Após 30 anos de carreira, Junior entra de corpo e alma em novo projeto
Um voo há muito tempo esperado. Desejado, planejado, amadurecido ao longo de mais de 30 anos de experiências musicais diversas e do momento mais importante que tudo, a vida — aquela mesma que, como escreveu Vinicius de Moraes, só se dá a quem se deu. Após o anúncio do fim da dupla com sua irmã, em 2007, Junior teve tempo para viver. Foi um tempo de menos holofotes, alegrias cotidianas e dores de crescimento, tempo também de terapia, casamento, paternidade e recomeços.
Solo — Vol. 1 é o chão de onde ele se projeta para uma nova fase da carreira, a partir de composições trabalhadas desde 2020 e que ganharam forma no último trimestre de 2022, no estúdio No Santo Som, em Campinas. De um total de 54 músicas, foram escolhidas dez para este primeiro volume. Outras onze (mais dois interlúdios) irão entrar em um segundo e futuro lançamento.
Junior se lança com leveza, mas também com coragem de se expor da forma mais pessoal possível. “Com estas músicas, eu conto um pouco da minha história. As minhas dores, alegrias, frustrações, barreiras. Claro, com licença poética, me permitindo outras perspectivas, mas sempre baseado no que vivi e observei. Estou presente em cada vírgula deste disco. E isso é foda”, resume o artista, vibrante, com aquela energia que o público conhece bem. “Por tudo que construí até aqui, sinto uma liberdade muito grande. Apesar de querer fazer um som pop, de me perceber como artista pop, não sinto a menor necessidade de cumprir regras e seguir padrões da indústria.” Não é por acaso que a faixa 5 se chama Foda-se, um mantra eletrônico groovado servindo de base para um texto libertário, escrito por Dani Black, declamado por Junior.
Ele mostrou as demos do álbum para seu amigo, o americano Sebastian Krys, nascido na Argentina, que assinou a produção de Sandy & Junior de 2006, e de 9MA, da banda Nove Mil Anjos, e é dono de um grande volume de Grammys por trabalhos que vão de Gloria Estefan e Shakira a Elvis Costello. “Ele curtiu e me disse para não tomar nenhuma decisão pensando em agradar aos outros. Aquilo me deu uma injeção de ânimo incrível”, conta Junior.
Depois de anos de projetos dedicados à música eletrônica e ao rock, Junior reencontrou sua essência pop. “Voltei a dançar, a enxergar o show como um espetáculo, com marcações e coreografias. Foi nesse contexto que cresci. Pensei: Se eu quiser fazer uma parada minha, tem que ser pop. Posso ter ido viver tudo que vivi em outros gêneros, mas minha formação como artista está no pop, a minha potência está no pop.”
O pop de Solo — Vol. 1 é papo reto, mas com algumas entortadinhas harmônicas, ao gosto do autor. “É um sabor que gosto de colocar, uma parada muito minha, de tentar fugir do óbvio.” Em uma das faixas, Passar dos Danos, rola até um clima mais Bossa Nova na frase do piano elétrico, combinada com citação de Cotidiano, de Chico Buarque, na letra. Nos vocais, Junior alterna suavidade, tensão e eventual acento soul, conforme as necessidades interpretativas. E sabe usar a seu favor efeitos, dobras e recursos de estúdio. Além de excelente músico, ele é hoje um artista com total cabeça de produtor. Ninguém passa por mais de dez anos de experiências eletrônicas (no Dexterz e no Manimal) sem ser profundamente transformado.
O lado baterista aparece com mais destaque na faixa de abertura, o balanço De Volta pra Casa, com baixo programado e tocado — por Dudinha, velho companheiro desde os tempos de Soul Funk, a banda que Junior montou em 2005 para tocar covers no Na Mata Café, em São Paulo. O arranjo inclui viradas que remetem ao hit dos anos 80 Easy Lover, de Phil Collins e Phillip Bailey, feitas com rotontons míticos em uma Ludwig Vistalight (a bateria preferida de John Bonham, do Led Zeppelin). A faixa também é a primeira a ganhar clipe, com direção de Belinha Lopes, filmada em um hangar, Junior é o protagonista do vídeo, canta e dança, enquanto interage com a câmera.
Acostumado a co-produzir discos desde Identidade (2003), Junior assina a produção de todas as faixas do álbum junto com Felipe Vassão (de elogiados trabalhos de Emicida) e Lucs Romero. Ele não conhecia Vassão pessoalmente, mas os dois entraram em sintonia desde o primeiro almoço. “O cara curtiu todas as faixas que eu mostrei, não queria jogar nada fora. É mais louco que eu”, brinca Junior. Vassão indicou Romero, que já tinha chamado a atenção de Junior pelo trabalho com a Fresno. E a identificação foi imediata, a partir da paixão mútua pelo software de produção Ableton. “A gente se encontrou bem demais no processo. Todo mundo sabe trabalhar em equipe. Sem ego, sem julgamento. Sempre a favor do som, em prol da música.”
O time de colaboradores teve talentos menos conhecidos, como Thalles Horovitz, de crucial contribuição em quatro composições deste Volume 1 (e mais outras tantas no Volume 2), e nomes de maior projeção, como Lucas Vaz, que atua com alguns dos principais nomes da linha de frente do pop brasileiro, como IZA, Luísa Sonza e Pocah, e co-produziu três faixas. A hitmaker mineira Bibi (Gabriele Felipe), fornecedora de sucessos para Anitta e Pabllo Vittar, é uma das parcerias junto com Thalles e Mayra Arduini de De Volta pra Casa. A jovem curitibana Vivian Kuczynski toca, co-produz duas músicas e participa de três como co-autora. Ela, Jenny Mosello (outra curitibana que co-assina quatro faixas), e a carioca Bárbara Dias, formaram uma importante ala feminina nos camps (sessões coletivas) criativos de composição. Veio de Jenny a sacada do título de Passar dos Danos, que também tem contribuição do hitmaker gaúcho Vitor Kley e de Lucas Nage. Quem também soma ao time são Pablo Bispo e Ruxell em 3 faixas (uma no volume 1 e as outras duas no próximo), nomes por trás de sucessos de IZA, Anitta, Pabllo Vittar e mais.
Nesse esquema de trabalho, trocas mais orgânicas deram origem a algumas das melhores composições do álbum, como o irresistível funk Gatilho, surgido a partir de uma conversa na hora do café e complementado instantaneamente numa inocente passadinha pelo estúdio, a caminho do banheiro. Grande parte do repertório tem apelo dançante, mas jamais cai no vazio ou no discurso apelativo. Pelo contrário: Paraquedas, faixa de encerramento, trabalha o dançar pra não dançar, fazendo uma crônica sensível de dias difíceis para a humanidade.
Dentro da diversidade do que pode ser descrito como pop adulto, Solo — Vol. 1 tem ainda espaço para a sensualidade R&B angustiada de Ninguém é Santo e para duas canções com potencial para ficar no repertório de Junior por décadas. Ambas foram inspiradas pela paternidade, mas musicalmente seguem caminhos distintos, assim como as personalidades dos homenageados. O Dom é um épico para arrepiar arenas, presente de pai para filho de Xororó, que Junior soube complementar com sensibilidade em vocais arrojados, letra — endereçada ao pequeno Otto, seu filho mais velho — e arranjo (com belo trabalho de guitarra de Filipe Coimbra). Já Novo Olhar, docinho de timbres oitenteira embalado por synth bass e baixo de verdade, é uma declaração de amor para a filha Lara, mas também se presta a animadas playlists noturnas ou de corrida. Uma das possíveis leituras deste álbum passa por forças, afetos e talentos que atravessam gerações. It’s a family affair (é um assunto de família), diria um fã de soul music, emocionado, mas sem parar de dançar.
Junior — Solo — Vol. 1
- De Volta pra Casa (bibi, Mayra, Junior, Thalles Horovitz)
- Sou (Tony, Kleber, Junior, Xororó)
- Tentando Acertar (Barbara Dias, Thalles Horovitz, Jenni Mosello, Junior, Lucas Romero)
- Passar dos Danos (Lucas Nage, Jenni Mosello, Junior, Vitor Kley)
- Foda-se (Dani Black, Junior)
- Gatilho (Vivian Kuczynski, Barbara Dias, Lucas Nage, Jenni Mosello, Junior)
- Ninguém é Santo (Junior, Vivian Kuczynski, Barbara Dias, Filipe Toca, Felipe Vassão)
- O Dom (Tony, Kleber, Junior, Xororó)
- Novo Olhar (Junior, Thalles Horovitz, Felipe Vassão)
- Paraquedas (Jenni Mosello, Thalles Horovitz, Deco Martins, Junior)
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*Crédito da foto de destaque: divulgação/Folha UOL