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Foto: reprodução/ sic noticias

“Todos quieren ser latinos, pero les falta sazón” – Hollywood ama a cultura latina, mas não os latinos

Palco dos maiores show businesses exalta a cultura latina quando convém mas ignora os latinos nos bastidores, onde a representatividade termina quando as luzes se apagam

Hollywood tem uma relação seletiva com os latinos. Quando convém, nossa cultura é celebrada, exaltada e vendida como um diferencial exótico que enriquece a indústria do entretenimento, no entanto,  quando se trata de valorizar os profissionais latinos que constroem essa identidade, a história muda. O cinema se apropria das nossas cores, da nossa música, dos nossos ritmos e da nossa energia para criar filmes, séries e campanhas publicitárias que faturam milhões, porém, a indústria quer a latinidade como um elemento decorativo, não como uma força real dentro do mercado. Quer a estética, mas não a representatividade, quer o discurso de diversidade, mas sem o compromisso com mudanças estruturais.

E essa hipocrisia se torna ainda mais evidente na temporada de premiações. De repente, ser latino vira uma ferramenta de marketing. Vemos atores e diretores desfilando no tapete vermelho com discursos emocionantes sobre suas raízes, sobre a importância da representatividade, sobre como suas conquistas são um marco para a comunidade. Eles falam com orgulho da sua latinidade, ressaltam suas origens, fazem questão de reforçar o vínculo com suas terras de nascimento e até soltam um sotaque carregado que, curiosamente, não aparece em nenhum outro momento do ano, mas basta a estatueta dourada ser entregue para essa conexão desaparecer.

Os mesmos que usaram a cultura latina como trampolim para suas campanhas começam a suavizar o discurso, a se distanciar, a minimizar o impacto da sua própria identidade. De repente, a latinidade já não é tão essencial assim, já não faz parte da narrativa. O orgulho vira silêncio, e os latinos, que antes eram mencionados como parte fundamental da trajetória de sucesso, são deixados para trás.

A latinidade de ocasião no Oscar

O caso de Zoe Saldaña com Emilia Pérez (2024) é só o exemplo mais recente desse padrão. Durante a campanha, ela fez questão de exaltar suas origens, reforçar seu vínculo com a América Latina e surfar na onda do reconhecimento latino, porém, assim que venceu o prêmio, tratou de se distanciar. Em entrevistas, enfatizou que sua vitória “não era sobre o México” e minimizou o impacto latino da produção, como se isso pudesse prejudicar sua posição na indústria.

E essa postura não é uma exceção, é a regra. Em 2018, Guillermo del Toro e A Forma da Água (2017) foram celebrados como uma conquista para o cinema mexicano, mas no ano seguinte, Alfonso Cuarón precisou reforçar diversas vezes que Roma era um filme profundamente mexicano, já que a indústria insistia em tratá-lo como uma produção internacional genérica. Em 2023, Ana de Armas foi aclamada por sua performance em Blonde (2022), mas sua origem cubana só era mencionada quando conveniente. E quantos sequer lembram que Benicio del Toro foi um dos poucos atores latinos a ganhar um Oscar?

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Foto: reprodução/variety

Ano após ano, Hollywood repete esse ciclo. Exalta a cultura latina quando precisa de um discurso de diversidade, mas descarta seus profissionais quando as luzes se apagam. Os latinos são celebrados como símbolos de inclusão, mas raramente são incluídos de verdade.

Hollywood ama a cultura latina, mas não os latinos

Essa contradição deixa claro que Hollywood quer a estética, a música, o tempero e a energia latina, mas não está interessada em abrir espaço real para os latinos. Querem nossas músicas nas trilhas sonoras, mas não nos palcos principais, querem nossos pratos nos eventos, mas não querem pagar diretores latinos para contar suas próprias histórias, querem exaltar figuras latinas quando isso rende manchetes, mas não quando se trata de oferecer oportunidades consistentes.

A sub-representação continua gritante. Em 2023, apenas 5% dos papéis principais em Hollywood foram ocupados por atores latinos, e a presença nos bastidores — como diretores, roteiristas e produtores — é ainda menor. Quando latinos são escalados, muitas vezes ainda é para personagens estereotipados: o traficante, a empregada, o sedutor exótico. E quando um filme latino finalmente alcança reconhecimento, a indústria tenta diluir sua identidade para torná-lo mais universal (leia-se: mais palatável para Hollywood).

Quando ser latino não é conveniente

O problema não é apenas a hipocrisia dos estúdios, mas também daqueles que se beneficiam da latinidade por conveniência e depois abandonam a bandeira. Se apropriar da cultura latina para se promover significa também assumir a responsabilidade de representar essa comunidade de forma contínua. Não basta falar “gracias” no tapete vermelho e, no dia seguinte, negar a influência latina no próprio trabalho.

Enquanto nomes como Saldaña, Ana de Armas, Selena Gomez e tantos outros artistas escolhem quando ser latinos, cineastas e atores que abraçam essa identidade o tempo todo continuam enfrentando portas fechadas. Enquanto isso, Hollywood segue explorando a cultura latina como um tempero para seus produtos — sempre sem dar o devido crédito.

Latinidade não é um acessório de premiação

Ser latino não é só sobre discurso bonito na frente das câmeras ou sobre pronunciar palavras em espanhol para parecer autêntico por um dia, é sobre reconhecer essa identidade mesmo quando isso não rende manchetes. É sobre abrir portas para outros latinos, usar a influência conquistada para desafiar padrões e manter o compromisso com a cultura além da temporada de premiações.

Porque ser latino não é uma fantasia de tapete vermelho, não é um sotaque que se liga e desliga quando convém, não é um discurso ensaiado para conquistar manchetes e depois ser descartado na primeira oportunidade. Ser latino é carregar uma história de luta, de resistência e de orgulho.

E enquanto Hollywood seguir tratando nossa cultura como um adereço e não como uma identidade, a resposta vai ser sempre a mesma.

Ou, como Bad Bunny canta em El Apagón:

“Ahora todos quieren ser latinos, pero les falta sazón.”

 

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Texto revisado por Laura Maria Fernandes de Carvalho

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