No início da década de 1960, a escritora descreveu o Brasil cruamente
Um dos principais papéis da literatura é olhar para a sociedade e tentar, com palavras, traduzir o sentimento humano. A literatura escancara o que muitas vezes é invisibilizado, escondido e excluído.
A pobreza, a fome, a marginalização da mulher negra e as péssimas condições em que pessoas negras viviam na primeira metade do século 20, resquícios da escravatura, são apenas alguns dos assuntos que foram deixados de lado por grandes escritores.
Por muitos anos, a elite brasileira tomou conta dos meios literários —, o que arrancou de muitas pessoas o direito de revelar a própria história. Carolina Maria de Jesus, uma das maiores escritoras nacionais, conseguiu ultrapassar essas barreiras e, com uma prosa afiada, delatou uma realidade dura e perversa.
Nesta sexta (14), completam-se 111 anos do nascimento da autora, que faleceu em 1977. Natural de Sacramento, interior de Minas Gerais, Carolina nasceu em um lar muito humilde de lavradores e obteve apenas dois anos de ensino formal. Desde muito cedo, precisou trabalhar para sobreviver. Os livros, no entanto, eram o seu maior alento.
Ela encontrou nas páginas uma forma de mostrar o que se passava em sua alma, além de evidenciar as agruras da sua existência. Carolina escreveu poesias, contos, músicas e romances. Detentora de uma visão ímpar sobre a realidade brasileira, denunciou de forma contundente como viviam os moradores de uma das maiores favelas de São Paulo durante a década de 1950.
Quarto de despejo: diário de uma favelada

Em 1960, Carolina Maria de Jesus publicou a primeira obra, Quarto de Despejo, um diário com as suas experiências como catadora de papel na favela do Canindé, zona norte da cidade de São Paulo.
Nos escritos, ela narra o seu cotidiano com os três filhos, a vida com os vizinhos e diversos comentários sobre a política da época. A escritora conta sobre a fome e a dor de não poder dar alimento para os filhos, além do preconceito racial que sofria na pele.
No entanto, mesmo com tantas dificuldades, nunca abandonou os livros e o amor pela escrita. Com os papéis que encontrava no lixo, ela tecia linhas e mais linhas de textos, uma forma de gritar que estava ali, que a sua existência era válida, por mais que o mundo a tentasse apagar a todo custo.
Quando, em 1958, conheceu o jornalista Audálio Dantas, a escritora finalmente viu uma oportunidade de publicar seus livros. O sucesso foi estrondoso: ela conseguiu sair da condição de miséria e pôde oferecer uma vida melhor aos filhos. Porém, os obstáculos não findaram com o êxito de Quarto de Despejo. Carolina não conseguiu emplacar as suas obras posteriores e morreu praticamente no esquecimento.
O reconhecimento viria muito tempo depois, com a autora sendo aclamada como uma das vozes mais importantes do cânone literário brasileiro. Ler Carolina é ver o Brasil pelos olhos dela, é compreender como a sociedade exclui e marginaliza os pobres. É, ainda, entender como ela utilizou a literatura para escapar de uma conjuntura tão nefasta.
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Texto revisado por Karollyne de Lima