Dirigido por David Pablos, o longa vai contar, de forma bem fiel à história, sobre o que é considerado até hoje como um dos maiores escândalos políticos do México
Quando David Pablos dirigiu o filme El Baile de los 41, certamente ele sabia de sua importância social e política. O longa, que estreou em 2020 nos cinemas mexicanos, chega no próximo 14 de maio à Netflix e promete cenas fortes e importantes do que é considerado, até hoje, como um dos maiores escândalos políticos do México.
Protagonizada por Alfonso Herrera e Mabel Cadena, a história se passa em novembro de 1901, numa confraternização de 42 homens que se travestiam e celebravam a vida – secretamente. Um desses homens era Ignacio de la Torre y Mier, genro do então presidente da República, Porfírio Diaz. Por fazer parte da família mais importante do México, o Presidente obrigou que trocassem o numeral 42 para 41, tirando assim o nome de seu genro. O ocorrido tornou-se um escândalo nacional, principalmente porque, além de tudo, Ignacio era um homem casado com uma mulher e ainda não havia abertura para discutir-se esse tema, considerado um absurdo e uma vergonha para a família.
Em entrevista ao Entretetizei, o diretor David Pablos comentou que o fato foi um marco na história da luta LGBTQI+ e uma abertura à discussão de homossexualidade, já que era a primeira vez que os meios de comunicação da época tocavam no assunto. “Por isso El baile de los 41 é importante, porque esse momento foi considerado um escândalo. Foi tão, tão escandaloso, que o número 41 ficou estigmatizado, ou seja, durante muito tempo, as pessoas evitavam o número 41, nas ruas, não queriam que suas casas tivessem o 41, no exército, nas escolas.. e a pessoa que tocasse no número 41 era objeto de piada, então é um acontecimento que, de certa maneira, ainda segue no imaginário atual”, disse o diretor.
Apesar de El Baile de los 41 ter acontecido há anos atrás, é curioso ver como os anos se passaram e pouca coisa mudou. É claro que, se tratando especificamente da luta LGBTQI+, não há como negar que, atualmente, a forma como o tema é abordado, tanto nas escolas, quanto na sociedade e na mídia, é muito mais aberta e livre, mas ainda há um longo caminho pela frente. “Para mim, algo que me comove muito e que me dói muito, é que muitos desses homens, que estiveram nesse grupo dos 42, infelizmente, tenho certeza que a maioria teria preferido não ser homossexual. Por isso insisto: todo esse conceito do orgulho gay, do coletivo LGBT, é uma construção da segunda parte do século 20 e ainda há um grande caminho a percorrer”, completou David Pablos.
Leia a seguir a entrevista completa, transcrita da conversa exclusiva que tivemos com o diretor de El Baile de los 41, o mexicano David Pablos, que nos contou sobre a história do filme, seus gostos em relação ao Brasil, a preparação dos personagens, além de grandes elogios aos protagonistas, Alfonso Herrera, que interpreta Ignacio de la Torre, e Mabel Cadena, que intreperta Amada Díaz, filha do presidente Porfírio Diaz.
Entretetizei: Eu gostaria de começar essa entrevista te pedindo para que me explique um pouco sobre a história de El Baile de los 41. Estamos muito ansiosos para assistir e quero saber mais sobre!
David Pablos: Começo te contando sobre o que é o El Baile dos 41. O Baile de los 41 é um feito histórico importante aqui no México, que aconteceu em 1991 e basicamente foi um baile onde se descobriu 42 homens, homossexuais, a metade vestidos de mulher e, nesse grupo, se encontrava o genro do Presidente do México, Porfírio Díaz. Porfírio pede para que o nome de seu genro seja apagado da lista e passa a ser 41 ao invés de 42. E isso teve relevância porque, 1: estava envolvido alguém que pertencia à família presidencial e 2: porque é a primeira vez que se falava sobre a homosexualidade nos meios (de comunicação), nos jornais e isso significou uma espécie de “saída do armário” da comunidade (LGBTQI+) em nosso país. Por isso El baile de los 41 é importante, porque esse momento foi considerado um escândalo. Foi tão, tão escandaloso, que o número 41 ficou estigmatizado, ou seja, durante muito tempo, as pessoas evitavam o número 41, nas ruas, não queriam que suas casas tivessem o 41, no exército, nas escolas… e a pessoa que tocasse no número 41 era objeto de piada, então é um acontecimento que, de certa maneira, ainda segue no imaginário atual.
E: seu filme acaba de ser pré-nomeado ao Premios Platino. Como você está se sentindo?
DP: Estou agradecido! [O filme] está na pré-seleção e tomara que se abra caminho… e além dos prêmios, estou feliz pela experiência que foi fazer o filme, feliz pelo resultado final e feliz porque já estamos há [poucos] dias para que o filme saia na Netflix.
E: Você disse uma vez que sua intenção era justamente retratar, de uma maneira diferente, o que se passou emo 20 de novembro de 91. Como foi o desafio de criar uma nova versão da história, mas com mais verdade e claro, com mais humanidade?
DP: Totalmente de acordo. É que eu acho que o ponto referência para esse filme é o pouco que existe da época, o pouco que se sabe, o pouco que os jornais publicaram e a maneira como esses homens foram exibidos, expostos… foi a partir da provocação, do desprestígio e o “fazer menos” desse grupo de homens, e para mim, me parece importante contar essa história desde o ponto de vista deles ou, no caso desse filme, desde o ponto de vista de Ignacio de la Torre e mostrar um grupo de homens diverso, mostrar um grupo de homens onde há todo tipo de masculinidade, todo tipo de idades, todo tipo de fenótipos e de personalidades. Para mim era importante mostrar uma comunidade diversa e organizada.
[…] No meu país, no México, seguem representando assim essas pessoas. Me parece que há um preconceito que segue vigente e a imagem do homossexual, parece que tendem a caricaturizar e o que eu queria fazer era justamente apresentar o diverso que pode ser a homossexualidade, como pode haver todo tipo de homens.
E: Vou perguntar agora mesmo sobre a imprensa, porque quando falamos sobre esse tema, estamos falando de uma época em que a imprensa, principalmente a mexicana, não tinha nenhum respeito com os LGBT’s. Como você vê a evolução da imprensa em relação a esses temas?
DP: Te digo que há coisas da imprensa que não mudaram tanto desde 1901, pelo menos aqui no México. Segue tendo muito preconceito e condenação e segue existindo esses rótulos e creio que não deveria nem haver um catálogo, não deveria importar… simplesmente há uma diversidade. […] Sinto que, em relação aos meios de comunicação, eles seguem fazendo de uma maneira muito similar como faziam há anos. Não nego os ganhos que houveram…. […] É fascinante ver como mudam as coisas. Justamente na época em que se passava o filme, a ideia do orgulho gay não existia. Para mim, algo que me comove muito e que me dói muito, é que muitos desses homens, que estiveram nesse grupo dos 42, infelizmente, tenho certeza que a maioria teria preferido não ser homossexual. Por isso insisto: todo esse conceito do orgulho gay, do coletivo LGBT, é uma construção da segunda parte do século 20 e ainda há um grande caminho a percorrer.
E: Você pode me contar um pouco como foi a preparação dos personagens? Nós os veremos de uma forma diferente da que conhecemos quando lemos sobre na internet, por exemplo, ou não?
DP: Vocês vão ler a mesma história que vão ver (no filme), não terão surpresas nesse sentido. A preparação dos personagens foi muito importante. Eu creio que esse filme, de todos os filmes que eu fiz, foi o que mais ensaiei. Trabalhei muito com os atores e parecia importante que tivesse uma relação entre eles, que se tornassem cúmplices, que houvesse confiança, porque há muitas cenas no filme que não são fáceis no sentido de atuação. Não são fáceis porque podem ser incômodas. Há cenas de sexo que sempre podem ser incômodas, então, para mim, o objetivo principal era alcançar a cumplicidade, uma equipe onde os atores se sentissem cômodos – falo principalmente dos protagonistas, mas também do grupo dos 41. Por exemplo, com Alfonso Herrera e com Mabel Cadena ensaiamos muito. Mabel Cadena é quem será sua esposa, Amada Díaz. Eles ensaiaram muito por essas serem as cenas mais complicadas de todo o filme. Essas são as cenas mais demandantes – do ponto de vista da atuação.
[…] Então a única maneira de fazer bem as coisas era ensaiando. E felizmente, Alfonso e Mabel são atores incrivelmente generosos, disciplinados e entregues, então não foi um tema, pelo contrário, eles ensaiavam mais do que eu pedia e como não há tanta informação desses personagens, existe muito pouco do que podemos exceder. Lemos alguns livros, que foram escritos sobre a família de Porfírio Diaz, sabemos coisas importantes de Ignacio de la Torre e creio que a decisão fundamental que tomamos em conjunto, tanto a roteirista, quanto eu, como diretor, incluindo Alfonso, como ator, foi não apresentar uma imagem dulcificada de Ignacio. Ignacio não era um personagem exemplar, não era um herói e também não era um mártir. Ignacio foi vítima de uma circunstância, mas, ao mesmo tempo, era alguém que buscava poder, era ambicioso, alguém que cometeu muitas ações questionáveis, então, para mim, a aposta principal com o personagem do Alfonso foi fazer alguém, um personagem, que não fosse virtuoso, que é mal sucedido e que, inclusive, o público pode testar o que esse personagem faz.
E: Você acha que ainda podemos encontrar personagens como o do filme hoje em dia? Porque a política mexicana ainda segue sendo um tema difícil, pesado – eu acompanho – e até hoje é difícil falar da política (mexicana). O que você pensa disso?
DP: Absolutamente. No mundo da política mexicana, a homosexualidade segue sendo um grande tabu. De alguma maneira, quando estávamos fazendo a roda de imprensa nos cinemas mexicanos, em novembro de 2020, eu disse em algumas entrevista que, de alguma maneira, a história de El Baile de los 41 podia ter se repetido no presente. Digo, não necessariamente aconteceria um linchamento, não necessariamente os receberiam dessa maneira, mas sei que seria o mesmo escândalo se estivéssemos falando desses níveis de poder, sei que haveria esse encobrimento, sei que haveria essa condenação, não haveria talvez um linchamento físico, mas sim um linchamento midiático, nas redes sociais, então para mim, umas das reflexões mais importantes foi ver que, tanto no momento de estudar a história para preparar o filme e depois, já na hora de sair para apresentá-la, foi ver quantos paralelos existiam e ver como eu ainda poderia contar a história de El Baile de los 41 de maneira similar.
E: Você acredita que, de alguma maneira, seu filme vai mudar a maneira de discutir esses temas, discutir a política, principalmente entre os jovens? Porque muitos jovens que acompanham os atores, por exemplo, o meu público que acompanha muito o Poncho (Herrera) e todos esses atores… o que você acha?
DP: Eu acredito que, pedir que um filme mude um panorama social e político é muito complicado. Eu creio que o filme não tem tanto poder – adoraria que sim, mas creio que não. O que eu acredito que o filme faz é, o que eu acho que o cinema faz, é mostrar as histórias através dos rostos, de seus personagens, desde um lado humano, um lado íntimo. Porque pra mim sempre fica muito claro como é muito diferente ler um tema e vê-lo através dos olhos de quem vive essa situação. Eu acredito que o cinema, uma das coisas que ele permite é a empatia. O cinema te permite se colocar no lugar de outra pessoa. E eu acho que o que o filme pode fazer é apresentar uma situação de muitos pontos de vista, pode falar com muita gente que não necessariamente pertence à comunidade LGBT.
[…] Eu acredito que esse filme transcende os marcos da comunidade LGBT e eu gostaria que as pessoas, que não são dessa comunidade, também o assistisse, porque mais uma vez, eu insisto: apela à muitas pessoas, de diferentes lados. Eu creio que o que a visibilidade gera é essa possibilidade de que haja diálogos e que haja reflexões. E olha, para mim foi o suficiente quando estreamos o filme no México, ter as publicidades nas ruas, onde se viam Alfonso e Emiliano abraçados, a ponto de se darem um beijo ou onde se via a proposta do filme, o grupo dos 42, vestidos de mulher e ver isso nas ruas… fez toda a diferença, porque as coisas se tornam um tabu quando não falamos delas, quando se ignora ou não querem ver, então, isso não vai impedir que esteja aí, não vai impedir que exista e creio que, quando algo é visível, quando como vemos dois homens abraçados ou ver homens travestidos, quando algo é visível, por um lado, deixa de ser um tabu e passa a ser absorvido como algo do cotidiano, da cultura popular e para mim é importante que as crianças que estejam crescendo hoje em dia vejam isso desde cedo, se acostumem a ver que homens podem namorar homens e mulheres podem namorar mulheres.
E: Eu sei que você já falou sobre o Poncho, mas tenho que perguntar mais uma vez, porque o Poncho é MUITO querido aqui no Brasil e tem uma conexão muito forte com o Brasil e quero saber como foi para você trabalhar com o Alfonso. O que podemos esperar de sua atuação?
DP: Como foi pra mim trabalhar com Alfonso… incrível. É um grande ator e um grande ser humano. Tem as duas partes. É uma pessoa disciplinada, empática, é um grande aliado, um grande companheiro. Só tenho coisas boas pra dizer sobre o Alfonso. Além disso, para ele era muito importante esse projeto, esse papel. Ele sabia do que se tratava…fazer o personagem de Ignacio de la Torre, do que se tratava esse filme, e para mim, me emociona, me comove ver sua entrega. Nos tornamos bons amigos graças ao filme, porque vemos o cinema da mesma maneira, nos entendemos desde o aspecto humano, temos os mesmos interesses e somos iguais de intensos. Creio que uma vez ele disse, não sei foi dando entrevistas, mas disse que eu e ele poderíamos ficar duas horas conversando no telefone falando do filme, do que pensamos do personagem e compartilhamos essa intensidade, então isso nos faz sermos grandes aliados e, para mim, fica muito claro que Alfonso seguirá trabalhando, com quem quer que seja, não há dúvidas.
Ei: Para você, qual é a melhor coisa de ser um diretor de cinema? Você tem alguém que seja uma referência?
DP: Bom, um dos meus diretores favoritos… acaba de chegar pra mim sua coleção (Ingmar Bergman). Chegou para mim a coleção de todos os seus filmes, então nas duas próximas semanas, estarei assistindo ao cinema de Ingmar Bergman. Com ele eu aprendi muito. É alguém que experimentou muito no cinema. Seus filmes nunca são iguais. Ia explorando e explorando e para mim ele é uma grande referência, desde que sou estudante de cinema. Eu creio que o melhor de ser um diretor de cinema é… muitas coisas. Eu amo meu trabalho. Amo o que faço e, eu gosto de muitas coisas, mas creio que minha parte favorita é isso, tem a ver com o que mencionou uma vez Alfonso: como você chega para fazer parte de um processo criativo que tem a ver com o ser humano. Você trabalha com pessoas e seu instrumento principal de trabalho é a vida, são as histórias e, para mim, isso significa um constante processo de aprendizagem. Eu, a todo tempo, estou aprendendo coisas novas, conhecendo gente nova, fazendo novas amizades e também, o trabalho de dirigir um ator é um trabalho muito íntimo, muito belo, é um trabalho de aprendizagem, tanto para o ator quanto para o diretor. É um ato criativo e esse ato criativo me dá energia, me enche de vida e me revitaliza e é como um ciclo permanente de aprendizagem, de ir mais além e quero seguir explorando.
E: Você já veio ao Brasil alguma vez? O que você acha da nossa cultura e dos nossos artistas?
DP: Sim. O Brasil me encanta. Já fui ao Rio de Janeiro e à São Paulo e a fotógrafa desse filme – de El Baile de los 41 e do meu filme anterior – é brasileira, se chama Carolina Costa.
E: Vou pesquisar sobre ela!
DP: Sim, é uma grande amiga. E o que te digo? Eu já conhecia o Brasil antes de conhecer a Carolina e de trabalhar com ela e, através dela… porque além de fotógrafa, é uma grande amiga também… através dela eu acompanho ainda mais o Brasil e me encanta, me parece ser um país extraordinário e, provavelmente muita gente já te disse isso, mas, São Paulo e a Cidade do México são como cidades irmãs. Há muita similaridade entre elas. Eu, quando estive em São Paulo, algo como três vezes, sempre me senti em casa, em alguns momentos senti que estava na Cidade do México. Há algo na energia, há algo na forma das cidades que as fazem irmãs.
E: E para terminar, quero muito que você deixe uma mensagem a todos os que vão assistir essa entrevista, à audiência brasileira. É seu espaço.
DP: Bom, quero agradecer por essa entrevista, para falar de um filme, de um trabalho que…. ufa, foi complexo. Um filme de época sempre leva muito tempo, muito dinheiro e planejamento e o único que eu diria seria que, tomara que possam tirar um tempo para ver o filme, para vivê-lo, para se abrir a ele. Mesmo que seja um filme de época, ele fala muito da atualidade. Há coisas que não mudaram por completo. É um compromisso com todas as pessoas envolvidas, por parte dos atores, de toda a equipe criativa e eu sempre creio que, o que e como se vive durante uma filmagem, de alguma maneira, se transforma em um filme e creio que, nesse filme, pode-se ver esse compromisso, todo esse amor que tivemos ao fazer esse projeto, além do especial que foi fazer esse filme. Foi uma experiência muito bonita, que todos recordamos com muita nostalgia, que recordamos de uma maneira muito íntima.
Para conhecer um pouco mais da história de El Baile de los 41, clique AQUI.
Fique a seguir com a entrevista completa em vídeo:
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*Crédito da foto de destaque: Divulgação / Perú 21