A adaptação feita por Guel Arraes se passa em um complexo de favelas brasileiro
O clássico literário Grande Sertão: Veredas de João Guimarães Rosa, lançado em 1956, passa pela sua terceira adaptação para o audiovisual. A primeira releitura aconteceu em 1965, quando os irmãos Geraldo Santos Pereira e Renato Santos Pereira levaram a história para as telas de cinema. Já em 1985 uma adaptação para a TV Globo entregou uma minissérie dirigida por Walter Avancini.
Guel Arraes – diretor do longa – é responsável por filmes que se transformaram em clássicos nacionais, como O Auto da Compadecida (2000) e Lisbela e o prisioneiro (2003), ambos adaptações literárias.
Nessa produção, o diretor aborda a história do livro de uma nova forma, levando a trama para uma guerra entre policiais e bandidos que acontece em um complexo de favelas que se chama Grande Sertão. A adaptação leva o espectador para dias mais atuais, no mundo urbano, onde a realidade de violência se acentua quando o fator social aparece.
Enredo
A releitura de Arraes transporta a trama ambientada na realidade violenta dos jagunços no sertão para o das facções criminosas da periferia. Aqui acompanhamos Riobaldo (Caio Blat), um jovem professor que começa a dar aulas em uma escola do complexo, e em meio à violência e à falta de esperança por dias melhores, entra para o bando de Joca Ramiro (Rodrigo Lombardi). Após eventos cruéis, uma guerra entre o bando e a polícia se inicia e todos são afetados por esse conflito.
Elenco
Além de grandes nomes como Guel Arraes, Jorge Furtado, Caio Blat e Rodrigo Lombardi, a produção ainda conta com Eduardo Sterblitch (Hermógenes), Luisa Arraes (Diadorim), Luiz Miranda (Zé Bebelo) e Mariana Nunes (Otacília).
Caio Blat, na pele do protagonista, faz uso do maior tempo de tela do longa, com cenas de ação intercaladas com a narração dos fatos em tom de prosa, junto a uma interpretação que fisga o espectador e emociona em diversos momentos.
De modo geral, todas as escolhas de atuação foram bem sucedidas, os personagens comovem e entregam de forma concisa, com uma interpretação difícil, sendo a violência narrada de forma teatral.
Contexto Social
A escolha da narrativa modificada introduz a violência nas periferias do Brasil, mostrando no contexto social, situações que, mesmo que no longa sejam apresentadas de uma forma um tanto poética, acontecem na vida real. Mães perdem seus filhos para o crime, as escolas não recebem nenhum tipo de valorização, assim como as crianças que nelas estudam.
A violência está em todos os lugares, e uma estudante indo embora da escola pode ser atingida por um tiro durante um conflito entre criminosos e a polícia, sofrendo as consequências de uma disputa que nada tinha a ver.
Destaque para o momento em que uma das alunas de Riobaldo é assassinada em um conflito e, na escola, sua mãe, interpretada por Mariana Nunes, aponta para os lápis que estavam na mochila da filha morta e diz que “essas eram as únicas armas que ela tinha”.
Esse é um dos fatos representados no filme que mais emociona, não apenas pela forma como esse ponto da narrativa é conduzido, mas por de uma forma trágica, acabar relatando casos reais e recorrentes.
Vale a pena assistir?
Embora o fato de mudança no ambiente central da narrativa incomode quem leu a obra de Guimarães Rosa, levar esse texto a outra realidade aproxima aqueles que se identificam com o que é contado na releitura.
A forma teatral como os diálogos entre os personagens acontece é outro ponto positivo. No roteiro, as falas seguem, mas não tão ao pé da letra, as palavras escritas pelo autor do livro. Dessa forma, ainda que a história seja diferente em alguns pontos, fica bastante parecida em outros.
Atuações surpreendentes também fazem parte da produção: Eduardo Sterblitch e Luiz Miranda, entregam atuações diferentes do habitual para ambos, contribuindo para a narrativa de violência que o filme retrata. Hermógenes e Zé Bebelo talvez sejam os personagens mais marcantes da história.
Mesmo com momentos que talvez pudessem ser abordados de outra forma – como a relação entre Diadorim e Riobaldo – a distopia apresentada entrega um bom enredo, fazendo quem assiste refletir sobre a vida ao nosso redor, além de ser uma produção ousada e de certa forma inovadora para o audiovisual brasileiro.
Grande Sertão estreia hoje, 6 de junho, nos cinemas de todo Brasil.
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Texto revisado por Karollyne de Lima