1914, foi fundado o Hotel Ueji, pioneiro dos hotéis japoneses em São Paulo. Eles trabalhavam em mais de 60 atividades, mas quase todos os estabelecimentos funcionavam para atender a coletividade nipo-brasileira.

Desde então, foram abertos jornais, cinemas de rua, restaurantes e mercados asiáticos, que hoje variam entre o chinês, coreano e japonês.

A arquitetura japonesa também está presente no bairro, com lanternas espalhadas pela rua principal e até mesmo um McDonald’s todo personalizado. Festivais de rua e a famosa feira que acontece todo final de semana são os grandes responsáveis pelo turismo no bairro, além, claro, de suas galerias com produtos da cultura pop vindos diretamente do Japão e de outros países asiáticos.

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Foto: reprodução/CNN Brasil
Estátua de Madrinha Eunice

Entre o bairro da Liberdade e o seu vizinho, o Glicério, foi fundada, em 1937, a Lavapés, uma das escolas de samba mais antigas do estado e que ainda está em atividade.

Seu atual diretor é o famoso ator Ailton da Graça, mas quem realmente levou o nome da escola foi Deolinda Madre, mais conhecida como Madrinha Eunice, fundadora e diretora da escola por quase 60 anos.

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Foto: reprodução/UOL

Em 2022, a memória de Madrinha Eunice, conhecida carinhosamente assim por ter batizado diversas crianças, foi homenageada através de uma estátua de bronze instalada na calçada da Praça da Liberdade, bem ao lado da saída do metrô. 

A eterna sambista foi uma das primeiras a receber homenagem através de um projeto do Departamento do Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura, que, por meio de monumentos, reconhece a importância de personalidades negras para a história paulistana.

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Foto: reprodução/agência Brasil
Liberdade África-Japão 

Em 31 de maio de 2023, o prefeito Ricardo Nunes, do MDB, sancionou a Lei n.º 17.954, que determinou a mudança do nome da Praça da Liberdade para Liberdade África-Japão.

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Foto: reprodução/ Carta Capital

Aprovada pela Câmara Municipal, a lei entrou em vigor logo após a sua publicação, e tem como objetivo homenagear as culturas africana e japonesa presentes na região, promovendo o encontro do passado com o presente.

 

 

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*Crédito da foto de destaque: reprodução/ 

 

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