Inspirado no livro de Domenico Startone, Laços mostra as complexidades de um casamento em ruínas e tem um fim morno, mas realista
[Contém spoiler]
Intenso, profundo, dramático, realista e… morno: essas são as cinco palavras que vou usar para descrever o filme Laços (do italiano Lacci). Lançado hoje (9) no Brasil, o romance dramático tem como base o famoso livro de mesmo nome do autor Domenico Startone.
Sua adaptação audiovisual foi dirigida por Daniele Luchetti e tem atores renomados da Indústria Cinematográfica Italiana no elenco, como Alba Rohrwacher e Luigi Lo Cascio, que interpretam Vanda e Aldo, nossos protagonistas. Laços também conta com Linda Caridi – vencedora do primeiro RB Castin Award da história do Festival de Cinema – como Lídia, o pilar dos desentendimentos do casal. Assista ao trailer:
O diretor, Daniele Luchetti, é um apaixonado pela obra de Startone. Ele viu nela personagens fáceis de se identificar, já que sempre procura histórias sobre relacionamentos. “O filme mostra que o amor não é a única coisa que une as pessoas, pois existe também o que permanece quando o amor se vai”, aponta. Profundo!
Laços abriu o 77º Festival Internacional de Cinema de Veneza e foi exibido na última edição do Festival de Chicago (CIFF). A partir de hoje, com distribuição da Synapse Distribution, o filme estará disponível nas plataformas Claro Now, Vivo Play, Sky Play, iTunes / Apple TV, Google Play e YouTube Filmes.
Dadas as informações técnicas, vamos explorar de forma bem delicada – mas honesta – as coerências, as dúvidas e as possíveis melhorias da adaptação de Laços:
Personagens reais
A história se passa na cidade de Nápoles, na Itália, durante a década de 1980. Vanda (Alba Rohrwacher) e Aldo (Luigi Lo Cascio) são um casal de mais de uma década e passam por uma crise no casamento. Quando Aldo cria coragem para admitir que traiu a esposa, somos expostos às vulnerabilidades de Vanda. Ela não sabe se implora pela volta do marido ou se deixa guiar pelo desprezo que sente por ele e suas atitudes.
Conflitos internos
Aldo é um personagem difícil de decifrar, pois ele mantém o carinho e respeito por Vanda durante toda a trama – por amor ou pela culpa? Ou ele só queria alguém para cuidar dos filhos enquanto aproveitava a vida ao lado de Lídia (Linda Cabrini), sua jovem namorada? Essa é a dúvida que fica.
Enquanto trava uma batalha interna com sua autoestima após a traição de Aldo, Vanda ainda tem que servir de apoio para seus filhos. Anna e Sandro, interpretados por por Giulia de Luca e Joshua Cerciello, são apenas crianças – mas absorvem os conflitos dos pais.
Um desenvolvimento – nada – clichê
Uma das coisas que mais gostei sobre Laços é que os personagens vivem uma situação “clichê”, mas não se comportam como a maioria. As reações de Vanda, Aldo e até mesmo de Lídia são tão reais – e distantes das que já estamos acostumados a assistir – que geram um incômodo naqueles que sempre esperam as mesmas atitudes de um casal em crise.
Nesse aspecto, ouso dizer que Daniele Luchetti, o diretor, soube captar as complexidades das relações muito bem. Ponto também para Luigi Lo Cascio, que manteve no mesmo tom a serenidade, a confusão e principalmente os altos e baixos da indiferença de Aldo quanto a esposa, aos filhos e Lídia.
A atriz Alba Rohrwacher também merece aplausos por sua performance como Vanda. Ela conseguiu transitar com muita fluidez entre as emoções da personagem – que não sabia se amava o marido, mas amava os filhos e queria dar a eles uma família estruturada. Mas como fazer isso desprezando o parceiro? Muito, muito intensa e impressionante a atuação de Alba.
Salto temporal: ninguém esperava por essa
O grande clímax de toda a trama é quando o casal tem o seu apartamento de luxo saqueado. Mas, na minha visão, o fator mais surpreendente nesse acontecimento é que Vanda e Aldo já estão idosos – e morando juntos. Ou seja, em algum momento do passado eles resolveram restituir o casamento.
Mudaram as estações, nada mudou…
Vanda, já idosa, é interpretada por Laura Morante. Vemos na personagem uma abordagem passivo-agressiva: ela não muda o tom de voz com o marido, mas o despreza, apontando seus defeitos o tempo todo. Vanda nunca perde a oportunidade de trazer acontecimentos do passado à tona, sempre regada de muita ironia.
O ator italiano Silvio Orlando dá vida a Aldo durante a melhor idade. O jornalista mantém sua postura distante, passiva e calma durante todos os diálogos. Mas, após a invasão no apartamento, ele fica nervoso ao perceber que perdeu uma das relíquias de seu relacionamento com Lídia.
Onde estão as polaroides de Lídia?
No fim, descobrimos que os – já adultos – filhos do casal, Anna (Giovanna Mezzogiorno) e Sandro (Adriano Giannini), saquearam o apartamento. Como uma forma de “desbravar” os segredos dos pais, eles abrem todas as gavetas, espalham arquivos e livros pelo chão e quebram a mobília. “Os únicos laços que mamãe e papai conheceram algum dia foram aqueles que serviram para se torturar a vida toda”, diz a filha mais velha. Intenso, não é?
É ainda na cena da bagunça que descobrimos o paradeiro das relíquias de Lídia – que não vou contar, é óbvio. Mas essa cena serviu de reflexão: as atitudes que tomamos respingam em todos à nossa volta, por mais cuidadosos que tentemos ser. As atitudes de Aldo e Vanda respingaram nos filhos, que cultivaram inseguranças, traumas e, principalmente, a dificuldade em formar laços.
Laços que vão e vem
A partir da metade do filme, temos vários flashbacks da vida de Aldo e Vanda. Por exemplo, quando eles se reconciliam após a crise, os momentos de tensão entre o jornalista e Lídia, a restituição da sua paternidade… A impressão que ficou, pelo menos por aqui, é que o filme se desenvolve muito lentamente na sua primeira metade. Com isso, deixou todas as justificativas, acontecimentos e consequências da trama para o fim, que é muito acelerado e, por isso, difícil de se compreender.
Talvez esse seja o propósito do diretor Daniele Luchetti, que admirava no romance de Startone a fidelidade aos aspectos reais que englobam os relacionamentos. Os eventos acontecem e, quando menos percebemos, o tempo já passou – mas as cicatrizes ficam.
Minha única crítica vai para o fim do filme. Apesar de ser surpreendente o fato de que os filhos são os responsáveis pela bagunça no apartamento, sinto que seus sentimentos foram pouco explorados durante a obra. É possível entendermos as suas motivações, é claro. Mas, ainda assim, são personagens mal desenvolvidos – principalmente na infância, momento em que eles enfrentam a crise familiar.
Vamos ao que interessa: Laços é um bom filme?
Depois de me ver tecer tantas críticas ao filme Laços, você deve estar pensando que eu não o recomendaria. E você está errado!
Laços é uma obra para aqueles que amam um drama bem intenso, que gostam de tramas familiares e sobre relacionamentos. Ele deixa, sim, a desejar em alguns pontos. Só que o interessante, ao mesmo tempo, é que talvez nem todos os eventos da vida real precisem de finais extravagantes e marcantes. Algumas coisas só tomam o seu rumo – goste você ou não.
E aí, ficou com vontade de assistir ao filme Laços? Ele já está disponível nas plataformas digitais brasileiras! Já coloca na sua lista para o fim de semana, hein?
Depois, conta para a gente aqui do Entretetizei a sua opinião sobre o drama italiano. Estamos te esperando nas nossas redes sociais – Insta, Face e Twitter. Não esquece da gente!
*Créditos da foto de destaque: Gianni Fiorito/Divulgação