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Resenha | Maid: um misto emocionante de maternidade, relações abusivas e superação feminina

Maid é uma história emocionante e sensível, que une mulheres e suas jornadas, relações abusivas, maternidade e superação emocional

ALERTA DE GATILHO: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA/RELAÇÕES ABUSIVAS

[Contém spoiler]

A narrativa da primeira temporada de Maid aborda temas complexos demais para serem ignorados, e isso por si só já torna a história uma grande provocação para uma sociedade com homens doentes e mulheres cansadas, com pessoas se entrelaçando em caminhos confusos e problemáticos. Mas a verdade é que é uma bela história de superação.

Alex é uma mulher frustrada com a sua vida, dentro de uma relação abusiva, com uma família complicada e uma filha para sustentar. Quando ela decide abandonar o marido alcoólatra e violento, levando a filha de três anos, no meio da noite, toda a sua história muda.

Maid é uma minissérie pesada, e isso não se discute. Temos agressão emocional e verbal logo no primeiro episódio, com o desespero de uma mulher para se manter intacta e de uma mãe que quer o melhor para sua filha.

Não existem frases curtas para falar sobre a série. Exceto essa afirmação anterior. Então decidimos fazer uma resenha que disseca a vida de Alex (Margaret Qualley) e toda a sua luta por espaço, superação e liberdade.

Mas vale sempre lembrar: Maid é uma história de amor incondicional.

Stephanie Land

Foto: divulgação

Não podemos começar a falar de Maid sem conversar sobre as origens dessa história.

A grande inspiração veio de um livro homônimo, publicado por Stephanie Land. O site Goodreads descreveu o livro como uma história que explora o ponto fraco da classe média alta da América, e como uma forte exposição da pobreza.

Stephanie Land escreveu essa obra inspirada na sua época de faxineira. Ela limpava casas de pessoas de classes mais altas para poder sobreviver e sustentar seus filhos. E nessa fase ela colheu muitas informações sobre essas pessoas, e lhes presenteou com um livro sobre seus luxos comparados com a necessidade de sobreviver ao mundo.

Não é impossível perceber que desde que os EUA começou a crescer de forma financeira e se tornou uma grande potência mundial (depois de muitas guerras e jogos de poder), eles tentam vender para o resto do mundo uma imagem idílica sobre as condições de vida por lá. Falam sobre famílias estruturadas, casas boas e confortáveis, maridos carinhosos e vivência coletiva extremamente agradável. Quase nenhum produto de audiovisual expõe o outro lado da moeda. Mas Maid é uma narrativa de coragem.

“Uma das coisas que mais me orgulha nesta série é ser tão emocionalmente verdadeira com o livro. Há personagens e histórias que não estão na obra, mas acredito que, emocionalmente, a série conta uma história similar e que ambos têm o mesmo fim e a mesma mensagem”, disse Molly Smith Metzler, showrunner de Maid.

Assim como Alex, Stephanie passou anos vivendo abaixo da linha da pobreza, existindo com auxílios do governo e com um salário miserável que recebia de uma empresa de faxina que a contratou. O sonho de Stephanie, tal como o de Alex, era ser escritora, e ela se viu em todos os tipos de situações de desespero para poder sustentar a si e a filha, enquanto estudava e lutava por um diploma.

Relações abusivas [GATILHO]

Foto: divulgação

Se já sentimos o peso da trama triste por saber que Alex é inspirada em uma pessoa real, imagine ver os problemas de Stephanie Land – e milhares de outras mulheres – sendo exposto na tela com tanta realidade.

Sean (Nicki Robinson) é um marido abusivo, que usa de abuso emocional e psicológico para manter Alex sob sua vigilância constante, e manipula muito de seu temperamento agressivo para trazê-la de volta a todo custo.

Com o discurso do alcoolismo, Sean conquista certa simpatia piedosa por sabermos de sua doença com o vício no álcool, mas quando o vemos quebrar coisas, usar de abuso moral e se aproveitar da vulnerabilidade de Alex por conta da filha, sentimos que nem toda dependência química do mundo é capaz de lhe render perdão.

Maid trata com realidade, e corre o risco de ser sincericida, sobre agressão doméstica. É difícil não sentir mal estar, até mesmo quando não passamos por aquela exata situação.

Sean é mais um homem dentre todos aqueles que formam uma lista de mais de 80 mil mulheres agredidas ao redor do mundo. Com cenas fortes em que ele quebra coisas e taca objetos em Alex, momentos em que ele abusa da substância do álcool e destrói o pouco que ela já tentou reconstruir, com a fuga de Alex e seu sono no acostamento da estrada, somado aos momentos em que ele usa de tons agressivos e demonstra grosseria até mesmo com a filha, são pontos certeiros em uma sociedade falida, cheia de relações amorosas que são desastres absolutos.

É ainda mais desesperador perceber que Alex também é uma filha do abuso doméstico. O abandono do pai na sua hora de necessidade já é um grande indicativo de que, não à toa, Sean é sempre um pobre coitado perante seus olhos, enquanto a mãe, desligada da relação com a filha, pensa que os problemas com Sean não são tão graves assim.

Mas como uma vítima de abuso doméstico, não tratada sobre seus traumas, veria problema em um homem psicologicamente abusador? Temos que partir do ponto que, mesmo parecendo absurdo: os traumas das mães vítimas dessas relações podem ser cruciais para que não vejam isso em seus genros igualmente abusivos especialmente quando elas querem acreditar que suas filhas estão seguras.

Crianças nascidas dos traumas

Foto: divulgação

Como um assunto puxa o outro, o nosso próximo pontinho vermelho no mapa da vida de Alex é a dor de crianças que saem de relações como essa.

Quando o público começa a perceber os sinais de que Alex está fugindo de um homem agressivo, e não o primeiro em sua vida, começa a entender que a disfunção familiar a tornou alguém disposta a suportar certas situações, afinal, Sean é o pai da sua filha. E sobre voltar para ele? Por que não? Se sua própria mãe foi capaz de aguentar tanto de seu pai, e depois procurar por homens que fizeram as mesmas coisas que ele com ela, como ela se atreveria a não continuar no poço sem fundo que é sua relação com Sean?

Mas será mesmo que apenas ela é uma filha de uma relação doente?

Sean é um personagem interessante nesse aspecto. Quando dissemos que ele gera certa empatia piedosa, não é só porque Nicki Robinson tem um rostinho fofo, mas sim porque ele expressa suas questões familiares com mais frequência que Alex.

Enquanto ela usou de seu trauma para se tornar uma pessoa passiva e se permite ser saco de pancada, Sean usa de sua infância conturbada, com sua mãe dependente química (a mãe de dele é uma ex-usuária de drogas pesadas), para se aconchegar ainda mais no seu alcoolismo. Ele é uma criança tão ferida quanto sua ex-esposa, mas sua forma de lidar com isso foi começar a usar substâncias lícitas, ainda na infância, para lidar com o peso da sua família complicada.

Isso é deixado bem claro quando Alex está conversando com Nate (Raymond Ablack) e pergunta se ele cresceu em um lar com pais casados e felizes. Para Alex, Nate nunca vai entender as coisas que a fizeram se sentir ligada emocionalmente a Sean, e como ela passa por cima (com facilidade) das coisas que a própria mãe faz. E a verdade é que Nate não vai entender mesmo. E provavelmente mais ninguém vai entender. Só quem passou por experiências parecidas.

Na minissérie também conhecemos um personagem curioso e completamente desencontrado em toda a trama central: Barefoot Billy. Esse personagem não é desenvolvido, porque ele não tem uma importância direta para a história, mas ele está ali, presente como uma sombra na floresta. É por causa dele que Alex descobre alguns de seus traumas, e nesse momento a trama discursa um pouco sobre abuso familiar com suas crianças de uma forma mais direta.

Para entender melhor sobre o Billy, você pode ler essa matéria, mas é importante para o nosso texto que você perceba que Maid trata sobre crianças machucadas, tanto de formas agressivas, como o pequeno Billy ou o próprio Sean, como de formas mais passivas, como a Alex ou sua filha Maddy (Rylea Nevaeh Whittet) – que, inclusive, reproduz comportamentos de defesa da própria mãe quando criança.

E os padrões comportamentais?

Foto: divulgação

E já que estamos falando sobre traumas e crianças feridas, por que não falar sobre o Nate?

Ele é um homem gentil, amigo antigo de Alex, e não hesita em ajudá-la em todas as questões que ela precisa. Seja uma carona, um carro emprestado, seja o seu sofá. Nate tinha tudo para formar um par ideal, se Maid não fosse tão visceral e realista.

Enquanto assistimos, torcemos para que Alex não fique com Nate, não porque ele seria ruim para ela, mas pelo pensamento: “e se ele for?”

Apesar de ser sempre muito afetuoso e gentil, de estender a mão para Alex e tentar ser uma figura masculina reconfortante para a pequena Maddy, Nate tem tudo para ser o esquerdomacho perfeito, e isso assusta muito, mesmo que a gente chegue a acreditar que ele goste mesmo da Alex.

Quando começamos a ver ele forçar uma certa situação, ou insinuar esperanças de ser mais do que um bom amigo para ela, nos perguntamos se o Nate bonzinho é mesmo tão bonzinho, porque ele começa a soar um mau-caráter dos grandes. Quando Alex assume ter tido uma noite intensa com sua mãe e ter se entregado para uma recaída ao lado de Sean, que naquele momento estava tentando ser um bom pai e bom amigo para ela, Nate deixa de ser tão bonzinho assim.

Não estamos dizendo que o Nate deveria manter ela por perto depois do que houve entre ela e o Sean, mas se ele era um homem bondoso, também divorciado e que estava vendo a situação de desespero daquela amiga antiga e sua filha, não poderia tentar entender que recaídas acontecem? Em um mundo perfeito, o Nate olharia isso com olhos empáticos e seguiria o conselho do filme Simplesmente Complicado (2010), de que algumas relações precisam de uma segunda chance para ter certeza de que acabaram.

Óbvio que se tratando de uma relação abusiva, terminar nunca deve ser vista como uma oportunidade de perdão e segunda chance, mas só quem pode decidir isso é o casal envolvido. Não julgamos o Nate por seu coração ferido, mas por ele ter criado expectativas quando sabia que a Alex precisava de um tempo para entender todos os seus próprios problemas.

A (não) Alex do futuro

Foto: divulgação

Se vamos falar sobre saúde mental em Maid, temos que olhar com simpatia para a mãe de Alex, Paula (Andie MacDowell).

Paula é uma mulher com uma infância obscura para o público, mas se descobre que ela tem tendência a entrar em relações abusivas e que se mantém nelas. Enquanto cria uma realidade alternativa em sua cabeça, na qual tudo é feliz e nada pode dar errado em suas relações, Paula escapa de um marido cruel e corre para outro, sem nem perceber o que está fazendo.

Passamos os 10 episódios da minissérie torcendo para que ela se integre ao grupo de mulheres que Alex se viu obrigada a frequentar, e que use isso a próprio favor, para aprender que seus traumas são passíveis de conserto. Mas enquanto não vemos esse encontro de Paula com pessoas como ela, aprendemos a descobrir os poréns dessa personagem, que sofre suas dores de formas novas e intensas, que sente tudo como arte e que tenta superar seu passado com uma visão apaixonada pela vida.

Talvez Paula seja a inventora dos nomes chiques para situações horríveis, especialmente quando a vemos usar um estacionamento de loja de departamentos como casa, e insistir que aquele é um convívio coletivo. Mas não é bobagem quando ela floreia as coisas que está passando, porque esse é o seu próprio escudo contra um passado doloroso que ela não está pronta (ou disposta) a enfrentar.

Alex passa todo o tempo dizendo que a mãe é problemática, complexa e que tem bipolaridade não diagnosticada, mas a verdade que vemos ali é outra. Claro que ela talvez até seja mesmo bipolar, mas não existe uma prova de que todas as coisas que diz e faz não sejam apenas parte do seu jeito de lidar com suas próprias questões. E é doloroso ver sua filha recusando isso de forma bruta, só porque seu jeito de lidar com os problemas parece menos excêntrico que o de sua mãe. Mas não seríamos todas um tipo de imagem melhorada das dores de nossas próprias criadoras?

O curioso da trama é que Andie MacDowell e Margaret Qualley, Paula e Alex, respectivamente, são mesmo mãe e filha. Isso aumenta o peso das situações e gera uma tensão no público que teme por conflitos maiores entre as duas. É surpreendente ver a força de uma mãe apaixonada por sua filha e por sua força feminina, e é ainda mais curioso ver como Paula rejeita a forma com que Alex enfrenta seus problemas de forma tão intensa quanto o oposto.

Maid preza pelas relações de maternidade e toca em temas sobre ciclicidade familiar e comportamentos repetidos, assim como fala sobre superação feminina em diferentes bolhas e visões.

Essa minissérie é fantástica e merece toda a atenção do mundo, e também nos alegra com a possibilidade sobre uma segunda temporada – mesmo que já saibamos que não seria sobre a Alex, afinal de contas, a sua história já foi completamente contada.

Agora corre lá nas nossas redes sociais – Twitter, Insta e Face – e conta pra gente a sua opinião sobre Maid, e sobre a sua possível sequência. Estamos te esperando!

*Crédito da foto de destaque: divulgação

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Resenha | Onde Fica o Paraíso: uma história emocionante e visceral, para ser assistida e amada

Onde Fica o Paraíso tem uma narrativa linda e comovente, envolve o público e implora por ser assistida e sentida

[Contém spoiler]

Se você se lembra do meme “não sei nem dizer, só sei sentir”, já está de coração pronto para assistir Onde Fica o Paraíso. Esse filme é lindo, comovente e visceral, com um roteiro feito para ser amado.

Com atuações exemplares, Onde Fica o Paraíso conta sobre Alice Lamb, interpretada por Gemma Arterton quando jovem e por Penelope Wilton na velhice. A protagonista mora em uma pequena cidade inglesa, sozinha, e é conhecida por ser insensível com as crianças e impaciente com os adultos.

Tudo muda com a Segunda Mundial e a evacuação das crianças da capital para o interior. Sem expectativa nenhuma de fazer parte daquilo, a Alice jovem recebe um menino em idade escolar em sua casa, o jovem Frank (Lucas Bond).

Mesmo não tendo se voluntariado para cuidar de nenhuma criança e repudiando a ideia de qualquer criança perto de si, ela aceita o menino quieto e educado que é deixado em sua porta.

Com tramas e mais tramas, Onde Fica o Paraíso entrega uma história de amor, delicadeza e superação.

Mitologia

Foto: divulgação

Alice Lamb é uma escritora de teses científicas. Ela escreve sobre os mitos antigos, como a fada Morgana, por exemplo, e dá explicações científicas para todas aquelas histórias que parecem contos de fadas.

Por causa disso, o filme conta vários trechos sobre contos mitológicos e explora algumas dessas narrativas para ilustrar o imaginário infantil.

O nome original do longa já indica isso ao público, já que se chama Summerland. É explicado, em certo momento da trama, que Summerland é o lugar para onde as almas vão, segundo o paganismo ancestral, depois da morte.

A gente já explicou um pouco sobre como o cinema retrata as bruxas naturais e a cultura pagã, mas esse filme passou despercebido na lista por não ser sobre bruxaria exatamente.

Alice é, constantemente, chamada de bruxa pelas crianças locais, e por isso faz tanto sentido ter esse tema no longa, mesmo que na verdade ela nem acredite em qualquer crença religiosa. Porém, Alice Lamb é uma mulher sábia e estudiosa, e usa de seus conhecimentos para falar sobre o paganismo de uma forma científica.

Summerland ainda é a Terra do Mortos para praticantes da religião Wicca, e é chamado assim porque é um lugar como o nosso, mas com um verão permanente, habitado por seres mitológicos e deuses, onde podemos renascer como seres de luz e de magia. E é exatamente assim que Frank aprende a lidar com a morte e com o que é feito com todas as vidas que estão sendo perdidas na guerra.

A delicadeza de escolher essa forma de falar sobre a perda é imensa, e nos apaixonamos pelo conceito de se falar assim para crianças que não entendem muito bem o que fazer com suas dores.

Um romance de tirar o fôlego

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Onde Fica o Paraíso é um filme sobre a Segunda Guerra, mas que só a usa de cenário para algo maior.

O filme fala sobre como era quase impossível uma relação homossexual na década de 1940, e enquanto eu via Alice contar ao Frank sobre o amor de uma forma leve, só era capaz de pensar em Virginia Woolf escrevendo sobre o mesmo tema seu livro Mrs. Dalloway. A representatividade era nula, o existir era impossível e o espaço era um sopro de desespero entre pessoas prontas para tentar viver em uma sociedade machista.

Mas passando por cima de tudo isso, Onde Fica o Paraíso expande os horizontes e prova que algumas pessoas não se permitem viver infelizes por causa de escolhas sociais ou conceitos. E mesmo com as cenas em que é deixado claro todo aquele peso de se ser lésbica em uma realidade muito mais homofóbica do que a que vivemos hoje, o preconceito é um tapa na nossa cara, mas de uma forma que reflete sobre enfrentamento e superação.

Onde Fica o Paraíso também prova que não existe nada mais forte do que o amor, e que um amor só pode ser superado por um sonho que envolva um amor ainda maior e mais incondicional, o que torna a narrativa ainda mais apaixonante.

A simplicidade com que Frank também é confrontado com aquela realidade homoafetiva também é doce, e chega a ser poética. Não tem como não amar a sutileza de Alice quando vemos seus muros começando a cair, e a vemos deixar a pele de alma solitária para se tornar alguém mais caridosa e gentil.

Maternidade

Foto: divulgação

É importante lembrar que Onde Fica o Paraíso é um filme sobre maternidade não planejada. Mesmo que Frank não tenha saído de Alice, ele foi entregue a ela por alguém que confiava nela mais do que qualquer outra pessoa, e que via nela uma segunda mãe para ele. E ela foi se tornando exatamente o que essa pessoa esperava dela.

Quando Vera (quando jovem interpretada por Gugu Mbatha-Raw) manda seu único filho para Alice, sua escolha é calculada. Foi ela quem abandonou aquela relação porque queria ser mãe, foi ela que escolheu ter uma vida socialmente aceita e heterossexual por seu sonho gerar um bebê. Mas Alice foi escolhida: antes por Vera, e depois pelo próprio Frank, que se apaixonou pela mãe postiça que lhe deram, e que a enxergou como a pessoa em quem ele mais poderia confiar.

Também podendo ser visto como um tipo de adoção tardia (que é um tema muito importante entre os casos de adoção), a relação dos dois cria esse impacto sobre o público de Onde Fica o Paraíso, e expande sua importância em uma sociedade que ainda preza pela adoção (quando a enxergam com bons olhos) apenas de bebês e crianças pequenas.

Vale ressaltar que a maternidade não é sempre uma escolha de todas as mulheres. Algumas de nós não se sentem desejosas desse papel e recusam as causas e efeitos de uma criança em suas vidas, porque nem toda mulher tem instinto materno. O filme lida com isso de forma gentil também, e apresenta uma Alice que nunca quis ser mãe, e que não entendia o ponto de vista de Vera, e mesmo sendo obrigada a adotar Frank, ela ainda não tinha o instinto maternal.

Se você assistir ao filme esperando que a adoção possa despertar em Alice esse instinto, vai se frustrar. Ela, na verdade, se torna uma amiga para o menino, e passa a vê-lo como um amigo também. No futuro, quando ela assume de volta o papel de importância que tinha na vida de Vera e então o adota como parte de sua família, ela ainda não sente que Frank despertou seu instinto materno (já que ela continua não gostando de crianças). Ela decidiu amar Frank como um filho, mas não de forma maternal, apenas por um amor anterior por sua mãe. E isso também é lindo!

Foto: divulgação

Agora conta pra gente se você já assistiu e o que achou do filme. Ou se essa resenha te inspirou para assistir a obra. Te esperamos lá nas nossas redes socais: Twitter, Insta e Face.

*Crédito da foto de destaque: divulgação

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GRACINHA: álbum visual de Manu Gavassi estreia hoje e está mesmo uma gracinha

GRACINHA, o álbum visual, tem direção criativa e roteiro de Manu Gavassi e co-direção dividida entre ela e Gabriel Dietrich

Nesse universo lúdico que mistura Kurt Cobain e Clarice Lispector, o inesperado se conecta, se transforma, se completa, e transforma o cenário de aceitação e novidades de Manu Gavassi em algo maior. Uma história pessoal e, ao mesmo tempo, lúdica sobre identidade, libertação e renascimento para nossa amada Manu Gavassi.

Lançado nesta sexta-feira (26 de novembro), com exclusividade pelo Disney+, o filme está intrinsecamente ligado à narrativa já apresentada por Manu Gavassi no álbum de mesmo nome que chegou às plataformas de streaming duas semanas antes, no dia 12 de novembro.

Capa de GRACINHA com Manu Gavassi de frente para a câmera e o logo da Disney+ na parte inferior
Foto: divulgação/Disney+

A produção do projeto é assinada pela F/Simas, escritório que gerencia a carreira da artista e que também atua como produtora de conteúdo no mercado audiovisual. A direção de fotografia foi de Nicholas Bluff, direção de arte foi assinada por Ana Arietti, a direção de coreografia ficou com Maitê Molnar, a direção de maquiagem por Krisna Carvalho e Carol Roquete foi a diretora de figurino.

Com o elenco principal sendo composto por João Côrtes, Paulo Miklos, Ícaro Silva, Fábio Porchat, Titi Ewbank Gagliasso, Amaro João de Freitas Neto, Samuel De Saboia, João Mandarino e, é claro, Manu Gavassi, o nome dos personagens foi propositalmente omitido deste texto para evitar estragar as surpresas do filme.

GRACINHA é tão assombrosamente autobiográfico que começou a germinar com a música Eu Nunca Fui tão Sozinha Assim, em que Manu Gavassi questiona a popularidade adquirida durante a estadia na casa mais vigiada do Brasil. Ao deixar Curicica, ela se viu em uma realidade que não era familiar (a nossa, em meio a pandemia do coronavírus) e ainda tendo que carregar uma tonelada de peso nos ombros, graças ao ótimo trabalho de marketing realizado durante a passagem pelo reality da Globo.

Manu Gavassi vestida de preto e segurando plantas pretas, com fundo de tule branco com flores também brancas
Foto: divulgação/Disney+

Neste período, Manu Gavassi entendeu duas coisas sobre si mesma: fazer piada sobre suas falhas era autodefesa; e era hora de mudar para não ser refém dessa mesma personagem. 

Em dezembro de 2020, escreveu GRACINHA, a música-título para o projeto. Em um sonho – sonho no sentido literal da palavra – a narrativa do álbum visual se apresentou quase completa. A história gira em torno dessa bailarina de teatro que questiona o zeitgeist e o que significa ser artista, enquanto tenta se desvencilhar de quem enxerga a arte como número. Para ela, arte é sensação, toque na pele, é dança e expressão, e não ingressos vendidos. 

Tudo cresceu a partir dali, quase um ano antes do lançamento. Manu apresentou a proposta para a plataforma Disney+ em dezembro, no final de janeiro gravou o disco e, entre março e abril de 2021, filmou o álbum visual. Neste meio tempo, durante três meses, cursou balé contemporâneo para dar conta de todas as performances do vídeo. 

Enquanto buscava uma locação, Manu se encantou pelo Teatro Municipal Casa da Ópera, em Ouro Preto. A cidade (e o espaço) ofereciam uma qualidade atemporal que a narrativa de GRACINHA pedia, com suas ladeiras de ruas de pedra e edificações de séculos que se passaram. 

Para gravar em uma cidade com uma das maiores heranças escravocratas do Brasil, GRACINHA subverte a história real: no trono, como rei e rainha dessa jornada, estão Loic Koutana e Anna Luiah, resplandecentes e preciosos, ampliando a narrativa do trabalho.

Meio escondido, como se fosse um easter egg dos filmes da Marvel e da Pixar, se encontra uma citação de Smells Like Teen Spirit, de Kurt Cobain: “Agora, aqui estamos, nos entretenha”, berrava o vocalista do Nirvana. No Universo Cinematográfico de Manu Gavassi, o trecho surge em cena no convite para a apresentação da Gracinha, cuja volta aos palcos é aguardadíssima por aquela sociedade. Sim, isso é uma crítica à obrigatoriedade de entreter e, principalmente, é uma exaltação à liberdade.

Já no ápice da sua jornada, a heroína lê um trecho de um texto de Clarice Lispector: “O mecanicismo exige e exige a minha vida. Mas eu não obedeço totalmente: se tenho que ser um objeto, que seja um objeto que grita”.

Manu Gavassi e dançarinas em formação em V
Foto: divulgação/Disney+

Manu Gavassi se recusa a ser quem exigem que ela seja. Libertando-se de uma imagem criada para si pelos outros – e despindo-se corajosamente da personagem que usou por tanto tempo para se proteger –, ela cria um corajoso álbum visual rico em detalhes, conta uma jornada inspiradora e mexe com as estruturas do pop brasileiro com um formato que não se vê por aqui.

Você também não vê a hora de assistir esse espetáculo perfeito da Manu Gavassi? Conta pra gente lá nas redes sociais: Twitter, Insta e Face.

*Crédito da foto de destaque: Divulgação

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Intrínseca: lançamentos de dezembro incluem Neil Gaiman e Jojo Moyes

Títulos de dezembro têm Neil Gaiman de destaque e conta com mais uma publicação de Jojo Moyes no Brasil

A gente ama a Editora Intrínseca, e para não ficar sem falar dela por muito tempo por aqui, reunimos as publicações de dezembro e vamos contar um pouco mais sobre cada uma delas.

1º DE DEZEMBRO – Deuses Americanos: Ainsel, Eu Mesmo (Neil Gaiman, P. Craig Russell e Scott Hampton)

Capa do livro Deuses Americanos, de Neil Gaiman
Foto: divulgação/Amazon

Clássico de Neil Gaiman, Deuses Americanos ganhou uma trilogia em quadrinhos com as cores e as artes vibrantes de P. Craig Russell e Scott Hampton.

Em Deuses Americanos: Ainsel, Eu Mesmo, segundo volume da adaptação, Shadow e Wednesday continuam sua jornada misteriosa pelas entranhas dos Estados Unidos, em busca de aliados para uma guerra pelo poder de não ser esquecido num mundo em que memória, fé e devoção são tão instáveis quanto os deuses que as inspiram. Com um novo nome e instalado em uma cidadezinha gelada, Shadow Moon agora é Mike Ainsel e torce para que sua nova identidade o mantenha a salvo. Porém, logo descobre que seu destino está mais interligado aos deuses — e suas disputas cada vez mais fatais — do que ele imagina. Com esboços da arte e dos layouts originais, a HQ é um exemplo máximo da narrativa lúdica e ao mesmo tempo visceral de Neil Gaiman, que, ao falar sobre deuses, fala sobre todos nós.

2 DE DEZEMBRO – A Loja dos Sonhos (Jojo Moyes)

Capa do livro A Loja dos Sonhos, de Jojo Moyes
Foto: divulgação/Amazon

A Loja dos Sonhos é o terceiro livro publicado por Jojo Moyes, autora dos best-sellers A Última Carta de Amor e da trilogia Como Eu Era Antes de Você. Na história que será lançada pela primeira vez no Brasil, conhecemos Athene, uma jovem mimada e incontrolável que abraçou a década de 1960 como poucos.

Mais de trinta anos depois, sua filha, Suzanna, está de volta à cidade natal que durante muito tempo foi palco das confusões da mãe. Seu casamento está em crise, e ela tem dificuldades para se desvencilhar do passado, mas logo Suzanna encontra uma forma de recomeçar: abrir o próprio brechó. Com personagens inesquecíveis e trazendo o melhor da literatura de Jojo, A Loja dos Sonhos mostra como é possível encontrar segurança e redenção nos lugares mais improváveis.

3 DE DEZEMBRO – O Livro do Conforto (Matt Haig)

Capa do livro O Livro do Conforto, de Matt Haig
Foto: divulgação/Amazon

No mundo estressante e imediatista em que vivemos, é cada vez mais comum que as pessoas desenvolvam doenças como transtorno de ansiedade e depressão. Sentimentos de angústia, medo do futuro, vazio e profunda tristeza podem chegar de mansinho e, às vezes, parece que nada vai melhorar. Mas vai.

Essa é a mensagem principal de O Livro do Conforto. Matt Haig, que superou ele próprio momentos sombrios de depressão, oferece um compilado de reflexões, listas de músicas e filmes para relaxar, conselhos e pequenas doses de esperança que podem ajudar você a atravessar momentos difíceis ou a se fortalecer quando eles surgirem. Como a sabedoria de um amigo ou o conforto de um abraço, a obra é ideal para os momentos em que você quiser simplesmente comemorar o milagre incompreensível de estar vivo.

6 DE DEZEMBRO – A História de Shuggie Bain (Douglas Stuart)

Capa do livro A História de Shuggie Bain, de Douglas Stuart
Foto: divulgação/Amazon

Glasgow, 1981. A cidade está morrendo, a pobreza aumentando e a esperança desaparecendo. Agnes Bain sempre esperou por mais. Quando seu segundo marido, um taxista mulherengo, sai de casa, ela e os três filhos se veem presos em uma cidade mineradora dizimada pela política da então primeira-ministra, Margaret Thatcher.

Enquanto Agnes se entrega cada vez mais ao álcool em busca de conforto, seus filhos tentam salvá-la, mas um a um vão desistindo porque precisam salvar a si mesmos. O único que não cede é Shuggie. Agnes quer apoiar e proteger o filho, mas a força de seu vício é tamanha que atinge todos ao redor, inclusive seu amado Shuggie. Vencedor do Booker Prize 2020 e assinado por Douglas Stuart, A História de Shuggie Bain é um livro de estreia comovente sobre o amor irrestrito e inexplicável que somente as crianças sentem por seus pais

8 DE DEZEMBRO – Arte Importa (Neil Gaiman)

Capa do livro Arte Importa, de Neil Gaiman
Foto: divulgação/Amazon

“O mundo sempre se ilumina quando você faz algo que não existia antes”, diz Neil Gaiman na epígrafe de Arte Importa, uma reunião de quatro textos breves e inspiradores do escritor sobre o fazer artístico.

Crença, Fazendo uma cadeira, Por que nosso futuro depende de bibliotecas, leituras e devaneios e Faça boa arte mostram como ler, imaginar e criar livremente podem ser elementos revolucionários capazes de mudar o mundo. Com as artes de Chris Riddell, ilustrador da edição especial de Coraline publicada em 2020 pela Intrínseca, Arte Importa é um livro emocionante e necessário, um apelo inspirador à imaginação e à coragem de criar em meio a momentos difíceis.

10 DE DEZEMBRO – Os Números não Mentem (Vaclav Smil)

Capa do livro Os Números não Mentem, de Vaclav Smil
Foto: divulgação/Amazon

É perigoso voar de avião? O que é mais nocivo para o meio ambiente: um carro ou um celular? Qual é o peso somado de todas as vacas do mundo e por que essa pergunta é importante? É possível medir a felicidade? 

Essas e outras perguntas são respondidas em Os Números não Mentem. Na obra, Vaclav Smil nos convida a embarcar em uma viagem fascinante em busca de dados que desafiam nossas ideias preconcebidas. Ao longo dessa empolgante reflexão sobre temas do mundo moderno, o leitor passa a enxergar com novos olhos o impacto das transformações na sociedade e no meio ambiente. Os 71 textos divididos por temas, como A Energia que nos Move e Nações na Era da Globalização, são um incentivo para deixarmos de lado algumas certezas, quando o que temos a ganhar é o conhecimento verdadeiro.

Esses são os lançamentos da Editora Intrínseca para dezembro, agora conta pra gente qual deles você quer ler. Estamos te esperando lá nas redes sociais: Twitter, Insta e Face.

*Crédito da foto de destaque: divulgação

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Entrevista | Bruxa Cósmica: Relação com a bruxaria de verdade e universo artístico

Bruxa Cósmica é uma artista irreverente, forte e comanda a cena de Ballroom nacional nesse momento, e tem tudo para te conquistar em cada resposta

Bruxa Cósmica é um sucesso visual e musical, presente dado ao grande público do movimento Ballroom, e apesar do nome artístico curioso, usa a pele física de Victórya Devin, nascida em Governador Valadares, em Minas Gerais.

Ela é performer, coreógrafa, cantora e compositora, cursando Arte Corporal pela UFRJ, e já foi nomeada Legendary Mainstream da América Latina pelo Icon José Xtravaganza, father do coletivo House of Xtravaganza, fundado em Nova York, em 1982, e coreógrafo da mega turnê Blond Ambition, de Madonna. Ou seja: ela é perfeita no que faz e arrasa as estruturas por onde passa.

Victórya também é a representante da House of Xtravaganza no Brasil e em toda a América Latina, como Princess desde 2020.

Bruxa Cósmica com o rosto coberto com uma máscara de renda, encarando a câmera diretamente.
Foto: Divulgação/Augusto Follmman

E tem mais: Victórya acabou de ser indicada em duas categorias no Video Music Festival 2021, que rola dia 15 de dezembro, com cerimônia de premiação no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo. As categorias são Melhor Videoclipe Estreante e Melhor Coreografia em Videoclipe, ambos na modalidade nacional da premiação, e são um reconhecimento para o clipe (imperdível) de Boicote. Que, inclusive, coloca Bruxa Cósmica como diretora de arte, figurino, styling e a coreografia do videoclipe, além de compositora da faixa, claro.

“Tenho essas aptidões de também fazer os figurinos, pensar nos looks, maquiagens. Isso é uma referência que tenho de casa, com a figura de minha avó, que era costureira e uma estilista de nascença. Cresci neste ambiente de pensar nas roupas, no design, nos detalhes. Fico imensamente feliz de saber que as pessoas gostam dessa parte do meu trabalho também. A coreografia foi inspirada em caminhadas de guerra e eu inicio a sequência de dança com o catwalk, um elemento específico do Vogue, e trabalhamos outros elementos do Vogue junto, como hands performance, que são característicos da cultura. A escolha dos passos é para firmar essa dança de guerra, dança de batalha, que é o Vogue em si dentro do Ballroom, uma dança de força, resistência. A coreografia no clipe também traduz a força de nosso grupo, formado por pessoas LGBTQIA+, nossa força diante da batalha e a dança como aliada a essa batalha, por isso no cenário tem o tanque de guerra, por exemplo, tudo fazendo uma relação com o corpo ativo, o corpo pronto para lutar e se manter forte”, explicou ela sobre o prêmio. E agora, na nossa entrevista, revela mais um pouco sobre sua ancestralidade, carreira e inspirações.

Bruxa Cósmica fazendo pose para a câmera, com a perna no alto, bota prateada e roupa rosa
Foto: Divulgação/SuperNova

Entretetizei: Eu adorei que você escolheu o nome artístico de Bruxa Cósmica. Isso teve uma importância ancestral na escolha? Digo: isso tem algo que vem de algum lugar da origem da sua carreira, como um apelido ou algo assim?

Bruxa Cósmica: O nome Bruxa Cósmica se deu por conta da minha trajetória na bruxaria. Eu vim de uma família muito espiritual, tanto da parte de mãe quanto de pai, tenho descendência indígena originária por parte de pai, que foi corrompida a partir da geração da minha avó (mãe do meu pai). Com algumas evidências que conseguimos juntar, somos descendentes de Xakriabá, que é da região norte de Minas, e é muito voltado para a cura, as ervas, minha avó ainda preserva muitos desses conhecimentos. Por parte de mãe, temos conexão com religiões como a católica, a cristã e também a umbanda, porém de uma forma mais esotérica. Conheci a partir da Bíblia o quanto a religião e os dogmas criam realidades e faz você seguir essas realidades e estruturas. Com isso, fui estudando o que me favorecia dentro daquilo que eu acreditava, estudei muito do Cristianismo, estudei muito também essa relação das ervas, como podemos manipular produtos naturais para ajudarem no corpo, na mente. Fui pesquisando o que fazia sentido para mim, de forma independente, mas num sentido científico mesmo, questões neurológicas, biológicas, cognitivas que têm no nosso corpo e relacionando isso com a nossa realidade, e foi a partir daí que comecei a me iniciar na bruxaria. Recebi algum conhecimento por parte de minha avó sobre leitura de mão e fui pesquisar a partir daí a relação com a astrologia. Tudo isso comecei a estudar sozinha pela internet, fazendo pesquisas sozinha, chegando a conhecimentos aprofundados, e analisando tudo da melhor maneira, assim fui me aprofundando sobre como manipular energia, se conectar com essa energia, sobre se iniciar na bruxaria, seguir os dogmas, conectar as vertentes. Nunca me identifiquei com nenhuma vertente wicca, por ser muito afastada da minha realidade e por eu já ter essa referência indígena por parte de pai, então transformei meu ritual da bruxaria como uma pajelança, como uma forma de se conectar à energia que eu tenho ancestral mesmo, como genética, que é essa relação com a natureza. Entendo o quanto faz sentido toda a relação dos povos celtas, com as mitologias, mas para trazer isso para o Brasil, com as referências com que me identifico, precisei traduzir um poucos as coisas e trazer meu ritual para a minha terra.

Bruxa Cósmica com peruca de pedras prateadas, roupa rosa e unhas longas
Foto: Divulgação/SuperNova

E: Aliás, a sua carreira já é extensa e conta com trabalhos muito legais. O quanto isso te impulsionou para seguir como cantora e compositora fora do circuito exclusivo da dança? 

BC: Não considero minha carreira extensa, mas fico muito feliz de já ter feito bastante coisa, muitos trabalhos legais, tive muitas experiências, mas ainda me vejo iniciando, e isso me impulsiona muito (ter vivido essas experiências) porque foram um aprendizado. Vejo meus processos e projetos autorais como uma oportunidade de colocar em prática este aprendizado. É uma correlação de tudo que aprendo e de tudo que coloco em prática. Ser bailarina, estudar o corpo, ser estudante do movimento, enxergar a dança para além de um produto, me abriu muito para entender minha própria arte. Tudo tem um corpo, tudo se move, tudo tem uma corporeidade, uma história e é isso também que busco com meu canto. Continuar mantendo este respeito com a arte e com as minhas experiências e traduzir isso para que outras pessoas se identifiquem com essas experiências, se inspirem, se motivem a continuar. Sou muito motivada pelo amor, pela liberdade, por você poder ser quem você é de forma autônoma, e isso é muito difícil porque não é o dinheiro que vai te dar essa autonomia, nem alguém dizendo o que você tem que fazer, etc. Então, é através do processo de autoconhecimento e é o estudo que proporciona isso. De forma geral, eu estar trabalhando com a minha arte, dançando, coreografando, dando aula, cantando, compondo, atuando, isso tudo é um espaço de processo de aprendizado mesmo. Quando tenho a oportunidade de criar, assinar tudo isso, é um local onde me experimento. Não me cobro tanto como uma entrega a outra pessoa, sei que são trabalhos diferentes mas me permito viver uma liberdade, sem cobrança dos meus trabalhos autorais, porque estou me descobrindo como artista, estou descobrindo qual a minha marca no mundo como Bruxa Cósmica. Sei que tem muito ainda para aprender e expandir, e que isso ainda é tudo o começo dessa caminhada. 

E: Eu assisti e ouvi os seus trabalhos desse ano e adorei que seu estilo de cantar vem de algo muito próximo da recitação. Senti que é como se você fosse uma artista da época marginal (como Ana C, por exemplo), recitando e musicando temas de forma completamente poética. Você sente que esse é um trabalho que vai ganhar ainda mais público no Brasil, que ainda é um país que demonstra certo medo do novo na arte?

BC: Acredito que sim, que é uma forma popular de cantar, próximo à conversação, à recitação da poesia, principalmente. Considero isso ainda muito novo, o Brasil precisa entender a sua própria história, o quanto nosso país é múltiplo e todas as nossas formas de expressão. O que eu tenho, quero compartilhar, quero que as pessoas se sintam acolhidas também, não é para distanciar ninguém, pelo contrário. É engraçado porque às vezes sinto que o público um pouco mais velho, por volta de 40 anos, ama muito meu trabalho, às vezes não entendem muito a minha forma de cantar, mas conseguem sentir algo diferente, algo novo, e se isso inspirar alguém é o que mais me deixa feliz porque se comunicar com pessoas da mesma faixa etária pode ser mais fácil, mas se comunicar com pessoas que não entendem nada da sua realidade e eles gostarem, te motivarem, isso é muito gratificante. É uma das experiências mais loucas quando alguém que não faz parte da sua realidade se identifica com aquilo, acho que isso é arte: conseguir traduzir esta pluralidade para que outros se identifiquem mesmo sem entenderem direito no momento. Isso abre espaço para cada um ir explorar e descobrir mais sobre aquilo, e isso me deixa fascinada, de poder instigar alguém a ir conhecer mais do meu trabalho. 

E: Boicote é uma música genial! Desde a letra até o clipe. Como foi elaborar a ideia visual do vídeo ao redor da letra?

BC: Boicote foi uma experiência maravilhosa. O processo de escrever a letra veio antes, e depois o processo de produção musical com o Lírio Lym, que é meu produtor. Começamos a construir os intervalos de tempo, com o impacto que a gente queria, toda essa sonoplastia da música em geral. Após tudo isso ficar pronto, eu ficava imaginando um filme, toda vez que ouvia a música vinha um filme na minha cabeça e comecei a tentar trazer para a minha realidade esse filme que estava na minha cabeça. Não consegui reproduzir 1% do que eu queria, porque não tinha essa possibilidade financeira, o clipe foi totalmente independente, sem patrocínio, nem apoio, então fiz como pude. Fui atrás dos significados que aconteciam na minha mente, o sentido que esse filme tinha na minha cabeça, que era um filme de ação, com várias locações, helicópteros, não consegui mas encontrei soluções, como os locais do clipe, que traduzem um pouco a sensação, como o tanque de guerra, que fica num espaço ex-militar aqui no Rio. Isso tudo tem a ver com a mensagem da música, que fala de resistência, subversão, sobre não concordar com a política e governo atuais. Esse tanque de guerra do clipe é um objeto icônico dos anos 50, 60, do exército brasileiro, e foi muito significativo estar ali com nosso grupo, com pessoas trans, homens gays, eu mesma com a minha realidade. Tudo foi elaborado com muito cuidado para poder manter a intenção do que eu havia pensado daquele filme de ação, em que a gente subverte o controle sobre os nossos corpos, nossas vidas, tomando este controle das mãos de quem tem.

E: Eu senti que Witch Cxnt tem uma pegada visual extremamente elegante e  que se destaca bastante do que andamos vendo por aí no cenário musical, e eu acho que tem muito ali que poderia ser usado de referência de fotografia para as novas gerações. Como foi o processo de desenvolvimento de um vídeo tão limpo, mas tão provocativo ao mesmo tempo? 

BC: Em Witch Cxnt, quis trazer este contraste com Boicote, que tem um clipe mais cultural, em que eu apresento minha cultura, de onde eu vim, minha intenção, qual é a minha força. No Witch Cxnt, a ideia é mostrar mais o lado particular, íntimo, mais interno meu. Todo o visual também foi produzido por mim, foi pensado, elaborado por mim, mas foi um desafio pensar que o vídeo seria tão limpo. Eu me apeguei muito à minha corporeidade, ao meu olhar e intenção interna, como no preenchimento de câmera, no próprio preenchimento de vídeo e coloquei poucos elementos para guiar o clipe em si. Tivemos três locações, tem apenas uma sequência coreográfica, não foi um clipe em que eu quis dançar muito, quis encarar mais de frente minha atual realidade, que é a voz, a lírica, que é falar e usar essa potência que temos que é a fala. Foi um desafio, na verdade, eu gosto muito de ter bastante o significado das coisas, com bastantes elementos, e esse clipe foi um desafio nesse sentido porque foi mais limpo, centralizado e interno, focado em traduzir e me apresentar como uma porta-voz de uma força. A força é Boicote e quem carrega essa força sou eu, Witch Cxnt.

E: Eu também quero – muito – saber como anda a recepção do público a cada passo que você dá. Porque eu assisti todos os vídeos que você postou e percebi que tem uma fluidez neles. Eles não seguem muitas semelhanças, mas trazem muita força representativa (de corpos, de vozes, de lutas, de causas) e me deu um quentinho no coração ver que não tem uma quebra bruta de um trabalho para o outro, como geralmente existe em trabalhos de artistas hypados. Como isso se reflete no público?

BC: Fico muito feliz de saber que você sentiu isso e que aqueceu seu coração porque eu gosto de ver também nas pessoas que acompanho, cantoras e cantores de modo geral. Gosto de ver que aquele artista e aquele outro tem uma personalidade, que ele tem algo que motiva mais do que só estar ali, sendo um cantor, um artista, que a arte vem de outro lugar, ela vem antes disso tudo. Tento seguir a minha verdade, minha a realidade, e não sei como vai ser minha próxima criação, por exemplo. Já tenho ideias, referências e inspirações, mas, na realidade, o próximo passo tem que ser orgânico, natural, tem que vir de dentro para fora. Acredito que quem me acompanha e gosta do meu trabalho também espera algo assim, que saia de dentro de mim, porque quem me acompanha sabe quando não estou confortável, sabem quando não é a minha força, quando não sou eu mesma. Quero me comunicar com essas pessoas que me sentem e quero que elas sintam a minha verdade também. Quando faço uma obra autoral, tendo essa liberdade para falar, falar de verdade o que está no meu coração, não estou seguindo um padrão, um roteiro de marca para fazer, a marca sou eu, então vou usar este espaço para me libertar e expressar a realidade daquela música, e quem me curte vai se enxergar ali, vai me enxergar ali e vai viver aquilo junto comigo. O público tem gostado, fiz há poucos dias um show ao vivo tocando os três singles que lancei e fiz uma performance de Witch Cxnt ao vivo no Festival Internacional de Documentário de Moda, organizado pelo IED, Instituto Europeu de Design. Foi maravilhoso, as pessoas ficaram surpresas. Eu gosto de ver a reação das pessoas assistindo porque elas não imaginam que eu vou fazer aquele tipo de música, cantar aquelas letras, isso me dá uma motivação.

E: Onde você costuma encontrar inspiração para as letras das músicas? Surge aos poucos, como uma construção? 

BC: Isso é muito variável porque às vezes escrevo sobre uma realidade, sobre algo que me aconteceu, às vezes escrevo porque aquilo me despertou uma sensação e eu começo a imaginar em cima daquela sensação. Às vezes escrevo porque as palavras são bonitas e eu tenho vontade de usá-las. Às vezes escrevo porque comecei a criar diálogos na minha mente e aquilo acaba se tornando uma história, e da história se torna poesia, na poesia encontro uma musicalidade, uma harmonia. É muito múltipla a minha inspiração para escrever. Sempre gostei de escrever e a primeira música que compus é uma canção gospel, eu tinha sete anos de idade e mostrei para minha mãe e uma amiga dela, e era uma história sobre o Rei Davi, então sempre fui meio emocionada com as histórias, com a realidade, com a existência de um modo geral. Se alguma coisa existe e me desperta um sentimento, uma sensação, provavelmente eu vou escrever sobre aquilo. Não que vá se tornar música, mas vou escrever sobre, e começa um pouco assim, pelo meu gosto de escrever. Algumas dessas escritas ficam bonitas e se tornam melódicas e acabam se tornando música. Outras não, como Boicote, por exemplo, que eu escrevi e não estava achando muito bonito, não era sobre ser bonito, belo ou poético, era sobre dizer “basta”, dizer “me respeite”, “se coloque no seu lugar” e “me dê espaço”, e às vezes isso também é necessário, colocar para fora, desabafar. Eu me permito também escrever sobre um local de expressão mesmo, seja de sentimentos bons, conturbados, seja o que for, eu me permito escrever. Mas para virar música é todo um processo, depende de muitos fatores.

E: Você é uma performer incrível, e não há dúvidas disso. Já houve a ideia de uma exposição virtual do seu trabalho? Como uma live interativa ao estilo performance artística? Com os fãs interagindo de forma virtual e direto com o seu trabalho do momento?

BC: Obrigada! Isso seria um sonho para mim. Eu já tive vontade, vejo em alguns jogos isso acontecendo, show virtual, lives, e esse mundo virtual, interativo, é meu sonho. O meu segundo público mais potente é no Spotify, se encontra nos Estados Unidos e eu não sei quem são essas pessoas, gostaria muito de encontrá-las. Acho que se eu tivesse a oportunidade de fazer um show interativo virtual, uma performance, eu iria conseguir reunir essas pessoas que me escutam, reunir meu público, que não conheço. Vamos ver se não aparece uma oportunidade para fazer isso acontecer. Por enquanto, estou tentando levantar live performances para filmar e disponibilizar no YouTube, porque acredito muito nessa linguagem da performance ao vivo. Mas é meu sonho fazer a performance virtual interativa, se alguém que estiver lendo quiser me ajudar nessa, estou super aberta.

E: Seu estilo é muito artístico, e eu sinto que tem muito mais por vir, além de músicas e coreografias tão expressivas… Tem planos para os próximos passos? Especialmente nesse momento em que o mundo está ensaiando voltar ao normal (ou ao mais normal possível)? 

BC: Meus planos agora são de mergulhar cada vez mais na música, na voz, na arte vocal, na fala, e continuar estudando muito para expandir meu entendimento e conhecimento sobre tudo isso, e para preparar meu primeiro álbum. Quero muito fazer e lançar um álbum, espero que isso aconteça em 2022. Tenho mais singles para virem antes do álbum, com certeza ainda lançarei alguns em breve. O álbum precisa de um tempo maior, já estou trabalhando nele, entendendo as possibilidades, porém os singles também podem esperar que já estão vindo por aí. Espero que a gente possa se conectar cada vez mais, seja de forma virtual ou com shows presenciais, espero rodar o mundo e entender a conexão com as pessoas através da música, da arte, porque isso me alimenta, e quero poder alimentar a esperança, a inspiração de pessoas que muitas vezes não têm nenhuma referência, não têm quem traduza esses sentimentos que muitas vezes não são simples, não são fáceis de compreender, mas através da arte acontece esse acolhimento, então vamos fazer. A arte me salvou, me abraçou, me fez compreender muito de mim mesma. Foi através da arte que consegui curar parte da minha vida e evoluir, ter forças para continuar, então é isso que quero conseguir passar para quem me escuta, para quem um dia vai me ouvir, essa esperança, essa força e, principalmente, o amor próprio, o autocuidado, que é o que a gente tanto precisa neste novo momento, aprender a cuidar e amar de si mesmo com generosidade para poder dar isso ao outro. Poder ser quem você é para ser um coletivo, ser um para ser o todo. Este é meu maior lema, é o que eu entendo da vida, é um dos ensinamentos que a bruxaria ensina muito, que Jesus Cristo ensina, que o Budismo ensina, que todas as religiões de modo geral ensinam. Conheça-se e cuide-se primeiro para poder auxiliar o outro. E que a arte venha para poder nos ajudar, vou seguir trabalhando na minha arte, na minha história, vivência, processo criativo, para que isso se multiplique e floresça não só para mim, mas para todo mundo.

Bruxa Cósmica fazendo pose, com botas prateadas, roupa rosa e peruca de pedras prata
Foto: Divulgação/SuperNova

Eu amei conhecer melhor o trabalho da Bruxa Cósmica por meio dessa entrevista, e o Entretê adora a ideia dos trabalhos dela crescendo ainda mais. E você? Conta pra gente sobre o que você curte nesse estilo, lá nas redes sociais: Twitter, Insta e Face.

*Crédito da foto de destaque: Divulgação

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Amor, Sublime Amor: livro inédito chega no Brasil pela Editora Intrínseca

História é adaptação do musical de sucesso da Broadway, e chega nas prateleiras junto da nova adaptação cinematográfica assinada por Steven Spielberg

Amor, Sublime Amor: West Side Story chega às lojas em novembro pela Editora Intrínseca, sessenta anos após o lançamento do primeiro filme inspirado no musical. Do autor pioneiro em adaptações cinematográficas e textos dramáticos, Irving Shulman, a obra está sendo lançada pouco antes da estreia de uma nova versão da peça para o cinema, no dia 9 de dezembro.

O livro tem apresentação assinada pela editora do site oficial do Globo de Ouro, Ana Maria Bahiana, Amor, sublime amor: West Side Story apresenta uma narrativa envolvente baseada na peça que revolucionou o gênero musical no teatro, perdurando até hoje como um fenômeno, sobretudo entre os fãs das histórias de amor tragicamente belas. Na avaliação da jornalista, “a história antiga se faz presente num ciclo sobre novas diferenças, num mundo incapaz de se ver inteiro”.

A história tem como cenário a metrópole norte-americana, e como eixo central o romance proibido entre dois jovens, Maria e Tony. Eles não conheciam o amor até seus olhares se encontrarem pela primeira vez em um baile. Porém, logo descobrem que pertencem a realidades inconciliáveis.

Enquanto Maria é irmã do líder dos Sharks, uma gangue de imigrantes porto-riquenhos, Tony é melhor amigo do líder dos Jets, a gangue rival, formada por brancos norte-americanos. Embora tenha abandonado os Jets e decidido começar uma nova vida longe da criminalidade das ruas, Tony verá que seu vínculo com os Jets permanece mais forte do que ele imagina e será decisivo para o curso de seu romance com Maria.

O novo filme tem direção de Steven Spielberg, e o elenco conta com Rita Moreno – que estrelou a versão original do filme -, Ansel Elgort (A Culpa é das Estrelas) e Rachel Zegler.

Capa do livro Amor, Sublime Amor. Vermelha com letras garrafais em bege, com o logo da Editora Intrínseca no canto da imagem.
Foto: divulgação/Editora Intrínseca

Amor, Sublime Amor: West Side Story tem tradução de Flávia Rössler, conta com 176 páginas e estará à venda nas livrarias por R$ 39,90.

E você? Também já quer poder pegar esse livro em mãos? Conta pra gente lá nas redes sociais: Twitter, Insta e Face.

*Crédito da foto de destaque: divulgação/Editora Intrínseca

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Cinema Entretenimento Resenhas

Resenha | Um Match Surpresa: uma comédia romântica de natal para aquecer o coração

Um Match Surpresa é a nova comédia romântica de natal da Netflix, e precisa ser assistida por todas as pessoas que tiverem essa oportunidade

Um Match Surpresa conta sobre a vida amorosa de Natalie (Nina Dobrev), uma escritora frustrada no amor, que recorre ao aplicativo de namoro para tentar encontrar o amor da sua vida. Mas, com tantos relacionamentos impossíveis que o aplicativo propõe, com homens sem nenhum senso social ou maturidade emocional, sua amiga Carrie (Heather McMahan) decide ajudá-la e aumenta seu raio de paquera.

Nesse momento, o celular de Natalie lhe entrega o cara perfeito. Com um intelecto invejável, um temperamento apaixonante e, lógico, uma aparência perfeita, Josh tinha tudo para ser o homem ideal para ela.

Quando Natalie decide jogar tudo para cima e partir para o outro lado do país atrás do seu match perfeito, ela descobre que esse é só mais um fracasso. Josh é, na verdade, um homem que não é nenhum pouco popular e que é constantemente visto como a última opção das mulheres. Interpretado por Jimmy O. Yang, o Josh perfeito era uma fabricação visual. Ele é mesmo incrível, mas não tem a aparência do homem das fotos, que tinha a carinha de Darren Barnet.

Referências românticas

Foto: Divulgação

Talvez eu tenha assistido comédias românticas demais, mas ser uma redatora apaixonada pelo amor me fez assistir Um Match Perfeito e o comparar com outros filmes de comédias românticas. E apesar de o filme ser direto sobre suas referências de Simplesmente Amor (2003), existem muito mais referências de filmes do gênero ali.

Tem o coral de natal da família, que me lembrou muito Apenas Amigos (2005). Ou a ideia de fingir um relacionamento para não ter problemas maiores, como em A Proposta (2009). Também podemos falar da música tema do filme Clube dos Cinco (1985).

Um Match Surpresa é uma coleção de lembranças de boas comédias românticas, daquelas que a gente finge que não acha tão boas, mas que lá no fundo ama.

Preciso dizer que a Natalie escrever sobre relacionamentos fracassados lembra muito a personagem da Kate Hudson, em Como Perder um Homem em 10 Dias (2003)?

E também tem a questão do relacionamento interracial, e da surpresa de membros da famíla com a escolha de par, muito presente no filme A Família da Noiva (2005).

Mais um discurso racial

Foto: Divulgação

Parece bobagem falar que precisamos parar de ver só a fofura da coisa e olhar para os temas sérios do filme, porque, afinal de contas, o que uma comédia romântica tem a nos ensinar? Eu diria que tem muito!

Nesses últimos meses nós vimos o estouro que a série – também da NetflixRound 6 fez nas redes sociais. Somando isso ao impacto que a cultura coreana tem tido no mundo nos últimos anos, com aumento de populares de grupos musicais, como BTS, Black Pink e até da cantora Rosé em seu trabalho solo, a gente fica achando que não precisamos conversar de forma séria sobre o racismo sofrido pelos povos asiáticos.

Quando paramos para analisar com calma, nos damos conta que não é bem assim. Há poucos meses teve o movimento Stop Asian Hate, lá nos Estados Unidos, que foram um levante contra o preconceito sofrido por esses povos, que só teve aumento de violência – verbal e física -, depois do início da pandemia.

Um Match Surpresa veio com a medida certa de pressão sobre isso. É leve para ser uma comédia romântica, mas a crítica inevitável está ali, especialmente quando Josh diz para Natalie que ela provavelmente nunca namorou um chinês. E se formos olhar por um panorama brasileiro, a coisa deve ser ainda mais estudada… Quantos asiáticos você já não viu e conheceu, e automaticamente o descreveu como japonês?

Vale ou não vale assistir?

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Nós aqui do Entretetizei achamos que vale muito o seu tempo!

Um Match Surpresa tem as doses certas de comédia, de romance e de questionamentos importantes. Bandeiras estão sendo levantadas ali, a busca da perfeição em relacionamentos são o ponto mais forte da trama, e tem toda uma estética clichê que a gente adora, e que a Netflix sabe fazer muito bem.

O clima de natal não precisa nem ser comentado, não é?! Quem não ama um bom filme cheios de pisca-pisca e gorros de Papai Noel?

O elenco também não deixa nada a desejar, e se você acha que o casal principal talvez seja sem química, já está errando daí. Um Match Surpresa faz uma transição entre o casal que não parece dar certo, porque a gente se ilude com a imagem da Natalie e do Josh inventado pelo seu correspondente misterioso, mas que é irresistível e que tem tudo para ser comovente e apaixonante.

E a gente até assume que um Josh para cada uma de nós não seria nada mal, afinal quem não ama um homem sensível e carinhoso?

Agora conta pra gente o que você achou do filme – ou se você ficou se coçando para assistir -, lá nas nossas redes sociais: Twitter, Insta e Face.

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Cinema Entretenimento Telecine

L.O.C.A.: Top 5 motivos para assistir essa comédia nacional

L.O.C.A. é a pedida perfeita para qualquer momento do seu dia, e aqui nós listamos 5 razões para você assistir esse filme incrível

Se você acompanha as resenhas do Entretê, sabe que a resenha de L.O.C.A. é um post imperdível. Mas caso você ainda não tenha se convencido de que esse filme merece muito a sua atenção, nós decidimos listar 5 motivos que vão te convencer que esse é o melhor filme para te acompanhar nos momentos mais complexos da existência afetiva como mulher.

Segue o fio com a gente!

Um filme para as manas

Foto: Divulgação

L.O.C.A. é um filme feito para as manas, e isso não se discute! Ser mulher já é complicado demais em uma sociedade cheia de poréns e acasos, com um esquema patriarcal forte e uma afronta dolorosa à existência feminina como um todo.

Tudo nosso é mais difícil: seja menstruar, arrumar um emprego, ter um bom salário bom, engravidar, ou pior (e a sociedade que grita: Ave Maria!), dizer que não queremos nada disso. Mas dizer que se está sofrendo por amor, seja em qual relação for, tem sempre o apelido carinhoso que recebemos: louca.

E por que não aceitar a alcunha? A Liga das Obsessivas Compulsivas por Amor (L.O.C.A.) resolve a questão com cuidado, em uma roda feminina, cheia de apoio emocional e dores compartilhadas. Estar apaixonada não é como ser alcoólatra, mas quem ama em excesso não tem o perdão por estar doente, tem apenas os olhares tortos e as risadinhas. Mas a dor de amar pode ser sim uma doença, tanto quanto a dependência química, já que causa dependência emocional.

Mas o roteiro quebra esse tabu! Ele é feito para debater sobre a cooperação feminina, sobre a capacidade de enfrentar barreiras e sobre o peso de se ver dentro de uma relação que não agrega nada, mas que continua existindo. L.O.C.A. também traz o debate sobre até onde podemos ir e o que podemos fazer em relação ao que sentimos, que nos unir é muito mais valioso e que está completamente bem em sermos loucas de vez em quando.

Se não vai machucar ninguém, por que não podemos ser sinceras sobre nós mesmas e sobre as nossas relações? Por que não podemos expor todos aqueles boys lixo que entram no nosso caminho? Por que não podemos sentir sem sermos apelidadas de malucas?

Comédia romântica, sim!

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Se você é uma pessoa fã das comédias românticas e não quer mais ver aquelas cenas clássicas de filmes adolescentes dos Estados Unidos, com líderes de torcida e enredos clichês, cheios de grandes demonstrações de amor (e longe de nós reclamar disso, afinal de contas quem não ama um Heath Ledger cantando em uma arquibancada de escola?), L.O.C.A. é o seu filme ideal.

Além de grandes doses bem feitas de comédia sem soar pastelão, tem aquela porcentagem perfeita de romance para te conquistar do início ao fim. E não tem cenas grandiosas de amor, só tem cenas grandiosas de pagamento devido contra homens que se orgulham de ser apenas garanhões. O roteiro é o pagamento de uma dívida histórica contra o patriarcado, em todos os corpos, cores e vozes.

Tem romance sobre pessoas novas e antigas na vida das protagonistas, além de pessoas que também merecem uma segunda chance para amar. Esse também é o primeiro filme a não deixar barato para os bad boys, e deixar claro que se o cara parecer safado, falar como um safado e se comportar de forma misteriosamente safada, então mana, sua intuição está certa: ele é um safado. Mas nem todo homem é canalha, e talvez seja bom tirar as máscaras desses corpos femininos que sangram pelo amor bandido há anos, e olhar com sinceridade para pessoas diferentes, em relações diferentes.

Olhar para essas trajetórias já é mais do que motivo suficiente, e com um romance fofinho a gente se apaixona ainda mais, né?

O discurso racial

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Se você leu a resenha especial do Dia da Consciência Negra aqui no Entretê, sabe que Falando de Amor é um filme sobre o discurso da mulher preta em uma sociedade que empurra a branquitude na guela de quem se recusa a ouvir os discursos e gritos da comunidade preta, tão ridicularizada e marginalizada ao passar dos anos.

Mas L.O.C.A. não está nem aí para quem pensa assim. O filme coloca figuras pretas de força e representatividade e fora do cenário das favelas (que é muito recorrente nas obras audiovisuais brasileiras), o que é muito importante.

No papel de mulheres fortes e donas de negócios próprios, temos Rebeca (Roberta Rodrigues) que é uma das protagonistas do filme, e temos a chefe de Manoela (Mariana Ximenes), interpretada por Cris Vianna.

Enquanto Rebeca tem um desenvolvimento melhor, e é colocada como uma amiga fiel, chefe bondosa e pessoa de grande senso de observação, a personagem de Cris Vianna tem um destaque bem menor, mas em seus poucos minutos de tela apresenta uma mulher racional, gentil e justa. E isso tem muito impacto na narrativa.

O Brasil é um país majoritariamente preto (quer você queira ou não), e por isso suas belezas e empoderamentos precisam ganhar destaque sim em obras de ficção. L.O.C.A. faz esse favor, e coloca um discurso de mulheres brancas que são guerreiras que trabalham muito para conseguir um mínimo de reconhecimento, enquanto aquelas mulheres pretas, que provavelmente ralaram o dobro que as brancas, já chegaram onde queriam estar naquele momento de suas vidas. A chefia preta deveria ser uma realidade muito mais retratada nas artes, e o filme foi justo com esse lugar de fala.

Nacional, nacional, nacional

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De uns anos para cá, temos consumido muito mais filmes nacionais, e por isso o cenário tem se expandido ainda mais a cada dia que passa. Não podemos negar que graças a Paulo Gustavo (1978 – 2021) e sua inesquecível dona Hermínia, o cinema nacional saiu do grande reconhecimento por dramas imperdíveis e alcançou status em outras áreas e gêneros.

Depois que decolamos nessa veia artística, nada mais nos segurou, e L.O.C.A. é mais um doce acréscimo ao infinito catálogos de filmes que o Brasil fez muito bem.

O filme não tenta criar uma narrativa ilusória sobre a nossa cultura, e fala muito sobre os pontos fortes de uma sociedade que só tem a crescer ainda mais no hall cinematográfico. Usando e abusando de contextos extremamente brasileiros, como as festas em estilo baile funk, as reuniões nos telhados planos das casas e as cores quentes e vivas, L.O.C.A. é cuidadoso com todas as histórias e vivências brasileiras, e abraça a nossa singularidade cultural com carisma, reforçando que o cinema brasileiro pode ter começado a se expandir com Paulo Gustavo, mas seu legado vai seguir crescendo e nossas histórias vão continuar sendo contadas com graça, charme e originalidade.

Ninguém derruba um Brasil cheio de cor!

Dá para assistir agora

Por ser uma produção feita para o Telecine, L.O.C.A. está disponível na plataforma e pode ser visto de onde você estiver, como estiver e quando quiser.

Presente na première do Telecine, o filme tem destaque relevante e chama a atenção pelo enredo, pelo contexto, pelas histórias contadas e pela facilidade de acesso. Sem contar que facilita e democratiza o prazer pelo cinema nacional.

Então você pode se sentir acolhida pelas vivências femininas bem rapidinho (inclusive, agorinha!), com um único clique no seu acesso ao Telecine, mas antes de correr e assistir L.O.C.A., queremos que você continue a nossa lista e, para isso, te esperamos nas redes sociais do Entretê: Twitter, Insta e Face.

*Crédito da foto de destaque: Divulgação

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Entretenimento Latinizei

Latinizei | Juana Inés de la Cruz: Fênix da América

Conhecida como Fênix da América, Juana Inés de la Cruz foi tudo que uma mulher não poderia ser na América Latina dos anos 1600

Juana Inés de la Cruz foi uma freira por conveniência, apaixonada por poesia e escrita, feminista revolucionária e, possivelmente, a primeira mulher latina a abraçar a sexualidade de forma polêmica.

Nascida no México, Juana Inés de la Cruz sofreu com o quase completo esquecimento, mas foi apelidada de Fênix da América, não à toa, e ainda ganha o reconhecimento no círculo de escrita como primeira mulher a produzir obras escritas em língua espanhola, sendo conhecida como  A Décima Musa.

É difícil escrever sobre Juana Inés de la Cruz de forma objetiva, já que estamos falando sobre os anos 1600, quando as obras escritas eram facilmente perdidas e confundidas, o que gera constante problema entre biografias daquele tempo, mas vamos tentar resumir sua biografia aqui, de forma mais objetiva possível.

Hija de la Iglesia

Foto: Divulgação

Batizada como Juana Inés de Asuaje y Ramírez de Çantillana, ela poderia ser reconhecida como um criolla, por ter pai espanhol e mãe latino-americana com descendência espanhola. Ao ter seu registro feito, a pequena Juana Inés já recebeu seu primeiro apelido, já que era costume na época escrever hija de la iglesia nos registros oficiais das crianças para determinar quem era criança ilegítima e quem era criança nascida de um casamento oficial e consagrado.

Existindo um relato breve autobiográfico em um livro de sua autoria, Juana Inés de la Cruz contou ao público sobre sua paixão desde nova pela escrita e sua permanente adoração pelos livros, assim como falou sobre as vezes em que se escondia na biblioteca do avô materno – enquanto morou com ele na infância -, e de como isso lhe gerava punições. Também contou como seguiu sua irmã mais velha até a escola, e lá convenceu a professora a lhe ensinar a ler e a escrever, isso com apenas três anos de idade.

Enquanto vivia com o avô, Juana Inés de la Cruz conseguiu um tutor para lhe ensinar latim e, posteriormente, escreveu um soneto lhe comparando a Arquimedes (para resumir, um matemático grego). E é nessa fase que surgem duas anedotas curiosas sobre a pequena Juana.

A primeira a coloca como uma garota que implorou para a mãe para lhe vestir de homem, tentando de tudo o possível para a convencer – de forma fracassada, óbvio -, para que assim pudesse frequentar a Universidade do México. A segunda anedota a coloca como uma criança que mutilava os cabelos sempre que cometia um erro durante as aulas, aparentemente indignada que sua cabeça fosse capaz de ter muito cabelo e pouco conhecimento. Ou seja: fluidez de gênero em uma criança que viveu onde os reis governavam a Terra, e onde mulheres eram feitas para adornar os lares. Já seria ela uma precursora da mesma tranquilidade de gênero que Frida Kahlo, mexicana nascida anos e anos depois de sua morte, usou durante toda a sua vida?

Muito querida senhora da vice-rainha

Foto: Divulgação

O segundo apelido dado a Juana Inés de la Cruz veio por volta de seus dezesseis anos, quando já vivia com os tios maternos há oito anos (seu livro com trechos autobiográficos recusa e silencia sua vida com os tios, dos oito aos dezesseis anos, quando perdeu o avô e foi enviada para a Cidade do México). Por vir de uma família bem estabelecida socialmente, Juana Inés foi apresentada aos novos vice-reis que vinham da Espanha, Dom Antonio Sebastián de Toledo, e sua esposa, Dona Leonor Carreto.

A vice-rainha adorou a jovem, e imediatamente a acolheu na corte, o que lhe rendeu seu novo título: Muito querida senhora da vice-rainha.

Naquela época, a Cidade do México funcionava como a capital da Nova-Espanha, e por isso lá se encontrava toda a corte da qual Juana Inés de la Cruz foi aceita. Mas além da corte costumeira, com membros do clero e da nobreza espanhola, a Cidade do México abrigava filósofos, poetas, matemáticos e intelectuais, e isso a fascinava ainda mais.

Juana Inés de la Cruz foi apadrinhada pela corte de forma unânime, e esse foi um ponto sobre sua personalidade e história que é impossível rejeitar, afinal, todos os anos seguintes – e cortes seguintes – a mantiveram como uma querida figura no alto círculo social.

Enquanto o vice-rei a tratava como uma figura filial estudiosa e a incentivava a aprender mais e estudar, lhe cedendo todos os intelectuais da sua corte para lhe testar seus conhecimentos, a vice-rainha, Leonor, passava horas e mais horas na sua companhia, e daí partiu seu primeiro afeto amoroso até onde as biografias podem ir. É fato que Juana Inés escreveu infinitos poemas e sonetos amorosos para Leonor, já expondo sua sexualidade de forma completamente tranquila.

Foi na corte de Dom Antonio e Dona Leonor que Juana Inés foi convencida de ingressar na vida religiosa. O padre jesuíta Antonio Núñez de Miranda a falou sobre a vida no convento, e isso a fez tomar a decisão.

Para as pessoas que creem que toda mulher quer casar e ser mãe, Juana Inés de la Cruz pode ser um terror explícito, já que ela abominava a ideia de casamento, o que a ajudou a tomar a decisão final da sua entrada para a vida religiosa.

Soror

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Não foi apenas a abominação em relação ao casamento que a fez decidir pela vida religiosa. Juana Inés era uma amante das artes, em especial da literatura e da escrita, e declarou que ser freira poderia lhe permitir estudar e ler por horas sem ser interrompida.

Juana Inés de la Cruz tentou, primeiro, ser uma noviça entre as carmelitas, mas as normas eram excessivas e existia exigência ao voto de pobreza e a quase reclusão absoluta, o que não lhe agradava em nada. Foi cansada do estilo de vida delas, que Juana Inés partiu para o convento de Santa Paula da Ordem de San Jerónimo, onde as freiras tinham liberdade de visitas e dormiam em celas duplex com cozinha própria, sala de estudos e empregadas. Fora a possibilidade de manter contato com o exterior por cartas – além das visitas -, e até faziam peças de teatro, bailes e festas. O voto de pobreza também não existia por lá, o que permitia que as freiras tivessem jóias e livros, o que rendeu para Juana Inés uma biblioteca particular com uma média de mil e quinhentos livros (isso se contando por baixo).

Em 1680, com um vice-rei estipulado, Juana Inés foi encarregada (por ser sempre muito querida pela corte) de desenhar um arco para a entrada da catedral da cidade, para a chegada do novo líder político. Como arquiteta, então, Juana Inés de la Cruz desenhou um arco – que infelizmente não resistiu ao tempo -, construído de madeira e gesso, junto da escrito do Neptuno Alegórico, Oceano de Cores, Simulacro Político, texto que acompanhava o arco e presenteava os novos vice-rei e vice-rainha.

Ambos se apaixonaram pela capacidade de Juana Inés e a adotaram em seu círculo próximo, dando a ela mais uma vice-rainha para admirar e que a admirava, a senhora María Luisa Manrique de Lara y Gonzaga.

A Décima Musa

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Foi com a ajuda de María Luisa Manrique de Lara y Gonzaga que Juana Inés conseguiu publicar seus dois volumes iniciais, de sua extensa obra, em Madri. Isso a tornou a primeira mulher a publicar trabalhos em língua espanhola, e assim lhe rendeu ainda mais prestígio e reconhecimento artístico. Além disso, Juana Inés foi eleita administradora do convento de San Jerónimo, e usou e abusou de esquemas de trocas de favores, além de ter certa influência política na então chamada Nova-Espanha e de adquirir contato e experiência com as ciências naturais (que era o que tanto assustava a igreja em relação às bruxas).

Quando Juana Inés foi chamada para escrever um texto crítico ao sermão do padre Antônio Vieira, ela exigiu que seu texto não fosse publicado, o que obviamente não aconteceu. Foi publicado com o texto de Juana Inés de la Cruz, uma carta assinada com o pseudônimo de Sor Fioleta de la Cruz, do próprio encomendador do texto original de Juana Inés. A verdade, nesse caso, é que ela foi envolvida em uma briga interna entre dois homens da igreja, e um deles era, inclusive, um forte adversário feminino, que chegou a alegar “que se soubesse que alguma mulher tivesse entrado em sua casa, mandaria trocar o chão que ela pisara […]”.

Graças a essa carta escrita por Juana Inés, ela foi acusada de heresia (de novo) no México, por ir contra o sermão rigoroso dado por Vieira, e na Espanha, onde o texto também chegou, foi ameaçada e recebeu uma declaração clara sobre uma possível Inquisição. Isso a fez doar seus livros e instrumentos para o arcebispo Aguiar, que vendeu os objetos e doou os lucros. Nos próximos anos de sua vida, Juana Inés de la Cruz, a então Décima Musa, reconhecida por seu espírito livre, sua sexualidade declarada e sua infinita obra como autora de poemas, peças, comédias e textos, apaixonada por literatura e filosofia, e amante da boa vida, se concentrou em apresentar a Inquisição um pedido de perdão por seus pecados e vida mundana. Também foi nessa época que ela decaiu com sua saúde mental, e seus biógrafos alegam que usou de autoflagelo.

Fênix da América

Foto: Divulgação

Juana Inés usou seus últimos anos de vida para se dedicar à caridade e a penitência religiosa, o que a rendeu a ideia geral entre os biógrafos de volar a la perfeccíon, por ter abandonado sua vida passada e se tornado uma quase mártir da igreja e da religião. Mas é sabido que essa nova persona que ela criou foi por pressão e imposição do alto clero, e pela Inquisição criada pela Igreja espanhola.

Falecida em abril de 1695, Juana Inés partiu desse mundo por causas naturais, mas deixou uma extensa obra, entre poemas, peças teatrais religiosas e seculares, enigmas e textos sobre musicologia. Fora sua existência como filósofa e astróloga.

Juana Inés foi homenageada, no Parque del Oeste, com uma estátua já como freira, mas com os escritos na mão. Sua luta em vida era em prol da educação feminina, o apoio para que mulheres frequentassem universidades e tivessem liberdade de escolha para além do casamento. Sua perseguição pela igreja aconteceu por suas duras críticas ao senso religioso do seu tempo, e por sua constante fama de heresia, além do envolvimento com Leonor Carreto, que mesmo não tendo sido escandaloso no seu tempo, gerou repercussão suficiente para sobreviver aos tempos e trazer conhecimento de seus biógrafos e do grande público que busca sobre sua vida e trajetória.

Em sua obra teatral, Juana Inés enaltecia as mulheres silenciosas com o dom da compreensão e do conhecimento, ridicularizava homens movidos ao desejo constante de conquistar mulheres por sua aparência e interferia no discurso de que homens poderiam atrair mulheres belas e depois as descartar quando se cansassem delas. Juana Inés foi uma forte apaixonada pela igualdade de gêneros, e apesar de seu tempo, nunca escondeu sua afinidade amorosa por mulheres, mesmo que sua grande obra mais romântica tenha a ver com a ausência (ser lésbica em 1600, no México, era ainda mais terrível do que ser LGBTQIA+ nos dias de hoje).

Por ser considerada criolla, sabia da diferença feita entre os povos nativos e os negros, e por isso usou parte de seu discurso para enaltecer a igualdade racial também, enquanto defendia todos os tipos de existência.

O apelido Fênix da América veio do seu triunfo em sempre se reerguer dentro de suas possibilidades, inclusive sua aparente abdicação da vida mundana em detrimento da fé. Ela era resiliente e transpunha as vicissitudes com cuidado e adoração, sempre se mantendo fiel ao que acreditava. Juana Inés de la Cruz era uma fênix em eterno queimar e renascer.

O vôo da Fênix

Foto: Divulgação/Netflix

Apesar de o termo feminista ter sido criado muito depois de Juana Inés de la Cruz, sua nomeação nesse círculo social não pode ser negado, tal como seu papel de representatividade na comunidade LGBTQIA+, graças a todas as suas cartas trocadas com Leonor e María Luisa.

Enaltecendo a existência de Juana Inés, além de seus escritos que sobreviveram, encontramos a série Juana Inés, na Netflix, que resume de forma ficcional e documental a vida da escritora, e temos acesso ao livro Sor Juana Inés de la Cruz ou As Armadilhas da Fé, de Octavio Paz, que mistura biografia, história, antropologia e crítica literária.

O Latinizei de hoje foi mais que especial, e esperamos você, lá nas nossas redes sociais – Twitter, Insta e Face -, para conversar sobre essa figura histórica tão marcante.

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Resenha | Falando de Amor: mulheres pretas e todo o discurso racial

Falando de Amor é um filme sobre a identidade da mulher preta na sociedade e sobre a solidão não planejada que são obrigadas a enfrentar, em diferentes contextos emocionais

Em 1995 era lançado o filme Falando de Amor, com um elenco completamente preto, com Whitney Houston (1963 – 2012), Loretta Devine, Lela Rochon e Angela Bassett como as protagonistas de quatro histórias de amor que são verdadeiras lições de vida.

Enquanto Savannah (Whitney Houston) se muda de cidade para um novo emprego e na tentativa de achar um homem ideal para si, lidando com as investidas da mãe para que ela se case logo – e de preferência com um homem que já está em um relacionamento, lhe tornando a amante temporária -, sua amiga Bernadine (Angela Bassett) está em um casamento supostamente feliz, mas atolada dentro de uma rotina cheia de festas entediantes e distanciamento emocional.

Já a cabeleireira de Bernadine, Gloria (Loretta Devine), aguenta o peso afetivo de ser mãe solo de um filho que quase não fica em casa, e ainda tenta a todo custo se sentir amada nas poucas visitas que o pai faz ao jovem, até descobrir que o pai do seu filho é gay e não quer nada com ela.

Robin (Lela Rochon) é um caso à parte. Ela é amiga do trio e tenta se ver livre de um homem que é emocionalmente abusivo, enquanto tenta superar os traumas que causou em si mesma por causa desse amor.

O quarteto se reveza na tela, contando sobre encontros e desencontros amorosos, entre relações extraconjugais, abandono emocional e narrativas de uma sociedade preta que se invisibiliza dentro do macro. Com temas sutilmente tocados, como o abandono do marido preto por uma mulher branca, aborto, síndrome do ninho vazio e solidão (de modo geral) da mulher preta, o filme narra situações reais e dolorosas, e dá um protagonismo completamente preto para uma produção em grande escala.

A solidão da mulher preta

Foto: Divulgação

“A análise dos dados mostrou que os sujeitos consideram que existe uma desvantagem da mulher negra em comparação a mulher branca, no que concerne a preferência do homem negro na escolha de parceira afetiva e conjugal”, é uma parte do trabalho de tese feito pela mestranda Claudete Alves da Silva Souza.

Claro que esse não é um tema simples, e claro que a solidão da mulher negra não se resume ao fato de homens pretos preferirem se relacionar com mulheres brancas, ou com o abandono em massa que as mulheres pretas sofrem de seus parceiros, em microssociedades mais desfavorecidas e marginalizadas. Temos que ter consciência social que desde quando a escravatura começou a rodar o mundo, todos os escravos (independente do país, variação do tom de pele ou ambientes de famílias mais ricas) eram incentivados a não terem conexão afetiva. Também temos que ressaltar que aqui no Brasil, especialmente, houve uma ideia governamental de clarear a população.

Por ser um filme e ter uma curta duração, ainda mais não sendo focado no contexto documental, a narrativa fala desse tema de forma mais simplista e superficial, mas o debate ainda está presente.

Quando a mãe de Savannah a cobra de ter um marido, seu foco principal é dizer que não quer que a filha acabe como ela: sozinha. E esse também é o permanente problema de Gloria, que não quer deixar o filho viajar para a Europa por causa do seu medo da solidão, que acaba gerando a síndrome do ninho vazio.

Não é nada raro ver a sociedade apresentar contextos em que homens pretos, por uma questão de status social, saem da sua própria realidade e ancestralidade para se relacionarem com mulheres brancas, e por isso acabam se sentindo mais confortáveis em camadas sociais onde o racismo é mais forte. Vide o caso do O.J. Simpson, retratado na primeira temporada da série American Crime Story. Ele era um homem preto que se cercava de pessoas brancas, em maioria mulheres, e renegava sua origem preta, mas na primeira oportunidade usou do problema social entre a comunidade negra e a polícia para alegar que sua acusação de assassinato era baseada em racismo.

O filme Lady Mcbeth, lançado em 2016 e com protagonismo de Florence Pugh, também discute essa questão racial em dois âmbitos diferentes, e abre espaço para mais debate sobre a realidade de pessoas brancas que se interessam por pessoas pretas, e como isso afeta homens e mulheres de cores diferentes, em uma mesma relação.

Protagonismo preto

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Nós, crianças criadas entre os anos 90 e 2000, temos memórias afetivas encantadoras com seriados como Um Maluco no Pedaço e Eu, a Patroa e as Crianças, que eram repetidos em excesso durante as tardes, mas quando crescemos, quase sempre esquecemos de todos os protagonismos pretos que precisam continuar existindo no nosso repertório cultural.

Quando falamos sobre o feriado da Consciência Negra, pensamos em todos os anos de escravatura que foram vividos por povos africanos, que foram roubados de suas terras natais, forçados a se adaptarem em culturas e línguas completamente desconhecidas (fora as religiões) e ainda tiveram que aguentar torturas emocionais e psicológicas para sobreviver – e subsistir – nesses novos lugares e contextos.

Falando de Amor é um filme preto, com excelência preta e impacto forte dentro da sua cultura. A única pessoa branca no filme todo – e que tem certo destaque – é a amante e nova namorada de John (Michael Beach), ex-marido de Bernadine. O resto do elenco se divide em nomes de força na cultura e representatividade preta em grandes telas, com Wendell Pierce, Dennis Haysbert, Gregory Hines (1946 – 2003) e Donald Faison.

Outros títulos que podemos mencionar aqui, com absoluto protagonismo preto (e talvez sobre a solidão da mulher preta, que acaba se interessando apenas por homens brancos porque seus pares fazem o mesmo), é a comédia Morte no Funeral (2010), Sobre Ontem à Noite (2014) e Pense como eles (2012). E claro, sempre temos o nome Pantera Negra (2018) na ponta da língua quando falamos de grande representatividade dentro da sociedade atual.

Mas é importante lembrar que o Dia da Consciência Negra existe por um bom motivo. Temos que saber preservar e respeitar essas culturas pretas que foram saqueadas, roubadas e misturadas, e igualmente inferiorizadas, para reforçar esses protagonismos pretos e analisar o ângulo completo do que o racismo fez e ainda faz nos nossos círculos sociais.

A culpa de não termos tantas referências artísticas de grande repercussão é porque a cultura preta ainda sobrevive de pequenos patrocínios e de produções independentes para conseguir certo impacto no mercado. Filmes como Bantú Mama e A Garota do Moletom Amarelo são obrigados a permanecer longe dos grandes holofotes, precisando de eventos completamente voltados ao conteúdo racial, por culpa de uma cultura que prioriza apenas as realidades e discussões brancas. Falando de Amor é só um filme que – por sorte – sobreviveu bem e que não caiu na obscuridade cultural.

Sobre o filme

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O filme tem toda essa força que estamos debatendo aqui, e ainda usa de uma linguagem muito suave para questionar outros temas tão importantes quanto, como relações abusivas, aborto e laços amigáveis e familiares.

Falando de Amor reforça atuações ricas e icônicas, visibiliza nomes que nem eram tão conhecidos e enriquece nosso senso cultural com críticas importantes e reflexões ácidas sobre uma sociedade carente de decência e igualdade.

Nenhuma história é deixada em aberto, todos os nós são fechados e cada uma das protagonistas encontra sua forma de felicidade, dentro de relações amorosas ou não. O filme é gentil com todos os seus personagens, é justo com os erros cometidos e fala com clareza e cuidado sobre os temas mais delicados.

É óbvio que o feminismo também é um foco forte no roteiro, e traz sororidade e resiliência, além de enfatizar discursos que só ganham mais e mais impacto a cada dia que passa.

Alguns dos temas abordados no filme seriam de grande importância para uma segunda temporada de Preto à Porter, e por si só já valem um debate aberto e claro.

Agora é a sua vez de falar sobre esses temas. Quais dos assuntos de Falando de Amor você mais valoriza dentro da pauta preta? Vamos conversar sobre isso lá nas redes sociais: Twitter, Insta e Face.

*Crédito da foto de destaque: Divulgação

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