Com elenco de peso, longa acerta ao suscitar o debate sobre um tema considerado tabu: o suicídio assistido
Atenção: o texto pode conter spoilers.
Uma família se reúne na casa de praia da matriarca, para se despedir, em um final de semana repleto de memórias, desentendimentos, nostalgia, lágrimas e verdades escancaradas aos gritos. Esse é, basicamente, o enredo de A Despedida (título nacional para Blackbird, 2019), dirigido por Roger Michell e adaptado do drama dinamarquês Coração Mudo (Silent Heart, 2014).
Protagonizado pela veterana do cinema, ativista e ganhadora do Oscar Susan Sarandon, o filme pode ser descrito como um dramalhão familiar bem executado e extremamente sensível, mas sem se deixar levar pelo piegas. No entanto, isso não impede que ele se apoie confortavelmente em alguns clichês ao longo da narrativa.
Lily, interpretada de forma notável por Sarandon, é uma jovem senhora de classe média, casada com o médico Paul (Sam Neill). A vida de ambos seria perfeita, se não fosse um porém: Lily sofre de esclerose lateral amiotrófica. Conhecida como ELA, a doença degenerativa avança e a impede de mover um dos braços, causando dor e reduzindo absurdamente sua capacidade motora também ao andar. Diante desse cenário, ela toma uma decisão drástica, que se torna responsável pela união imediata da família. Lily opta por planejar e determinar a data de sua partida antes que a doença avance ainda mais e a deixe completamente imobilizada.
Com a aprovação de seu parceiro, o plano é delineado e comunicado ao restante da família. A matriarca, serena e decidida, convoca seus entes para um final de semana de despedida. E é assim que a trama dá seus primeiros passos. Os conflitos, antigos e atuais, vêm à tona.
“Can we all behave as normally as possible?”
A união de toda a família gera momentos curiosos, constrangedores, bem-humorados, tocantes e, acima de tudo, reflexivos. Lily tem duas filhas: a rígida e conservadora Jennifer, vivida pela sempre impecável Kate Winslet, e a inconstante Anna (Mia Wasikowska). Ambas levam seus cônjuges: Michael (Rainn Wilson, conhecido por seu papel marcante como Dwight, em The Office) e Chris (Bex Taylor-Klaus). Também estão presentes o adolescente Jonathan (Anson Boon), neto de Lily e único filho de Jennifer e Michael, e Liz (Lindsay Duncan), melhor amiga de décadas do casal protagonista e sempre presente na família.
Filmado a maior parte do tempo dentro da casa de praia, o longa-metragem mira bem e acerta no alvo ao priorizar as atuações, os olhares, silêncios e diálogos do elenco de peso selecionado para dar vida aos personagens do remake. O roteiro foi intencionalmente escrito por Christian Torpe, também responsável por escrever a obra original, de 2014, e enfatiza as relações humanas e os laços que são fortalecidos ao longo da vida.
“Once we set a date, I stopped worrying about dying, and I could focus more on living.”
A construção da narrativa de Lily
Para quem assiste A Despedida, fica claro que Susan Sarandon brilha e rouba toda a atenção para si, em uma atuação segura e repleta de certezas. É até difícil imaginar que o papel iria, inicialmente, para outra grande atriz de renome e carreira notável: Diane Keaton. Em 2018, com o filme ainda em pré-produção, foi noticiado pelos veículos de mídia que Keaton interpretaria a protagonista. Por algum motivo, provavelmente conflito de agenda, ela declinou, e o papel acabou indo para Sarandon. E que bom, pois não poderia ter funcionado melhor.
A personagem Lily, aparentemente, foge de qualquer espécie de convencionalismo e se destaca pela modernidade com a qual foi construída. A matriarca do núcleo é, obviamente, mãe, avó, amiga e esposa, mas, acima de todas as coisas, é uma mulher dona das suas decisões. E não abre mão de seu papel no mundo: ela conversa abertamente sobre tabus, causando desconforto frequente nos mais reservados da família, e se utiliza desse papel para incentivar o neto a seguir uma vida que valha a pena ser vivida. Esse é seu lema.
“Inheritance has to all be spent on hookers and blow.”
O filme atinge seu objetivo de normalizar diversos tabus ao retratar o destino da família de maneira leve, enfatizando a todo tempo o poder de liberdade de Lily, que, mesmo doente, não teve seu destino roubado de si. Pelo contrário, o abraçou e teve sua trajetória respeitada, mesmo que isso significasse abdicar de seu próprio futuro.
Confira o trailer a seguir:
A Despedida estreia no Brasil nas plataformas digitais em 31 de março, e estará disponível no Now, iTunes, Google Play, Youtube Filmes, Vivo Play e Sky Play.
Para mais notícias, resenhas e entrevistas siga o Entretetizei nas redes: Twitter, Face e Insta!
*Crédito da foto destaque: Divulgação