Carol Façanha é conhecida por sua escrita lírica e aborda o amor tóxico em suas obras
Nesta entrevista exclusiva, conversamos no estande Cabana Vermelha na Bienal do livro no RJ com Carol Façanha, autora brasileira de fantasia, que está ganhando destaque no cenário literário.
Carol é escritora e doutoranda em literatura de língua inglesa pela UERJ, sua trajetória inclui prêmios como o Le Blanc e participações em importantes premiações literárias. Depois do sucesso de O Canto Mais Profundo: A Origem de Ayssa, Carol está lançando seu novo livro, A Hora da Serpente, na Bienal do Livro do RJ.
A autora compartilhou com o Clube que as influências presentes em sua escrita, inclui principalmente autores como Valter Hugo Mee, V. E. Schwab e Clarice Lispector. Ela destaca a beleza da escrita lírica e como ela pode traduzir sentimentos de maneira única.
A importância do feminismo na escrita da autora
Confira a seguir a entrevista completa realizada pela equipe do Clube do Entretê e conheça mais sobre o mundo da literatura fantástica, e suas perspectivas sobre temas importantes, como o feminismo e o poder da literatura para abordar questões mais profundas.
Clube Do Entretê: Como suas experiências pessoais influenciam na criação dos mundos e dos personagens que você desenvolve em suas narrativas?
Carol Façanha: Desde que cresci, percebi que ser uma mulher escritora implica enfrentar certas barreiras. Há uma disparidade de tratamento quando se trata do sofrimento por amor. Quando um homem sofre por amor, ele é visto como um heroi trágico, mas quando uma mulher sofre ou é traída, muitas vezes é estigmatizada. Vivemos em uma sociedade com dois pesos e uma medida, na qual as mulheres são frequentemente vítimas de feminicídio, uma questão de saúde pública. Portanto, escolhi focar meu público principalmente nas mulheres, porque acredito que escrever sobre o amor é, de certa forma, transmitir conhecimento. Em um mundo patriarcal tão violento como o nosso, amar um homem pode ser uma das coisas mais complexas e desafiadoras.
Clube: Em seus livros, você cria cenários de fantasia envolventes, assim como o fundo do mar em seu trabalho anterior, O Canto Mais Profundo. Por que você escolheu esses cenários específicos e quais são os principais elementos que você considera ao construir esses mundos fictícios em suas obras?
Carol: A escolha do cenário é fundamental para a narrativa. No caso do fundo do mar em O canto mais profundo, é uma releitura de A Pequena Sereia. Já em A Hora da Serpente, explorei intensamente a metáfora do veneno, como evidenciado na frase “Numa corte de víboras, todos provaram do próprio veneno“. Isso se reflete em Venévora, cujo nome é a combinação dos nomes Verona, Veneza e Veneno.
Nesse cenário, serpentes incapazes de se reproduzir encomendam mulheres da colônia, e essas mulheres desenvolvem suas próprias formas de defesa. O tema do veneno é recorrente ao longo da história, até mesmo no glossário do livro, onde exploramos conceitos como o perdão da cobra e o significado de A Hora da Serpente.
Pode-se perceber isso também em Rosa Selvagem que apresenta uma narrativa que é uma referência à história clássica de A Bela e a Fera. Tudo isso é cuidadosamente entrelaçado para dar significado e profundidade ao mundo que estou construindo no momento.
Clube: Como você equilibra a construção de personagens complexos e cativantes com os cenários igualmente envolventes que você cria?
Carol: Encontrar o equilíbrio entre personagens e cenários é essencial. Os personagens precisam se destacar, mas também devem se integrar organicamente ao mundo que criei. Quando um leitor descobre a história de um personagem e compreende suas motivações, isso cria uma conexão poderosa com o mundo fictício.
É um processo de costura, onde cada elemento se relaciona intimamente com o outro. Ter um bom relacionamento com a editora, leitores e críticos também é fundamental, pois o feedback ajuda a aprimorar essa harmonia.
Clube: Você utiliza elementos mágicos em suas histórias, como o veneno em A Hora da Serpente. Pode compartilhar conosco sobre como esses elementos contribuem para a profundidade das suas narrativas?
Carol: Os elementos mágicos em minhas histórias funcionam como metáforas para questões do mundo real. Por exemplo, o veneno em A Hora da Serpente representa intrigas, traições e mentiras. Essas metáforas permitem discutir questões complexas de maneira acessível.
Além disso, ao falar sobre criaturas híbridas, como criaturas metade homem e metade serpente, estou explorando temas como a masculinidade tóxica e as máscaras que as pessoas usam para esconder suas verdadeiras identidades. A literatura fantástica oferece uma maneira sutil de abordar tópicos desconfortáveis e, muitas vezes, ajuda na cura de feridas emocionais.
Clube: Você se descreve como uma autora feminista. Como essa identidade influencia sua escrita e como você lida com possíveis reações dos leitores a essa perspectiva?
Carol: Ser feminista é parte fundamental de quem sou como escritora. No passado, hesitei em usar essa descrição por receio de afastar certos públicos. No entanto, percebi que as pessoas poderiam comprar o livro devido à ilustração da capa, por exemplo. Por isso, hoje, ao afirmar minha identidade feminista, estou alinhando minha escrita com minha verdade. É uma forma de garantir que minha mensagem chegue ao maior número de pessoas possível, mesmo que algumas possam discordar.
Clube: Como é seu processo criativo ao iniciar um novo livro? Você costuma fazer esboços detalhados ou prefere explorar a história de maneira mais intuitiva? E como lida com bloqueios criativos?
Carol: Normalmente, meu processo é bastante intuitivo. O planejamento às vezes não funciona como esperado. Certa vez, escrevi 20.000 palavras e, em seguida, apaguei tudo e recomecei do zero. Isso demonstra como o processo criativo pode ser imprevisível.
Gosto de escrever rapidamente e editar com calma, pois a reflexão é contínua. Não sofro mais com bloqueio criativo, mas já sofri. Quando ganhei o prêmio, comecei a me levar muito a sério e tinha medo de que minha escrita não fosse boa o suficiente. Minha psicóloga me aconselhou a escrever um livro ruim para superar essa barreira, e isso foi libertador.
Acredito que ao deixar de lado minha necessidade de ser perfeita, comecei a ser o que eu tinha que ser. Isso me lembra uma citação de Freud que diz: “Poderíamos ser muito melhores se não tentássemos ser tão perfeitos”. Quando nos esforçamos demasiadamente para sermos perfeitos, nosso ego atrapalha, impedindo-nos de arriscar e crescer. E se você fica se protegendo muito, você se bloqueia.
Clube: Quais tipos de reações dos leitores você costuma receber em relação aos seus personagens complexos e aos romances que desenvolve em suas histórias?
Carol:Uma das reações que mais me interessa é quando os leitores se apaixonam por personagens masculinos ou se identificam com as personagens femininas. Acredito que, ao criar personagens que envolvem os leitores, estou proporcionando uma experiência mais rica. Adoro quando os leitores torcem pelos romances e se questionam sobre as escolhas dos personagens. No entanto, equilibrar essa conexão com a narrativa principal é crucial. Não quero que meus livros se tornem palestras, mas sim histórias que convidam à reflexão.
Clube: Você pode compartilhar alguma experiência memorável ou feedback de um fã que tenha lhe impactado profundamente?
Carol: Com relação a A Hora da Serpente, uma leitora me escreveu dizendo que começou a ler o livro e só parou de ler às 5h da manhã, ou seja, quando terminou. Logo depois postei nas redes sociais que meu livro poderia causar insônia. (risos) Receber esse tipo de retorno é incrível e mostra o poder da literatura em cativar os leitores. Também há casos em que os leitores se apaixonam por personagens secundários, o que é sempre uma agradável surpresa, embora eu não possa revelar muito para evitar spoilers. (risos)
Clube: Você mencionou que A Hora da Serpente possui uma atmosfera gótica. Como você planeja explorar esse gênero em suas futuras publicações?
Carol: Pretendo me aprofundar ainda mais nesse gênero em minhas futuras obras. A ideia é explorar temas sombrios, intrigas e elementos misteriosos que caracterizam o gótico. É uma direção que estou ansiosa para seguir em minha escrita.
E aí gostaram da entrevista? Contem pra gente através das redes sociais do Entretetizei — Instagram, Facebook e Twitter — e nos sigam para ficarem por dentro do mundo do entretenimento.
Leia também:
Escritoras brasileiras de fantasia vão à Bienal do livro no RJ
*Créditos Foto de destaque: Divulgação/Assessoria de Imprensa