Latinizei | Elke Maravilha: o permanente espetáculo deu um show na Ditadura Militar

Elke Maravilha fez jus ao nome, e transformou todas as suas chegadas em aparições fantásticas e significativas

ALERTA DE GATILHO: ABORTO

Elke Maravilha foi modelo, atriz e símbolo de resistência aos padrões de beleza e contra a Ditadura Militar. Melhor amiga de Zuzu Angel, despatriada e irreverente, Elke Maravilha transformou o Brasil em um lugar ainda mais colorido, e sua saudade reverbera em nós até hoje.

É inevitável e inegável: ser brasileira nos torna corpos tropicais; somos fortes e extravagantes por natureza, e Elke foi a maior prova de que isso é verdade. Mesmo não tendo nascido em solo brasileiro.

O Latinizei de hoje é mais do que especial, porque Elke Maravilha brilha mesmo depois de sua morte, e sua força e irreverência são símbolos contra o tédio e contra a opressão.

Gringa no BR

Foto: divulgação

Elke Georgievna Grunnupp nasceu em 22 de fevereiro de 1945, em Leutkirch, na Alemanha. Mas apesar de nascer em solo alemão, parte da origem de Elke Maravilha vem da Rússia, país em que o pai nasceu, e de onde ela se sentia verdadeira filha. Não é difícil encontrar entrevistas de Elke na qual ela afirma ser russa ou ter um coração russo. Seu amor pela pátria do pai era incontestável.

A protagonista do Latinizei de hoje era uma das seis filhas do casal George, um russo de sangue quente, e Liezelotte, uma alemã reservada.

Apesar de ter nascido no exterior, Elke Maravilha chegou ao Brasil com 4 anos de idade, em 1949, e ficaram um tempo na Costa Fluminense, onde os imigrantes aguardavam até serem liberados para finalmente poderem conviver com o Brasil em sua plenitude.

Os Grunnupp rodaram por cidades mineiras, mas se estabeleceram por fim no interior de São Paulo. Por serem imigrantes e terem vindo de um país completamente desolado pela Segunda Guerra Mundial, os Grunnupp passavam dificuldades e lutavam pela própria sobrevivência nessa nova terra desconhecida.

Aos 14 anos de idade, disposta e necessitada de ajudar com as despesas da casa, Elke Maravilha começou a dar aulas de francês para quem pudesse pagar, e aos 20 anos partiu do Brasil, sozinha, de volta à Alemanha, para viver com a avó materna.

Os amores de Elke

Foto: divulgação

A caminho da Europa, Elke Maravilha conheceu o grego Alexandros Evremidis, com quem se casou por volta dos 24 anos de idade. Esse foi apenas o primeiro de seus oito maridos.

Mas o amor de Elke pelo Brasil era tão forte, que foi em terras brasileiras que Elke e Alexandros, o seu tão querido Alex, oficializaram a união.

“Gosto de estar casada e acontece. Não sou de namorar. […]”, foi a declaração que Elke Maravilha deu sobre seus constantes relacionamentos.

O último casamento de Elke foi com Sasha, um homem bem mais novo, e viveram por 13 anos juntos. Sasha era um dos responsáveis pelos acessórios que Elke Maravilha exibia em seus looks, que eram verdadeiras produções artísticas.

Inclusive, vale deixar claro que a extravagância de Elke era algo charmoso e atrativo, e por ser tão único, fazia dela uma figura extremamente sensual. E de quebra, recordamos que assim como Sasha, Elke fazia muitos de seus próprios acessórios, além de bordar e confeccionar parte dele suas roupas.

Apesar de ter tido muitos casamentos, Elke Maravilha nunca desejou ser mãe, e assumiu em rede nacional, em plena década de 1970, que tinha feito abortos. Ela se dizia incapaz de criar uma criança, porque não tinha o instinto maternal que a sociedade espera das mulheres.

Uma artista poliglota

Foto: divulgação

Fluente em oito idiomas, Elke Maravilha falava alemão, espanhol, português, italiano, francês, russo, inglês, grego e latim. Antes de deslanchar como modelo, com uma carreira que só crescia, especialmente no Rio de Janeiro, Elke tinha trabalhado como professora de línguas, tradutora e intérprete, bibliotecária e até bancária.

Como formação, Elke Maravilha vivia indecisa sobre o que fazer, então se jogou de cabeça e estudou tudo que podia, sendo assim, mergulhou em áreas como medicina, filosofia e letras (com especialização em línguas clássicas).

Sempre exuberante e criando um show só seu, Elke Maravilha foi nomeada como a modelo mais requisitada em seu tempo, e foi nesse período que se tornou amiga de Zuzu Angel, a estilista brasileira que já tinha conquistado nome dentro e fora do Brasil, e que logo depois se tornou um alvo de ira da Ditadura Militar. Foi por Zuzu e seu filho Stu, que Elke caiu de cabeça nas lutas contra a censura e acabou presa.

Elke Maravilha, com esse nome, nasceu do colunista Daniel Más, que apelidou Elke dessa forma por sua constante forma extravagante e potência colorida. O apelido pegou ainda mais quando Chacrinha, o apresentador de programas de televisão, a chamou assim publicamente, e de quem era amiga muito próxima.

Também precisamos lembrar que antes de Tatá Werneck, o Brasil teve Elke Maravilha como apresentadora de talk show. Mas as comparações param por aí! Enquanto Werneck brinca e humoriza seus convidados, Elke Maravilha falava sobre temas polêmicos, como o casamento gay. O programa era parte da grade do SBT, e isso rendeu a Elke um embate permanente com Silvio Santos que não gostava das escolhas de temas que ela fazia para o programa.

Show no período ditatorial

Foto: divulgação

Elke Maravilha foi presa por seis dias e se enquadrou no quesito perigo nacional. Esse é um tema que merece um trecho exclusivo, pois Elke deu um show antes e depois de ser levada como prisioneira do governo militar.

Quando chegava no aeroporto depois de uma longa temporada trabalhando longe do Rio de Janeiro, Elke Maravilha encontrou Hildegard Angel, filha de Zuzu.

O aeroporto estava cheio de cartazes com o rosto de Stuart Angel, filho de Zuzu, como um procurado pela polícia, acusado de crimes de antipatriotismo e revolucionário. O problema é que na época do acontecido, Zuzu e todos ao seu redor já sabiam que Stuart tinha sido detido pelo governo militar, e tinha sido torturado e morto.

Em um momento de fúria pelo absurdo, Elke retirou os cartazes e os rasgou, o que atraiu os policiais até ela dentro do próprio aeroporto, e então foi levada presa, deixando apenas Hildegard para trás, com a missão de encontrar ajuda e tirar Elke da prisão antes que algo mais grave acontecesse.

Durante a Ocupação Zuzu Angel, realizada pelo Itaú Cultural, Elke Maravilha relembrou o dia da sua prisão e contou, em um bate-papo, como se livrou dos agentes do governo.

Esse incidente rendeu a Elke a perda da sua nacionalidade brasileira, já que ela tinha se naturalizado como tal. Até o fim da vida, Elke Maravilha viveu como despatriada, e brincava como isso aparecia até em seu passaporte, e a sorte que teve ao perder a naturalização, afinal, nenhum país jamais poderia deportá-la.

Na memória nacional

Foto: divulgação

Elke Maravilha foi uma mulher que abraçou muitas causas sociais, sempre focada em defender minorias e grupos marginalizados. Por isso, sua memória resiste no inconsciente coletivo como alguém sem preconceitos e de coração enorme.

Como memória dessa mulher fenomenal, o jornalista Chico Felitti escreveu a biografia Mulher-Maravilha, um quadro eterno dessa figura tão característica do Brasil. E do livro de Chico que tiramos a nossa capa do Latinizei de hoje.

Elke Maravilha faleceu com 71 anos de idade, em 2016. A causa da morte foi complicações gástricas, e ela estava no estado do Rio de Janeiro, curiosamente, sua primeira parada ao pisar no Brasil.

Para a nossa imensa tristeza, a figura de Elke Maravilha tem sido deixada de lado pela cultura nacional, e cada dia mais nos afastamos da memória dessa figura tão simbólica. O Latinizei de hoje é uma forma de guardar Elke Maravilha no coração e na lembrança.

Essa foi Elke Maravilha, uma mulher cheia de vida e de força, que coloriu o nosso país ainda mais. Agora te esperamos lá nas nossas redes sociais – Twitter, Insta e Face -, para conversarmos um pouco mais sobre esse nome inesquecível.

*Crédito da foto de destaque: divulgação

plugins premium WordPress

Nós usamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nossos serviços, personalizar publicidade e recomendar conteúdo de seu interesse. Ao utilizar nossos serviços, você concorda com tal monitoramento. Acesse nossa política de privacidade atualizada e nossos termos de uso e qualquer dúvida fique à vontade para nos perguntar!