Quando o Brasil ama, ama alto — e não pede desculpas por isso
Na última semana, o Brasil não apenas recebeu mais uma turnê internacional: viveu um dos maiores espetáculos de música pop da década. O Stray Kids, um dos principais nomes do K-pop mundial, desembarcou em terras brasileiras e protagonizou três shows históricos — um no Rio de Janeiro e dois em São Paulo — que ultrapassaram qualquer expectativa de produção, público e, principalmente, emoção.
Foram mais de 170 mil pessoas em êxtase, com gritos ensurdecedores, cartazes emocionados, filas intermináveis e um coro em coreano que reverberava como um hino nacional. No MorumBIS, 65 mil fãs formaram uma única voz que fez até a terra tremer — literalmente. Ali, durante algumas horas, o estádio virou templo, e o Stray Kids, divindades celebradas com uma intensidade rara de se ver.
A produção foi impecável. Luzes, pirotecnia, efeitos visuais e setlists pensadas com carinho marcaram cada momento. Mas nada disso superou o verdadeiro protagonista da noite: o público brasileiro.
Foi nesse clima de entrega total que Bang Chan, líder do grupo, deixou escapar a frase que mudaria tudo:
“O Brasil é a nossa segunda casa.”
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A comoção foi imediata — e global. No Brasil, o sentimento era de orgulho, como se tivéssemos conquistado, finalmente, o coração dos nossos ídolos. Mas, no restante do mundo, especialmente entre parte dos fãs asiáticos, a declaração gerou um mal-estar que se espalhou pelas redes feito incêndio.
O que deveria ser apenas uma lembrança inesquecível de uma turnê arrebatadora virou o centro de um debate acalorado nos fandoms de K-pop ao redor do mundo. A frase de Bang Chan caiu como uma bomba em parte do fandom internacional, que interpretou a declaração como exagerada, inadequada ou mesmo desrespeitosa com as origens do grupo.
Enquanto os fãs brasileiros celebravam nas redes com memes, vídeos, fanarts e threads exaltando o momento, os comentários negativos começaram a surgir em peso:
“A casa deles é a Coreia, não o Brasil.”
“Esses fãs ficam forçando intimidade com os idols.”
“Ele fala isso em todo país que vai, parem de se iludir.”
“Vocês são emocionados demais.”
E é aí que mora o ponto central da discussão: sim, somos emocionados — e com orgulho.
A reação foi tão intensa que Bang Chan precisou aparecer no Bubble, o aplicativo de mensagens exclusivo para os fãs, com o objetivo de tentar conter o incêndio que ele mesmo não previu:
“Eu falei OUTRA casa… Queria muito que stays parassem de brigar. Ultimamente qualquer coisa que eu falo vira um problema. Estou com medo de falar qualquer coisa.”
O líder de um dos maiores grupos do K-pop agora tem receio de demonstrar carinho. E tudo isso porque disse, com sinceridade, que se sentiu acolhido.
Mas por que o fã brasileiro incomoda tanto?
Porque a gente não consome música e cultura pop de forma passiva. A gente vive, sente, incorpora. Enquanto fãs estrangeiros acenam com corações tímidos e mantêm o tom de voz baixo, o brasileiro está gritando, pulando, jogando presente no palco, berrando “EU TE AMO” em português, mesmo sem saber se o idol entendeu. A gente canta a música em coreano como se fosse a trilha sonora da nossa vida, faz fanbase de divulgação como se fosse trabalho CLT, viraliza vídeo, faz mutirão de streaming, decora fanchant — e, quando o show finalmente acontece, entrega tudo e mais um pouco.
E isso não é de hoje.
A história mostra que o Brasil sempre teve uma conexão única com os artistas que vêm até aqui. Em 1985, no Rock in Rio, Freddie Mercury parou de cantar e deixou o público comandar Love of My Life. O Queen ficou hipnotizado com a multidão que cantava junto, entregando emoção crua e genuína. Aquilo não foi apenas um momento de show. Foi história.
Em 2019, quando o BTS lotou o Allianz Parque, os gritos do público quebraram a barreira do som — e eles mesmos disseram que nunca tinham ouvido nada parecido. Beyoncé já chorou no palco do Brasil. Coldplay transformou seus shows aqui em experiências quase espirituais. Paul McCartney diz, repetidamente, que o público brasileiro é um dos melhores do mundo.
Por quê? Porque aqui, o artista não canta sozinho. O Brasil canta junto — e alto. Aqui, os artistas não precisam pedir pra gente parar de cantar. Independente do idioma, a gente sabe cada sílaba. Está tudo na ponta da língua e no fundo do coração.
Enquanto outros países têm acesso constante a shows, eventos, fansigns, lançamentos e ativações exclusivas, o fã brasileiro vive uma relação de longa distância. A gente espera anos por uma chance de ver nossos ídolos de perto. Quando essa chance finalmente chega, a gente transforma o show num ritual coletivo de entrega. Por isso, os nossos momentos são diferentes. São intensos. São dramáticos. São inesquecíveis.
E é por isso que incomodamos. Porque o fã brasileiro sente diferente. Ama diferente. Vive diferente.
Sim, o fã brasileiro exagera. Sim, o fã brasileiro é barulhento, impulsivo, intenso. Mas é também um dos mais dedicados, engajados e apaixonados do mundo. E quem já veio ao Brasil sabe disso.
No fim das contas, talvez o que incomoda tanto lá fora é saber que, no fundo, não existe plateia como a nossa. E que quando a gente ama, a gente ama pra valer — e não pede desculpas por isso.
Quem não gostou… pode tentar marcar um show maior, mais alto e mais emocionante que o nosso. Boa sorte.
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Texto revisado por Laura Maria Fernandes de Carvalho