Em preto e branco, Malcolm & Marie fala sobre a tragédia de vidas complexas e relacionamentos viscerais
Malcolm & Marie conta sobre a discussão do casal homônimo que acabou de voltar para casa depois da estreia do filme de Malcolm.
Enquanto tenta desfrutar os louros de ter tido uma estreia estonteante e sem comparações, Malcolm (John David Washington) compartilha com a namorada, Marie (Zendaya), suas alegrias e frustrações com a noite. Ela, por outro lado, quer satisfações importantes sobre ter sido esquecida no discurso de agradecimento e substituída em um papel que narra, essencialmente, sua história de vida.
Com um cenário único que se concentra em uma casa afastada e com apenas os atores principais durante todo o filme, a obra retrata relações de tragédia, amores falidos e sensações distorcidas de pertencimento. E é lindo!
Detalhes técnicos
A atuação de John David Washington e Zendaya hipnotiza o público durante todos os minutos de filme, e sem nenhum momento de descanso de seus rostos em cena, compartilham suas frustrações em relação à noite e em relação um ao outro.
Todo filmado em preto e branco, o roteiro transborda drama e tragédia, expondo as relações humanas em pratos limpos. Sonhos, desejos, infortúnios e mágoas compõem um roteiro cheio de verdades quase nunca ditas em voz alta.
A iluminação também ajuda a contar essa história, e coloca focos mais claros em momentos tensos, e enquadramentos mais escuros em situações que deveriam ser vistas como pontos positivos naquela relação.
Malcolm & Marie dialoga com o público de forma limpa, priorizando bons resultados e uma visão emocional sobre aquele casal complexo, e usa de jogos de câmeras, cortes, iluminação e takes longos em monólogos dramáticos para conquistar a crítica técnica, enquanto abraça as pessoas leigas que assistem ao longa.
Os debates
Com monólogos inteiros que assustam de tão profundos, Malcolm impõe sua opinião sobre a indústria do cinema e de como ele, por ser negro, sempre será responsável por criar filmes transcendentes segundo a crítica. Suas posições sobre uma repórter branca que os adulou e resenhou se estendem, e o tema vira piada nos momentos de tranquilidade em que o casal não está brigando.
Marie, por outro lado, quer explicações sobre ter sido abandonada no projeto, sobre ter sua história de vida exposta de forma tão crua em cena, e usa o discurso do namorado como desculpa para tocar nos pontos importantes da sua crítica.
Com um monólogo final extremamente emotivo, Zendaya eleva Malcolm & Marie para o tipo de filme que deve ser assistido por casais em todos os tipos de relações. O peso da sensibilidade conjugal estraçalha o público, e somos atingides por sensações familiares de descontentamentos emocionais e afetivos.
Representatividade
A principal crítica de Malcolm é sobre como, por ele ser preto, seus filmes sempre serão vistos como algo crítico e fora dos padrões. Em determinado momento em que ele critica o sistema social em relação ao seu trabalho, Marie toca no nome de Angela Davis, acusando que ele ser preto e fazer arte sempre será um ato de resistência.
E eis aí a maior questão: a cor da pele realmente muda alguma coisa?
Obviamente que as perspectivas sempre serão diferentes entre raças e gêneros pela simples questão de vivências e preconceitos, mas na verdade nem toda obra é um grito político só porque foi feita por uma pessoa preta, asiática, indígena, judaica, muçulmana e assim por diante. Nem toda existência artística é resistência, apesar de toda existência diversa ser um tipo de resistência.
As complexidades humanas estão escancaradas em Malcolm & Marie, e nós só podemos sentar e ver todo esse drama se chocar com força contra a nossa própria vivência.
A produção é trágica e fatalista, tal como é realista, e ganha créditos de essencialidade para autoconhecimento e estudo de relações. Vale muito a pena essa estreia não tão recente.
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*Crédito da foto de destaque: divulgação