Resenha | Bantú Mama: cultura preta, maternidade e força

Bantú Mama faz sua estreia brasileira na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e apaixona com narrativa comovente e forte

Filme dirigido por Ivan Herrera, Bantú Mama tem estreia brasileira na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e conta a história de Emma (Clarisse Albrecht).

Emma é franco-camaronesa e se envolveu em um esquema de drogas para levar uma mercadoria da França para a República Dominicana, mas acabou sendo pega no aeroporto e por isso foi presa. Enquanto era transportada do aeroporto para a prisão – provavelmente até poder ter um julgamento -, o carro em que estava sofreu um grave acidente.

A protagonista, então, é resgatada por um casal de irmãos que passavam pelo lugar em que ela estava. E é nesse ponto que a história decola, com os duo de irmãos a levando para a própria casa e a adotando como uma figura materna. Não só eles, mas seu irmão caçula também.

Realidade dominicana

Foto: Reprodução/Point Barre

Diferente das belas paisagens que temos o costume de ver em divulgações sobre o Caribe, Bantú Mama nos joga no centro da periferia mais perigosa de Santo Domingo.

Lá, a protagonista vivida por Clarisse Albrecht desvenda suas forças maternais para cuidar dos três irmãos, que são órfãos de mãe e que têm o pai preso. É lindo ver a poesia narrativa da obra, de como os conflitos entre a nova família são mínimos e de como a elegância e a realidade podem se encontrar de forma bela.

A cultura periférica do local se mescla com a nossa cultura periférica aqui no Brasil, e então sentimos o peso da dor e da aflição das crianças marginalizadas. É Emma quem comprova, frente à câmera, que cada criança marginalizada e abandonada por uma sociedade que não as acolhe é uma responsabilidade social e deveria ser importante para todos.

O filme chama atenção para a cultura preta, com destaque para as cenas sobre hap e sobre a força de povos africanos – que foram roubados de suas terras e jogados de forma cruel em realidades que não queriam conhecer -, que se unem para viver e sobreviver a uma sociedade visceral.

Personagens e a estética

Foto: Reprodução/Point Barre

Impossível falar sobre Bantú Mama e não falar sobre seus personagens marcantes, cheios de vida e de experiências, que entregam tudo que têm, e somados aos tons ideias para cada cena e seu respectivo peso narrativo, criam perfeição estética.

Com um elenco que conta com o trio jovem Scarlet Reyes, Euris Javiel e Arturo Pérez, a atuação nos faz chorar e emocionar, especialmente nas cenas de Emma com a filha temporariamente adotiva, Tina.

Bantú Mama foi co-escrito e co-produzido pelo diretor dominicano Ivan Herrera, em parceria com a atriz francesa Clarisse Albrecht, e usa do artifício para mostrar que, com um bom elenco unido, com simplicidade e poesia estética, se pode contar uma bela história. As paisagens contam, junto dos atores, uma imensidão de contos urbanos.

São os personagens os responsáveis por fazer do filme uma poesia ainda maior do que o roteiro propõe.

Maternidade

Foto: Reprodução/Point Barre

Unindo o continente africano com o Caribe, Bantú Mama fala sobre uma maternidade adotiva real, imposta por consequências da vida, mas aceita de bom grado.

Quando Emma aceita ficar escondida na casa dos jovens, comovida por sua solidão e abandono naquela casa humilde, ela se torna uma mãe quase que instantaneamente, e oferece para os três um tipo de segurança emocional.

É Emma quem conta para eles, do seu próprio jeito, sobre ancestralidade, lhes fala sobre Bantú, sua tribo em Camarões, na África. É Emma quem cozinha e dorme com o caçula todas as noites. É Emma quem ensina Tina a usar turbantes e lhe diz que seu cabelo é como uma coroa. É Emma quem incentiva o mais velho em suas rimas no hap.

A maternidade não é só sanguínea, nem mesmo feita de forma pensada como sempre vemos em adoções mais usuais. A maternidade se forma de todas as maneiras e em todos os contextos, e ela nem sempre é bonita e ensaiada. Ser mãe é um constante teste de força e resiliência, de poder, de medos e apegos que parecem tolos a olhos que não os da mãe e da criança (ou das crianças) adotada, e Bantú Mama escancara essas consequências que o destino faz.

No fim das contas

Foto: Reprodução/Point Barre

Bantú Mama também nos destrói por dentro. Não é só de beleza narrativa que essa crônica moderna é construída.

O filme entristece – tal como Crianças ao Sol -, e nem tudo é bonito para o trio de irmãos, e escolhas são feitas. O abandono próprio é agonizante, e as últimas cenas de tela cheia de cada um dos três podem gerar diferentes emoções no público. É chocante, doloroso e triste, mas não por culpa de tragédias, mas sim por impossibilidades e por sonhos que criamos ao assistir ao filme.

A finalização de cada personagem ressoa em nós e torcemos por mais e por belezas, tal como queremos estender a linda paisagem do Senegal para além de sua costa. Queremos abraçar todas as almas do roteiro e fora dele, e queremos um futuro justo e bem escrito para os irmãos.

Bantú Mama é aquele tipo de filme que continua falando conosco, muito depois de todos os créditos terem subido.

E você: já assistiu ao filme? Tem alguma opinião a acrescentar? Estamos esperando por você lá nas nossas redes sociais:  Twitter, Insta e Face.

*Crédito da foto de destaque: Reprodução/Point Barre

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